sexta-feira, 3 de abril de 2009

ANGOLA REVISITADA


Empurrar para um gueto qualquer Estado alheio à nossa cosmovisão democrática será uma demonstração de sectarismo inútil.

Angola anda, hoje, na boca de qualquer empresário e de muitos desempregados, também, como possível alternativa estratégica à crise que se vive em Portugal. E a fomentar o interesse por Angola tivemos dois eventos recentes da maior importância: a visita, ao nosso país, do Presidente da República de Angola e a viagem do Papa a Angola com tudo o que envolveram esses momentos, e muito foi.

Compreendemos que tenham sido deixados para trás, nessas ocasiões, os contextos nãos negociais, ou não religiosos, dos eventos em si, nomeadamente a problemática dos direitos humanos e da qualidade da democracia angolana. Decerto que, focando a nossa atenção nesses contextos, haveria muito a criticar, mas não só em relação a Angola. É que muitos Estados com os quais Portugal – e todos os países que tal conseguem! – estabelece e promove a diplomacia económica e tudo o que daí decorre para os empresários, não apresentam melhores índices de liberdade, de segurança jurídica e de democracia.

Não nos deixemos, porém, influenciar liminarmente por argumentos eivados de ciúmes ou adiantados com má-fé tanto quanto escamoteadores de intenções perversas que não poderemos ignorar e que, de todo, não visam o que as palavras exprimem, mas uma competição, por vezes selvagem.

Aquelas referidas questões de contexto – decerto cruciais – implicam respostas políticas. Mas no mundo pós-moderno a política está cada vez mais ausente das nossas escolhas, que assentam, sobretudo, em interesses. Na verdade, é geralmente reconhecido que, desde logo, as categorias fundadoras da nossa mundividência democrática estão obsoletas: direita e esquerda, movimento operário e movimento patronal, nacionalismo e internacionalismo, capitalismo e socialismo, comunismo, liberdade e autoridade são conceitos que já perderam a força de outrora e se mostram, hoje, incapazes de explicar a vida política nacional ou internacional.
Teria algum sentido, então, condenar Angola ao ostracismo neste contexto ambíguo e num mundo em que todos, afinal, se conduzem pelos seus meros interesses levando, por vezes, o egoísmo ao cume da ignorância?

Não tenho particular simpatia pelos infractores dos valores humanistas de liberdade e democracia em que acredito e que fazem parte da minha idiossincracia marcada pela filosofia grega, o direito romano, a religião cristã e as experiências e revoluções democráticas americana, inglesa e francesa. Mas, também, não julgo conveniente, nem útil, ignorar esses Estados “menos democráticos” pois do que os seus cidadãos próprios mais precisarão é da partilha de valores democráticos e de liberdade, com outros cidadãos, de outros países. Precisam de mundo, mais e melhor mundo em redor.

Empurrar, pois, para um gueto qualquer Estado alheio à nossa cosmovisão democrática será uma demonstração de sectarismo inútil. Mais vale, hoje, estar dentro das relações, das instituições, das organizações e dos sistemas, embora dos nossos divergentes, do que criticá-los sem, ao mesmo tempo, lhes dar a mão e com eles partilhar valores, interesses e solidariedades.

É preciso, porém, estar de pé face às conveniências que aviltam os valores democráticos e as liberdades, direitos e garantia dos cidadãos e da sociedade civil de Angola. De pé e firmes nas nossas convicções – de que farão parte a partilha solidária do futuro.

Ora, estar em Angola, hoje, também poder ser uma forma de desafiar a construção de melhor democracia nesse país, tanto quanto de ajudar ao seu desenvolvimento económico e à consolidação de uma sociedade civil forte.

Nem todos os Estados democráticos são iguais, mas todos devem aspirar a um melhor democracia económica, social e cultural.

Estou certo de que em Angola, hoje, se prossegue um objectivo, antes muitas vezes espezinhado, e que é o de construir o Estado democrático.

Nós, portugueses também somos responsáveis por esse futuro, sem preconceitos, sem altivez mas com solidariedade humanista universal.