sexta-feira, 25 de setembro de 2009

DEITA CÁ PARA FORA

Nas vésperas de dois actos eleitorais é indisfarçável que uma imensa distância separa a sociedade civil das instituições políticas

O “Paulito”, aquele boneco que anima um anúncio de um operador móvel de telecomunicações gritando a frase “Deita cá para fora”, não vai fazer campanha por nenhum partido político concorrente aos próximos actos eleitorais.

O seu negócio é outro.

Aquela frase tem, porém, alguma acutilância neste momento. Os portugueses – e, em especial, os eleitores – têm, na verdade, muito que deitar cá para fora e razões de sobra para o fazer, embora, ao contrário, o modelo democrático em que subsistimos defina este tempo, especificamente, como de propaganda dos partidos políticos que, assim falam, falam… e geralmente não dizem nada, a não ser, por vezes, uns aos outros numa, aliás, sórdida claustrofobia partidária que os pode levar à tumba a não arrepiarem caminho.

É, então, de bom tom e aparenta “cultura” deplorar, nos tempos que correm, o estado da democracia que temos criticando o irrefutável afastamento dos cidadãos da vida política, o crescente individualismo que campeia na sociedade e o refúgio, na sua esfera privada, de muitos desagradados com a crise política. Fica bem, mas não basta.

Trata-se, no caso, de sinais dos tempos que não poderemos ignorar, mas tal não legitima que se limite a apreciação da democracia à sua dimensão eleitoral sublinhando, no transe, apenas, o abstencionismo crescente. Tal seria, de facto, redutor da realidade e, também, perigoso.

É incontornável, contudo, a crise por que passa actualmente a democracia que já não merece, em vários planos, grande apreço popular, tal como acontece com a vida político-partidária em geral. E é aqui que releva um conceito que, pelo menos, justificará aprofundamento intelectual, qual seja o de “contra democracia”, uma outra perspectiva de olhar a democracia em crise.

A “contra democracia” não é o contrário da democracia, mas uma outra forma de democracia, de algum modo alicerçada, certamente, na descrença da democracia assente no mero sufrágio eleitoral e visando, ainda que forma algo ambígua, por enquanto, dar relevo a um sistema de contra-poderes de acordo com o princípio liberal “cheks and balance” (controlo e equilíbrio). Na formulação do conceito e do seu desenvolvimento encontraremos o filósofo Pierre Rosanvallon e o seu livro “La contre-democratie. La politique à l’age de la défiance” (Seuil, 2006).

Nas vésperas de dois actos eleitorais é indisfarçável que uma imensa distância separa a sociedade civil das instituições políticas e o perigo real é que desse afastamento nasça, de algum modo, um populismo qualquer grosseiramente ameaçador da democracia.

Sem se pretender que os programas eleitorais dos partidos em concorrência parem em todas as estações e apeadeiros – se pronunciem e comprometam sobre todas as questões políticas que envolvem o nosso quotidiano e definirão o nosso futuro – não se afigura aceitável que desses projectos estejam ausentes as linhas essenciais da política a seguir após as eleições. E isto agravado pelo facto de que, à falta de tais faróis ou linhas programáticas essenciais, se junta o anonimato inqualificável daqueles que vamos eleger, nomeadamente para a Assembleia da República (não tanto, decerto, para as autarquias por óbvias razões).
Votar, pois, em que projecto?

Votar, pois, em que políticos?

A democracia à portuguesa ainda não foi capaz de enfrentar estas questões e de lhes dar solução e é por isso que o voto vai ser, em grande medida, uma mera escolha clubística ou o refluxo de traumas passados. E é pena.

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