quarta-feira, 26 de maio de 2010

VERGONHA NÃO É SER FRACO, VERGONHA É NÃO QUERER SER FORTE


Temos que aprofundar, em tempos de dificuldade, a ideia da Europa, mas sem deixar de lado o relevantismo espaço do Atlântico onde se fala português.


Na situação dramática, nos planos económico, financeiro e social, em que o País está atolado, chegaram as receadas medidas de austeridade.

Apesar da sua dramática dureza, fica-me a convicção de que de pouco ou nada, a prazo, servirão atentos as nossas gravíssimas dificuldades estruturais. Com empresas pouco competitivas, dívida externa elevadíssima e uma classe política desnorteada, se não incompetente – e incapaz, sobretudo, de perceber o mundo de hoje, quer dentro de portas, quer a nível global – as expectativas são escassas quanto a um futuro melhor e diferente.

Nestas circunstâncias a revolta social é uma possibilidade, mas, o que é verdadeiramente relevante, a questão central para a qual o futuro reclama uma resposta é outra e tem a ver com o nosso posicionamento face às dificuldades.

Há que procurar, com efeito, o que nos pode trazer de volta o entusiasmo e a confiança; o que é que pode alimentar o ânimo de cada um e de todos os cidadãos para retomar o caminho; o que é que nos permitirá reerguer os olhos para além do presente e do imediato; como é que será possível sonhar novas primaveras. É por aqui o caminho, de nada valendo continuar a encher a boca com a palavra crise.

Pior, na verdade, do que nos faltar dinheiro, é faltar ambição aos portugueses – não quererem ser fortes.

O país precisa, pois, urgentemente de definir objectivos e metas, maioritariamente aceites e partilhados, para o médio e longo prazo. Para alcançar, decerto, níveis de racionalidade politica e financeira de âmbito institucional (redução do número de deputados, extinção dos governos civis, depuração de empresas municipais e institutos públicos, entre outras) mas, sobretudo, para sair da triste mediocridade socioeconómica e social, mas também o espírito em que tem sobrevivido.
É aqui que a Politica terá o seu espaço privilegiado de actuação – como arte, como doutrina, mesmo como ciência; aqui, também, é o tempo de verdadeiros estadistas que venham tomar o lugar dos “gerentes de mercearia” que os partidos políticos têm segregado, e, hoje, já é por demais evidente (como disse Warren Buffet, quando vem a maré baixa é que se vê quem está a nadar nu). Em que a alternativa a tomarmos nas próprias mãos o nosso futuro através da nossa própria visão estratégica do mundo, passará pela indigna cedência aos mercados e a difusos, mas poderosos, interesses alheios, situação em que a democracia será mais ou menos arredada do nosso quotidiano, ficando, apenas, dela uns restos e formalismos, protocolos e procedimentos e, pior, a soberania económica nacional será uma palavra vã.

Não podemos renunciar a ser pessoas, cidadãos, em toda a dimensão política e humana destas palavras, renunciar a viver um projecto de vida partilhado fundado na nossa história e virado para uma perspectiva do mundo que seja a nossa e não a que qualquer outro nos queira impor; temos que nos afirmar na luta pelo progresso e pela democracia sobretudo, quando a esperança começa a esmorecer; não podemos ceder ao poder absoluto de quaisquer interesses externos, obscuros, ávidos de poder e de infinita ganância.

As perspectivas geo-estratégicas de Portugal apresentam variáveis que apontam, inequivocamente, para um desafio euro-atlântico. Temos que aprofundar, em tempos de dificuldade, a ideia da Europa, mas sem deixar de lado o relevantismo espaço do Atlântico onde se fala português. O nosso passado passou por aí e o nosso destino aí terá, seguramente, perspectivas inimagináveis de sucesso e prosperidade conjuntas.

Temos de voltar a ser fortes.

Temos de voltar às raízes da portugalidade.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

O RATING DA POLÍTICA

Um dos mais delicados problemas essenciais é que se tem absolutizado
excessivamente o presente e o futuro só serve para amedrontar.


Não dominando as leis da economia, nem as regras do mundo financeiro – como, julgo, ninguém, por mais douto e iluminado que seja, domina, - até porque, fora e para além delas, há outras “leis” que comandam o destino da Humanidade – vejo com perplexidade as posições que alguns “especialistas” na matéria vão tomando, em Portugal, na Europa e, em geral, no mundo no tocante às crises que nos afectam. Com diagnósticos porventura tecnicamente certeiros, ainda que ideologicamente (ou interessadamente) coloridos por muitos matizes quanto às soluções e terapêuticas, vejo que ninguém se entende e a muito custo vão sendo tomadas, ora aqui, ora ali, algumas posições estrategicamente concertadas e aceites, mas quase sempre já à beira do precipício.

A globalização da economia entregou aos senhores da finança o governo do mundo com manifesta desqualificação da Política para agir sobre a sociedade. E, na Europa, é notório, ainda, que o poder de decisão sobre tudo o que mexe está radicado no eixo franco-alemão ao que acresce que, nas nossas democracias, a emoção (o medo) é que, afinal, guia as decisões políticas.

Ora, um dos mais delicados problemas essenciais – e que, nem sempre, ou quase nunca, é compreendido – é que se tem absolutizado excessivamente o presente e o futuro só serve para amedrontar. Mas há, também, o passado a considerar e um outro futuro possível a imaginar e construir. Quando o tempo está fora dos eixos (Shakespeare o disse, em Hamlet, “The time its out of joint”, referindo-se ao contexto de então) há que aumentar o esforço para tentar perceber, em perspectiva, as situações e assumir a grandeza de espírito, intelectual e ética, para encontrar soluções. Em particular na vida política, precisa-se de estadistas, coisa raríssima no tempo que passa.

O rating da Política e dos que dela se ocupam está cada vez pior e, daí decorrente, também a credibilidade da ideia comunitária e as esperanças nela depositadas andam fragilmente pelas ruas da amargura. A Europa não tem líderes à escala europeia, mas meros burocratas anódinos serventes de qualquer interesse; não tem uma ideia mobilizadora dos vários povos europeus cujos governos nacionais nada enxergam para além dos interesses dos seus quintais; a Europa tem medo da sua própria sombra recusando os valores do seu passado comum – não quis uma Constituição mas apenas um “arranjinho” de interesses feudais no âmbito de um projecto minimalista.

Agora sofre-lhe as consequências, humilhantes.

Como escrevia, há dias Thomas Friedman em artigos de opinião, “durante 65 anos a política, no Ocidente [o autor escreve dos EUA] resumiu-se, sobretudo, a dar coisas aos eleitores; agora vai passar a ser sobretudo a actividade de lhes retirar”. Ora, sendo certo que a procissão ainda vai no adro, já se adivinha o cortejo dramático que a acompanhará, não só em Portugal, mas um pouco por toda a Europa fora.

É aqui que ganha, então, relevo a base antropológica do Estudo de direito que somos assente na dignidade da pessoa humana e na garantia da efectivação dos direitos e liberdades fundamentais (Constituição da República, artigos 1º e 2º) e que reclama um sistema de protecção social inscrito no direito fundamental à segurança social. Trata-se de um direito que deverá ter, sempre, o objectivo de libertar as pessoas da “angústia da existência” decorrente de situações económicas e sociais adversas e que deverá, também, concorrer, ao concretizar-se legislativamente, para a manutenção da ordem, da paz e da coesão social como condições necessárias para a realização cívica de cada pessoa e de toda a colectividade. Para a realização da democracia, afinal.

O risco das políticas anti-crise é, hoje, esquecerem os valores da justiça social e da solidariedade e porventura o da dignidade da pessoa humana. E o combate cívico necessário tem de passar, pois, pela derrota da mediocridade e da cegueira partidária e pelo revigoramento da ética e dos valores que nos trouxeram as Luzes e que ainda têm sentido e actualidade – ou os têm cada vez mais.

O regresso dos valores do espírito é a tábua de salvação do século XXI, parafraseando o que um dia terá dito André Malraux.

A procura de saber e a busca de sentido para a Humanidade não está, porém, na agenda política. E talvez nem deve estar… mas não haverá outro modo de vencer as crises de sempre com as máscaras que hoje exibe.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

CARPIDEIRAS

Há pessoas que não têm o direito de criticar tudo e não apresentar alternativas;
que não têm o direito de não dizer a verdade por inteiro
.

Por estes dias o Presidente da República vai receber um conjunto de personalidades da vida pública, ex-ministros das finanças, que lhe irão transmitir a sua posição crítica relativamente à governação do país, nomeadamente quanto à concretização de grandes obras públicas (alta velocidade, novo aeroporto e terceira travessia do Tejo, sobretudo). Ao que se sabe, invocam que a situação das contas públicas, tanto quanto a economia do país, não consentem o que eles qualificam como investimentos megalómanos.

É manifesto e notório que, ao recebê-los, o Presidente da República consente que, sobre as ideias que professam, incidam, com inusitado fulgor, os holofotes da comunicação social, com todas as consequência que daí normalmente resultam. Ou seja, sobrevalorize a posição de meia dúzia de ilustres economistas, em audiência presidencial sem direito a contraditório, não ignorando que a posição do Governo legítimo do país é outra.

Há que respeitar, sem dúvida, tão avalizadas opiniões – o que não impede que se descortine neste movimento também algum despeito e, porventura, tendências hipocondríacas de “Velhos do Restelo”. Invocam o seu passado mais ou menos ilustre, mas não se lhes conhece um projecto político alternativo para Portugal. Que me perdoem, mas fazem-me lembrar a “Brigada do reumático”, de triste memória, que apoiou, em seu tempo, o marcelismo já em fase de agonia… ou aquele anúncio que anda por aí e que diz, mais ou menos, assim: sou carpideira, a minha função é chorar nos funerais (e continua, promovendo a venda de certa água mineral).

Vale isto por dizer que, de tão insignes políticos, não era de esperar tão deslustrante pressão sobre um órgão de soberania que, aliás, ao acolhe-los, se torna seu cúmplice. E com isto não vai a mínima crítica a qualquer atitude que a sociedade civil entende tomar. Bem pelo contrário, estou inequivocamente ao lado daquele pensamento de Edmund Burke que vem citado por Dahrendorf (Reflexões sobre a Revolução na Europa, 1990) e em que afirma ser “(…) Alguém que, quando o equilíbrio da embarcação em que viaja se encontra ameaçado por sobrecarga de um dos lados, procura transportar o pequeno peso dos seus argumentos para o lado que possa preservar o equilíbrio”.

A questão aqui é que não consigo compreender o relevo que é dado àquelas personalidades que, por muito que saibam não são pitonisas e, por mais que queiram, não têm legitimidade democrática para governar. As suas posições não merecem, julgo, uma audiência presidencial num regime democrático. Ou, então, outras correntes de opinião terão de ter igual tratamento. Caso assim se não entenda, concluo, pois, que o Presidente quer governar – não tendo poderes para tal – e que o faz de forma pouco transparente e até desleal.

As razões e argumentos para tão relevante discórdia quanto a grandes investimentos públicos podem ter uma lógica financeira irrepreensível e assento nos melhores tratados de finanças públicas, como idêntico valor poderão ter as teses contrárias. Não será, porém, a poupança que decorre da não realização, eventual, de tais investimentos que resgatará as finanças do Estado. Para tal serão necessários duros cortes na despesa pública e difíceis reduções nos gastos dos cidadãos em geral.

Esta inevitabilidade é, porém, escamoteada pelos ilustres peticionários tanto quanto se percebe pelo que ultimamente tem vindo a lume. Até parece, ao contrário, que a não realização desses investimentos, só por si, faria ocorrer o milagre da regeneração financeira do país!

Não é assim. E eles sabem isso, mas, por razões que só eles conhecem, não o explicitam do modo que, entendo, é seu dever.

Há pessoas que, com efeito, não têm o direito de criticar tudo e não apresentar alternativas; que não têm o direito de não dizer a verdade por inteiro. Entre elas estão indeclinavelmente as ditas personalidades.

À ideia de democracia repugna que uns tirem as castanhas do lume e outros as comam…