quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

UE: ENTRE A REFUNDAÇÃO E O PRINCÍPIO DO FIM


A Europa está a ser germanizada. O prémio Nobel da Paz não poderia, jamais,gratificar esse trágico itinerário.

Entre inúmeras críticas, algumas delas profundamente depreciativas, a União Europeia recebeu o prémio Nobel da Paz 2012, alegadamente pela sua contribuição para a paz, a democracia e os direitos humanos durante mais de seis décadas.
E justamente.

Temos de recordar que a Europa, em tempos anteriores – longos tempos! – foi um quase permanente campo de batalha e muito para além das, mais próximas, duas Grandes Guerras mundiais. Sem ir muito longe na história, convém lembrar sucessivas tentativas imperialistas de alguns povos europeus no sentido de dominarem todo o Continente. Desde logo a Guerra dos Trinta Anos entre 1618 e 1648 – um conflito dramático entre os Habsburgos, senhores da Espanha e do Sacro Império Romano-Germânico, da Áustria, Hungria, Boémia, Holanda, Baviera, Flandres, norte de Itália e Bélgica, e os Bourbon de França. Desta guerra saiu o conhecido Tratado de Vestefália e, com ele, o fim da existência de dois poderes na Europa: o temporal e o espiritual em que se vivia então. Trouxe, este tratado, o início da independência dos Estados sobre a situação que era conhecida como Republica Christiana. Não trouxe, porém, a paz. Nos séculos seguintes continuaram a surgir guerras sangrentas na Europa: recordem-se as guerras de 1701-1713, 1756-1763, 1792-1815 (cfr. Paul Viotti, International Relations and World Politics, New Jersey: Prentice Hall, 1947). Depois, as duas referidas Grandes Guerras, o Holocausto, a ocupação soviética da Europa de Leste, a guerra civil na Irlanda e outros conflitos localizados dentro dos Estados europeus, enraizados em nacionalismos abafados e longe de estarem resolvidos. A Catalunha expressa-o hoje com clareza, mas há várias outras situações latentes.

Sem a construção europeia é de admitir que o terror da guerra não tivesse sido esconjurado durante estas últimas décadas da Europa.

O Nobel da Paz tem, pois, sentido em 2012, mas virado ou olhando o passado… É que, no presente, não se enraízam quaisquer esperanças de novas primaveras na União Europeia! A contrário, são inúmeros os fantasmas que voltejam sobre o presente ameaçando o futuro. A incompetência dos líderes europeus dói, tanto quanto a sua “liquidez” política e doutrinária. O populismo avança subtilmente entre a pobreza e os excluídos da sociedade. Os nacionalismos, que nunca morreram, estão a equipar-se, enquanto a democracia sofre dores porventura terminais às mãos da Sr.ª Merkel. Quem se der ao esforço de estudar o contexto sócio-político e financeiro da grande depressão de 1929 vai aí encontrar a sopa de pedra que os europeus tiveram de comer a seguir. Está lá tudo!

Não há qualquer tipo de solidariedade europeia nos tempos que correm e talvez nunca tenha havido qualquer sincera solidariedade fora dos interesses de certos Estados. Lembro, apenas, de passagem, que seria conveniente, um dia, fazer a comparação do que recolhemos dos fundos europeus, relativamente ao que pagamos à Europa e, sobretudo, do que empresas, protegidas de muitos Estados (a França, a Alemanha…) levaram para sua casa dos fundos formalmente atribuídos a Portugal (transferência de tecnologia, realização de grandes obras públicas, empréstimos deles e reembolsos nossos, etc.).

A Europa está a ser germanizada. Ora, o prémio Nobel da Paz não poderia, jamais, gratificar esse trágico itinerário. O medo, a insegurança, a angústia dos europeus que estão a sofrer uma austeridade imoral não poderia aceitar tal gratificação. Seria um sinal para avançar no sentido de um super-Estado, na base de (pretenso) super povo, uma raça alegadamente superior contra todos os outros cidadãos da Europa.

Uma estratégia repetida, nestas colunas, à exaustão tem a ver com a ideia de Portugal como país euro-atlântico. Só nesse âmbito poderemos ser um povo que conte no contexto de um futuro incerto. Há que reler e pensar os escritos do Pe. António Vieira, de Fernando Pessoa e de Agostinho da Silva. Talvez valesse mais a pena do que andarmos de mão estendida às ordens da “Troika”.

E, para terminar: há por aí alguém disponível para levantar um programa tipo ERASMUS no âmbito dos países de língua portuguesa? Aceito ideias e agradeço-as antecipadamente.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

DAR SENTIDO AOS SACRIFICIOS


Não estamos condenados à pobreza, ao sofrimento e à ignorância!

As nossas vidas perderam muito do seu significado e sentido nos últimos tempos e não foi só por questões económicas conexas com a austeridade que os poderes nos vão impondo e a que alguns espantosamente se subjugam silenciosamente, quando a não defendem. Vivemos, sobretudo, uma época de crenças moles e raras convicções. Um tempo de lassidão e laxismo. Como disse Martin Luther king “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”.

O 10 de junho, dia de Portugal, de Camões e das Comunidades é passado geralmente na praia. O 5 de outubro (que deixou de ser dia feriado) reúne uns pequenos grupos de republicanos desnorteados nalgumas cerimónias incaracterísticas  e a que o povo é absolutamente alheio. O 1º de dezembro é para as compras e não chega. E o Natal que aí vem, felizmente menos mercantilizado, já nada diz a muitos de nós afastados do consumismo que o vinha caracterizando.

Um silêncio ensurdecedor instalou-se no nosso quotidiano comum e aprisiona, mesmo, a consciência de muitos. Reina sobre as grandes questões da sociedade, e até já muitas elites intelectuais embarcaram na desistência de pensar a vida.

O pragmatismo que se impõe nas contas públicas e nos orçamentos privados não é inconciliável, porém, com um plano de batalha transformador da sociedade a médio e longo prazo.

O maior fator do desespero dos cidadãos é a vacuidade do discurso dos poderes públicos quando se fala do futuro.

Não estamos condenados à pobreza, ao sofrimento e à ignorância!

Uma outra sociedade é possível!

A pobreza em que mergulhamos não tem a ver, apenas, com a carência dos bens materiais, a falta de alojamento condigno, a deficiente alimentação e males semelhantes. A grande interrogação e a maior angústia, hoje, tem a ver com o facto de que ninguém sabe o que será o amanhã.

O medo mata. Vidas, sonhos e um futuro decente. Está instalado na nossa sociedade. O Ocidente está nas mãos de gente sem memória. A UE, sem norte, ergue-se como o templo dos egoísmos indiferente às crescentes desigualdades sociais. Ora, as sociedades em crise são o terreno propício para crescer o medo e toda a espécie de radicalizações. Em Portugal, um país de joelhos, cada dia que passa somos menos pessoas. Os governantes, que parecem só saber a tabuada do défice e da dívida, ignoram o desemprego, desvalorizam a redução brutal dos rendimentos das famílias e cortam os apoios sociais. A subida draconiana dos impostos vai de par com a agonia inexorável do funcionamento dos serviços públicos. Culpabiliza-se os cidadãos pelo consumismo, pelo desequilíbrio externo, pelo desemprego, por estarem reformados, por não emigrarem.  A mentira é anestesiante e desmotivadora, mas não deixa de ser mentira ainda que gritada todos os dias aos ouvidos de encautos cidadãos.

A regra de ouro de qualquer contrato social é a defesa dos mais desprotegidos. Ora, é precisamente o contrato social que existia entre o Estado e os cidadãos que tem sido meticulosamente rasgado, escamoteado no acordo com a “Troika” que bebe das mesmas ideias e opções de Thatcher.

Está em marcha a desconstrução do Estado social e que ninguém se iluda pois com ela vai o fim da democracia.

É preciso reapreciar o Estado-providência? É, seguramente. Mas este é uma patologia do Estado Social que, esse, é, um dos pilares da democracia. Cuidado porque, por este andar, vai o bebé com a água do banho…

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

SALVAR O ESTADO SOCIAL E AINDA GANHAR ECONOMICAMENTE COM ISSO


Com alguma lucidez e sentido estratégico em vez do naufrágio poder-se-ia, porém, criar uma enorme oportunidade de negócio.

Em crónica anterior já me referi ao tema atualissimo das funções do Estado e à necessidade urgentíssima de o debater e de definir a respetiva doutrina a longo prazo. Do caleidoscópio de questões que emergem desse tema refiro-me, aqui, ao Estado social que uns querem desconstruir e, outros, gritam que não aceitam que dê qualquer passo a trás.

Apesar da crise violenta que nos dobra a espinha e da austeridade que já nos leva a vida, será possível manter o Estado social (o modelo social do Estado) previsto na Constituição da República e de que, ainda há pouco beneficiávamos? Respondo, sem hesitação, que é possível além de ser necessário. E, acrescento, poder-se-à fazer assentar nele até uma estratégia de desenvolvimento para o país.

Vou explicar-me.

Não tem sentido útil rever e redesenhar as funções do Estado sem um desígnio para o país. Tais funções implicam com esse desígnio e a estratégia para lá chegar e não será admissível que se restrinjam às questões do défice e da despesa pública. Se assim for – como tem sido – iremos parar todos a uma situação na qual nem de Estado precisaremos…

O Estado social tem a ver com os direitos, constitucionalmente consagrados, à segurança social e à saúde, sobretudo no que ora interessa, sendo certo que o seu perímetro é mais largo. Não será possível alcançar uma sociedade coesa e solidária, virada para o futuro, sem que tais direitos sejam usufruídos amplamente por todos. A ideia de democracia, na vertente social, exige-o, de resto.

É caro manter os sistemas de segurança social e de saúde? É. E em tempos de crise económica e financeira é difícil? É. Temos, todos, de o pagar? Temos. Queremos mantê-los? Creio que a resposta é sim, não importa se como prestações diretas do Estado ou entregues à economia privada quanto a sua gestão. Ao contrário do que se possa pensar não estamos, porém, perante a quadratura do círculo mas, apenas, incompetência e preguiça a rodos, além, é claro, da incapacidade política de afrontar os interesses das corporações, nacionais e estrangeiras, do setor.

Com alguma lucidez e sentido estratégico em vez do naufrágio poder-se-ia, porém, criar uma enorme oportunidade de negócio. É que, sendo o Serviço Nacional de Saúde português um dos melhores do mundo (noutra ocasião falarei da segurança social) poderia “exportar” uma infinidade de bens e serviços, em que há mais valias, portuguesas, para outros países. Lembremo-nos, nomeadamente, dos países africanos de língua portuguesa em que não existe Estado social mas a ambição de o edificar é grande e urgente. Com espírito de solidariedade – que não tem porque excluir a justa retribuição – resultariam daí rendimentos que poderiam mais de que sustentar o nosso SNS. Se o não fizermos já, outros o vão fazer por nós e, indubitavelmente, com custos muito superiores para esses países porque em espírito meramente mercantil.

Volto às funções do Estado. O que mudar, então, no sentido de melhor aproveitamento do que já temos? Não é preciso desconstruir o SNS: o que urge é incrementá-lo, valorizá-lo, dignificar os seus profissionais e, sobretudo divulgá-lo ao mundo como marca portuguesa. Na vertente dos PALOP’s, decerto, mas não só porque há mais mundos a explorar. O turismo de saúde é um deles, bem como a prestação, em Portugal, de cuidados de saúde aos portugueses da diáspora. Estes beneficiam de seguros de saúde ou têm direitos face aos estados de acolhimento que permitiriam tratar-se em Portugal pagos por esses sistemas. E todos lucrariam.

Não estarei a dizer nada de novo, mas de novo apenas. Ainda há dias li na imprensa que o “O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra foi escolhido pela segunda maior caixa de saúde pública da Alemanha, com oito milhões de inscritos, para tratar todos os seus beneficiários que adoeçam durante a permanência em Portugal. (Expresso, 27 Out. 2012). Não se sabia que era impossível… e, por isso, conseguiram-no!

Em vez de se autoreduzir e destruir as nossas vidas o Estado português tem de ser criativo.

E se começasse por aqui?

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

AS FUNÇÕES DO ESTADO


Debater as funções do Estado – e o seu custo e modo de pagamento – é tarefa ciclópica, mas incontornável face às grandes transformações nos “mundos da vida” que a crise de 2008 nos vem colocando no caminho.

O ministro Vítor Gaspar tocou um dos temas mais relevantes para os portugueses quando afirmou recentemente na Assembleia da República que “aparentemente existe um enorme desvio entre aquilo que os portugueses acham que devem ser as funções sociais do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar”. Ao exprimir-se através do advérbio “aparentemente”, mostrou que não estará seguro da sua declaração, mas creio que a questão é muito pertinente e deverá ser objecto da maior atenção. Não esqueço, também, que num livro recentemente publicado, coordenado por Raquel Varela, com o título “QUEM PAGA O ESTADO SOCIAL EM PORTUGAL – onde nos leva esta crise económica? O Estado de bem estar europeu tem futuro? Dívida pública: dívida de todos ou negócio de alguns?” se conclui, com importantes fundamentos, que são os contribuintes quem paga o Estado social e não o estrangeiro.

Debater as funções do Estado – e o seu custo e modo de pagamento – é tarefa ciclópica, mas incontornável face às grandes transformações nos “mundos da vida” que a crise de 2008 nos vem colocando no caminho. Há que perceber que um mundo acabou e outro está a nascer, uma nova era certamente e não uma qualquer mudança superficial ou conjuntural.

Naturalmente que se sente mais na pele a problemática do Estado social pois toca prestações e serviços a que todos se habituaram como “coisa normal”, assim como se fosse um maná vindo dos céus na euforia de Abril e para ficar para sempre. Deve sublinhar-se, porém, que a problemática é muito mais vasta entroncando-se, nomeadamente, com aquilo que se designa por “Conceito Estratégico de Defesa Nacional” – algo que anda, de resto, demasiado longe, infelizmente, das preocupações governamentais, o que se há-de pagar um dia destes. E, também, com as escolhas, com mais de oitenta anos de aprofundados estudos e debates, quanto à intervenção do Estado nos mercados. (Ver a propósito, de Nicholas Wapsshott, Keynes/Hayec – o confronto que definiu a economia moderna, D. Quixote, Setembro 2012). Mais despesa pública ou, ao contrário, mercado livre, é este o nó gordio também da saída para a crise. O Estado, sempre, no centro do furacão.

A Constituição de 1976, ainda que revista em diversos momentos, exprimiu a vontade política do povo português num certo momento. Os Constituintes consagraram, todavia, apenas as ambições – que fixaram em direitos – dos seus representados ignorando, majestaticamente e com o tradicional populismo, as obrigações que deveriam corresponder aos direitos. Depois se veria, terão pensado…

Hoje é chegado o momento de fazer contas. Sublinhe-se, porém, que as escolhas não são apenas do foro financeiro, ao contrário do que, por vezes, se quer fazer crer. São ideológicas – têm a ver com as funções do Estado, as suas finalidades.

As promessas primeiras incluídas na atual Constituição estão a ser destruídas antes, mesmo, de terem sido plenamente alcançadas numa manifesta crise de representação do futuro.

O povo português, à luz dos tempos novos que vivemos, deverá ser chamado a pronunciar-se sobre as propostas que os partidos venham a apresentar quanto ao Estado que pretendem e, aí, terá de lhes ser dito o respetivo custo. Só assim se podem pedir sacrifícios e impor austeridade e, sobretudo, só nesse contexto se pode pedir que todos lutem para que o futuro seja melhor para todos.

Não é possível por muito tempo sustentar, pelo medo, o atual estado do país.


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O MELHOR POVO DO MUNDO


Pior governo do mundo vai dissolver o melhor povo do mundo e escolher outro.

O “melhor povo do mundo” não parece ter grandes opções de vida. Entre emigrar, na opinião de Passos Coelho – grande educador para a austeridade -, e subjugar-se aos comandos da “troika”, que venha o diabo e escolha. O Governo não está, também, em situação de escolher livremente o seu futuro. Tem de ser fraco com os fortes – a troika é quem põe e dispõe – e, depois, vingar-se no mexilhão, que oprime sem limite algum, assim sendo forte com os fracos. Um jogo de soma nula.

Paradoxalmente os fracos são, justamente, o melhor povo do mundo!

E não somos? Claro que sim. Veja-se só como aceitamos a punição da austeridade para pagar os erros dos outros – e a sua ganância – dando-lhes as nossas tripas, ou seja, o pouco que ganhamos a trabalhar como mouros (impostos e taxas), mais o ouro que ficou de alguma herança ou memória (vendido por truta e meia nas casas de vendilhões que por aí proliferam e que os reencaminham para os donos do mundo) e, ainda, as próprias entranhas ou tripas do nosso território para explorarem (investimento estrangeiro, diz-se!) minas de volfrâmio e metais preciosos. Amanhã, porventura, petróleo. E parece que nem o ouro de Salazar, guardado no Banco de Portugal, vai escapar.

Que ninguém se iluda. O ditado “vão-se os anéis, fiquem-se os dedos” não se vai concretizar para o melhor povo do mundo. Vamos ser convocados – já o estamos a ser – para dar também a nossa própria vida abdicando do direito à saúde, à educação, à habitação e, até, do simples direito a comer alguma coisa para enganar o estômago.

Adivinho já alguns dos mais generosos desse grande povo, o melhor do mundo a correr, heroicamente, atrás de uma galinha alemã, da capoeira da Sr.ª Ângela Merkel, para partilhar um pedaço de pão a cair do bico de um galináceo germânico em fuga (perdoe a minha falta de imaginação, Dr. Fernando Nobre). À vista do Armagedão, o melhor povo do mundo cumprirá então, a suprema vontade deste inefável governo e dos seus mandantes. No mais escrupuloso respeito pela democracia irá a eleições. Eleições? Sim, porque o pior governo do mundo vai dissolver o melhor povo do mundo e escolher outro. E serão todos felizes até que a morte os separe.

Há, ainda, por aí alguns otimistas inveterados que, por desconhecidas razões, continuam a explicar o que é inexplicável – que Portugal é um país independente, que vivemos em democracia e que existe um governo legitimo. Matraqueiam uns slogans partidários pelo meio e aconchegam-se aos partidos que os sustentam direta ou indiretamente. Desde que não lhes peçam para pensar, vai tudo bem…

Portugal – o país da minha geração – já não existe. Provavelmente nunca mais existirá. “Jás morto, e apodrece”.

Tem razão o ministro Vitor Gaspar: os portugueses têm de saber e de decidir quanto querem pagar pelo Estado Social que reclamam e a Constituição de 1976 lhes prometeu. A resposta mais provável é que não querem pagar, ou não possam pagar.

No fim, que se anuncia, voltamos, então, ao princípio. Só se pode distribuir aquilo que se produz antes. As contas de calcular, a tabuada e os modelos económicos não prestam para nada se nada se quer construir.

Estamos conversados, Dr. Vitor Gaspar. O senhor sabe tudo de nada e entrou num filme que não era o seu. Volte depressa para Bruxelas (perdoamos-lhe a dívida da sua educação e ainda lhe oferecemos bilhete, mas só de ida) e leve consigo a corja que anda à sua volta. E que venham verdadeiros patriotas, estadistas, homens a sério, com dignidade e valores para restaurar a democracia política, económica e social que vocês destruíram.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

E A DIGNIDADE HUMANA?


Os portugueses estão a ser punidos com uma austeridade que não merecem e que resulta, em grande parte, dos erros e da ganância alheia.


Em verdade vos digo que, se, como deputado, tivesse de apoiar ou rejeitar o Orçamento de Estado (OE) para 2013, me trespassaria uma pungentíssima angústia e não sei para que lado caíria o meu voto.

Se um OE é algo de indispensável à vida em sociedade nos termos da organização política vigente – acredito que tal organização já não serve, porém, o mundo globalizado e o homem do século XXI – não se poderá aceitar um qualquer orçamento, uma mera tabuada cifrada onde se ignora a dignidade humana. Temos que pagar as dívidas, como disse o Primeiro Ministro, pois isso é timbre de quem é honrado. Mas as dívidas reais e que foram contraídas para bem da República. Jamais, porém, as que nos responsabilizam coletivamente e que apenas existem por virtude dos jogos financeiros de criminosos, nacionais e estrangeiros. Este é um primeiro ponto. De seguida – e apenas quanto ao que efetivamente fosse devido – nunca, nunca aceitaria que, para pagar a agiotas, a dignidade e até a mera sobrevivência biológica de muitos portugueses fosse posta em causa.

Felizmente não sou deputado! Mas já fui e sei bem como as “coisas” se passam na hora do voto. O que conta não é a reflexão moral de cada um sobre o seu voto, mas uma visão prospectiva dos seus interesses no itinerário e carreira partidária. Também foi por isso que deixei de o ser e, hoje, apenas tenho muita pena dos deputados honestos que irão ter de votar.

Os portugueses estão a ser punidos com uma austeridade que não merecem e que resulta, em grande parte, dos erros e da ganância alheia. O governo que temos – e os interesses que defende – nunca permitiram que fosse dito aos portugueses tal verdade. Esse silêncio é uma vergonha. Passos Coelho e os seus acólitos estão a governar para satisfazer ambições de usurários da finança nacional e internacional sem qualquer sensibilidade social e sem olhar para o empobrecimento, a desigualdade e a exclusão social que estão a originar em Portugal. Foi o presidente francês, François Hollande que teve de vir dizer que os portugueses estão a pagar os erros cometidos por outros e, mais, que chegou o tempo de oferecer uma outra perspectiva aos cidadãos portugueses para além da austeridade (Le Monde 17 outubro 2012).

Não têm vergonha, senhores do poder, da vossa servidão voluntária à finança internacional e aos seus caprichos e interesses? Digo-lhes: não serviriam, sequer, para tratar da minha pequena contabilidade ou para arquivar os meus ficheiros. E acrescento: os senhores estão a trair os portugueses e a cremar Portugal.

A austeridade não vem na Bíblia. É uma construção do homem, contra o homem. A vossa austeridade é a de um modelo político-económico punitivo em relação aos indivíduos, orientado pela crença de que os excessos do passado devem ser reparados pelo sacrifício presente e futuro.

A austeridade é uma armadilha, assente numa ética cínica, que está a aproximar os portugueses das portas da morte, enquanto a sua via sacra se agrava dolorosamente numa agonia em que já deixamos de amar o que somos para nos perguntarmos apenas como sobreviver sem nos coisificarmos. Como processo tido por inevitável atira cada vez mais cidadãos para a valeta, mina os alicerces da coesão social e, já também, os da democracia.

É altura de parar para pensar. Não vão ter outra oportunidade nem que pateticamente o Cardeal Patriarca de Lisboa volte a repetir que a indignação que os portugueses (e não só eles) expressam nas ruas são contra a democracia: “são, [disse] uma corrosão da harmonia democrática da nossa Constituição e do nosso sistema constitucional” (JN, 13 outubro, 11). Oh! Sr. Cardeal: não se lembra de que o Pe. Américo já dizia que não é possível pregar o evangelho a barrigas vazias?

Os deuses, na verdade, enlouquecem aqueles que querem levar à perdição.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

NUNO GRANDE



Obrigado, muito obrigado por ter partilhado connosco o riso, a dor, a esperança, a angústia, os  
afetos, o sonho, o amor e a morte.


… E todos, todos se vão!

Osíris, o deus do Além, passou, na sua barca, à porta de Nuno Grande e levou-o, há dias, consigo. Vai chegar primeiro, Professor. Espere por nós, os que sempre e incondicionalmente em si acreditamos e que continuaremos, entretanto a combater por cá de olhos postos em si.

Homens como Nuno Grande, num mundo agreste, cínico, egoísta, desnorteado, ganancioso, levam-nos a pensar que a natureza humana não é necessariamente má e o “homem o lobo do homem” (homo homini lupus, Hobbes). Há, afinal, outros caminhos na sociedade que podem ser percorridos na senda da liberdade, da igualdade e da solidariedade. Foi por estes que a luz da sua vida viajou com uma grandeza infinita. E fica entre nós.

Lembro, neste momento, em especial a sua dedicação à Fundação Afro-Lusitana e o apoio constante que generosamente lhe prodigalizou para a manter viva na ajuda a estudantes dos países africanos de língua portuguesa. E se em muitas outras circunstâncias tive o privilégio da partilha da sua bondade (Forum Portucalense, Liga dos Amigos da Ponte D. Maria, Centro Juvenil de Campanha, sei lá que mais!) convoco aqui a Fundação Afro-Lusitana para, em jeito de homenagem – e até ao nosso encontro no Oriente eterno – lhe prometer que a fundação que tanto lhe deve vai voltar a ser o que queria que fosse. Vai, sim, Professor. Porque era sua vontade e é a nossa, segundo os seus ensinamentos.

Com este humano evento – o seu e o nosso adeus – mais uma noite sem lua acontece na nossa impiedosa sociedade que, cada vez mais desumanizada, caminha a passos largos para a tragédia final – suspensa a democracia, uma certa liberdade poderá fazer, a seu tempo, retornar o fascismo. Não devia, pois, deixar-nos por aqui quando vivemos num país agrilhoado por poderes não eleitos e mortificado por eleitos imbecis; quando há crescentemente fome em muitos lares e a saúde deixou de ser um direito humano incontestável; quando a mediocridade e o oportunismo estão encavalitados à mesa do Estado; quando a liberdade se esvai e a democracia apodrece; quando o medo escraviza os portugueses; quando a esperança já não nasce ao raiar do dia. Afinal foi contra toda esta miséria que os seus valores sempre o levaram a lutar corajosamente!

Ao curvar-me perante o seu corpo biológico na capela mortuária onde descansava, a sua extremosa esposa - grande Mulher sempre ao lado de um grande Homem – olhou-me e, entre lágrimas, sussurrou-me ao ouvido: “Sabe, ele gostava muito de si”. Agradeci comovido e sem jeito. Mas o Professor gostava de todos e a todos ajudava numa permanente disponibilidade para fazer o bem sendo eu apenas um dos devedores que ele deixou e que não teve, ainda, ocasião de lhe pagar a sua generosidade.

Nuno Grande, não viveu no, e do, materialismo vulgar que ignora a singularidade de cada pessoa e a dignidade humana de todos. Homem aberto à totalidade do real percorreu caminhos diversos com um humanismo insuperável na busca permanente de mais liberdade, mais democracia, mais justiça, mais dignidade. E com a esperança meta-histórica (estou disso convencido) de que para além do tempo, tempo haverá, deixou sinais e marcas nos caminhos que sulcou na sua terrena peregrinação que farão avançar no futuro os homens de boa vontade como ele o foi

Obrigado, muito obrigado por ter partilhado connosco o riso, a dor, a esperança, a angústia, os afetos, o sonho, o amor e a morte.

Até logo, Professor.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O SUCESSO DOS PORTUGUESES NO ESTRANGEIRO E O SEU INSUCESSO EM PORTUGAL


O que faz dos portugueses heróis quando labutam fora de portas é a coragem e o que os torna invertebrados cá dentro são as políticas de conforto à preguiça e de subsidiodependência.

Eu vi, em Paris, nos passados dias 14, 15 e 16 de Setembro, a energia e a vontade de vencer de muitos portugueses. E, por isso, testemunho que Portugal é possível neste mundo global em que vivemos desde que deixem os portugueses ser livres …e portugueses!

Sob os auspícios da Câmara de Comércio e Indústria Franco Portuguesa, superiormente dirigida pelo Prof. Doutor Carlos Vinhas Pereira, um português de sucesso em França, realizou-se o I Salão Imobiliário Português e o IV Forum dos Empresários Luso-Descendentes e Portugueses em França, no Parque de Exposições de Paris. Inúmeros visitantes – não só portugueses residentes em França mas, também, franceses e, até empresários de outras nacionalidades por lá passaram à procura de negócios em Portugal. Cumpre sublinhar, pelo que vi, que os portugueses, - o Portugal que trabalha, cria e vence – está na rota de muitos investimentos estrangeiros.

Confirmei, então, a minha convicção de que um desígnio nacional, premente, há-de ser o reencontro da diáspora portuguesa em torno de alguns valores, patrióticos e morais. Haverá 5 milhões de portugueses espalhados pelo mundo que os poderes deste país, porém, sucessivamente tem ignorado, mas que são uma variável necessária e relevantíssima para ultrapassarmos as crises do presente. E eles – que são dos melhores de nós (pela coragem de partir, pelo espírito de sacrifício que os anima na sua luta por esse mundo fora) não se afastaram da portugalidade. Foram apenas esquecidos pelo autismo e inveja, até, dos que cá ficamos.

Voltei, entretanto, a Portugal. Nos dias seguintes, em duas ocasiões distintas, julgo ter entendido algumas das razões para estarmos a ser subjugados pelos nossos credores. É que, por cá, os nativos não querem trabalhar (apenas querem emprego…) nem estão dispostos a lutar pela conquista de um posto de trabalho, ou pela sua manutenção. Mesmo a austeridade, sem ética e sem equidade nem sentido de futuro, já é, por muitos, aceite num conformismo ingénuo ou na vivência de medos subtilmente instilados na sociedade pelos que nos governam cá dentro e, sobretudo, de lá de fora.

António Borges, no seu afã de ganhar de ganhar dinheiro fácil e na sua total falta de jeito para a política, quando qualificou os empresários portugueses de “ignorantes” não soube justificar a sua afirmação. Mas disse uma relativa verdade que aqui sublinho: muitos empresários portugueses são mais que ignorantes, são corruptos e nada sabem fazer sem que a torneira do Estado se abra a jorrar dinheiro para as suas ambições. Há muito que defendo que não é o dinheiro que faz os verdadeiros empresários – nem o ter amigos nos partidos para o alcançar (e depois devolver em múltiplos esquemas de engenharia fiscal e financeira). Mas quando qualquer trolha (profissão honrada, de resto) se traveste de empresário e entra na banca ou na sede dos poderes políticos e aí, por inconfessáveis motivos, assenta praça como general… alguma coisa está mal.

A recuperação do nosso pais precisa de Trabalhadores e de Empresários (com letra grande) e não daqueles que só querem um emprego ou nada saber fazer, nos seus fatos Hugo Boss, sem o Estado ao lado.

O que faz dos portugueses heróis quando labutam fora de portas é a coragem que os leva a ser dos melhores empresário e trabalhadores do mundo. E que os torna invertebrados cá dentro são as políticas de conforto à preguiça e de subsidiodependência que lhes mata a alma. Havemos, um dia, neste aspecto, de confrontar, também, o actual presidente Cavaco Silva, que, para muitos, é um dos responsáveis morais por esse espírito leviano e inconsequente desde os tempos em que, para ganhar e manter maiorias absolutas, se conformou ao “pão e circo” para todos e algo mais, porventura, para alguns… Digo isto, claro, na certeza incontornável de que terei de nascer outra vez (ou duas vezes?) para ser tão sério como o Presidente o é.

Por mais que queiramos sair da crise não será viável consegui-lo sem os portugueses da Diáspora  Eles são os melhores dos melhores de nós. E, agora que a juventude qualificada abandona este país a apodrecer, mais vigor terá esta convicção.

Como o conseguir?


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

OS SINOS TOCAM A REBATE


Mas não nos agrilhoem numa austeridade que não passa de um expediente
para nos roubar os nossos bens e a nossa vida.

O comboio a vapor que passava entre os pinheiros na terra da minha mãe é uma das imagens mais fortes que guardo da minha infância austera, pobre. Também dos sinos da igreja tenho lembranças; de quando repicavam a chamar para a oração, novos e velhos, viúvas e órfãos, vestidos a “rigor” na penúria mais extrema dos que nada tinham a não ser a felicidade de viverem em solidariedade campesina e com fé no Destino. E também quando tocavam a dobrar e eu ficava assustado no desconforto daqueles sons que não sabia para aonde iam e quem os manipulava. Já então tinha cá dentro, nos escaninhos de mim, os dilemas do resto da vida. Só que não sabia dar-lhes nomes e, com medo, tremia.

Uma vez, acordei estremunhado a altas horas da noite, com os sinos a gritar por auxílio. À minha volta já corriam, pela “casa” onde vivia vultos apressados, e ouviam-se gritos e suspiros, quando percebi que tinha havido uma “desgraça” (era o que se dizia) e o povo estava a ser convocado para acudir. Furando entre as pernas dos adultos estremunhados como eu, vi, ao longe, entre muita gente triste, uns faróis com uma luz mortiça que, depois, percebi que era um desconjuntado carro de bombeiros. Vinha acudir.

Evoco estas singelas memórias porque, ao ler um jornal de fim de semana, o relato da morte de cinco homens num poço, em Vilela Seca, Chaves, me levou até lá, a esse meu tempo de vésperas de difícil luta pela simples sobrevivência dos meus. Dizia assim a notícia: “Quem deu o alerta foi a nora de um dos empregados agrícolas. Ao aperceber-se da tragédia, a mulher veio a correr a Vilela Seca gritando para que alguém tocasse os sinos a rebate e juntasse a população para ir ajudar. Os primeiros que chegaram ao local ainda tentaram destapar completamente a entrada do poço com um trator, mas já pouco puderam fazer.” (…) Sábado, oito de setembro de 2012.

A história, ao contrário do que alguns defendem, não é uma progressão continua para a prosperidade. Seja o homem, por natureza, bom (mito do bom selvagem de Rousseau) ou mau (homo homini lupus, Hobbes), nada do que foi civilizacionalmente adquirido é definitivo. A luta pela cidadania tem de ser ativa, constante, coletivamente assumida, do nascer ao pôr do sol.

Portugal está a fenecer. Não é, decerto, a primeira vez que os deuses, face aos homens deste canto da Europa, se revoltam. Mas o tempo que vivemos é já de tragédia que tende a agravar-se exponencialmente. Dizia um pai, há dias, na antena de uma rádio (cito de cor): Não aguento mais. No dia em que não tiver comida para dar à minha filha saio à rua eu mato-os.

Os sinos dobram por nós – os que vivemos a vida com o suor do nosso trabalho e não recebemos comissões nos concursos públicos, nem temos contas em “off-shores” criminosas. E dobrarão com mais intensidade quanto mais nos resignarmos aos poderes que dizimam, sem escrúpulos, o nosso quotidiano.

Há uma saída possível. Que os sinos toquem a rebate mas para nos acordar desta modorra em que andámos.

Precisa-se de cidadania ativa, o que implica que cada um saia da sua área de conforto (cada vez mais restrita) e deixe de ser cobarde perante esta imensa fraude que se trata como austeridade.

Será que aqueles que punem os portugueses – através, também, de outros portugueses! – por serem gastadores e trabalharem pouco para o seu nível de vida, são exemplo a seguir?

Regressemos à austeridade, sim. De costumes, de regras honestas de conduta, de valores, de dignidade humana, de justiça social. Mas não nos agrilhoem numa austeridade que não passa de um expediente para nos roubar os nossos bens e a nossa vida.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

E TUDO O FOGO LEVOU


Apagar incêndios é amortalhar a vida. Na floresta como na política. Nada se constrói nas cinzas ainda que nelas medrem muitos e grandes interesses.

 Os incêndios deste verão não destruíram apenas mato, pinheiros, eucaliptos e outra vegetação. Quem se quedar por estes aspetos, mesmo considerando alguns danos pessoais e a vida, até, de alguns que o fogo levou não verá senão a espuma da vida. É que o país também está a arder, ora em lume brando, ora em altas labaredas.

As chamas alastram por montes e vales abandonados onde os homens desistiram de viver. Abandonada a cultura dos campos, o tratamento da floresta, a reprodução do gado, não ficaram horizontes de sobrevivência nesses espaços. Ninguém sabe o destino que lhes caberá e, pior, ninguém se preocupa com esse futuro.

Portugal vai ardendo nestes fogos florestais mas, também, com eles, no mais fundo da sua identidade. Os fogos destroem a natureza física, mas, também, outros destroem as esperanças de qualquer futuro para a nossa Pátria. Fecham hospitais, escolas, tribunais e desaparecem outros serviços públicos na base de critérios financeiros muito discutíveis e de critérios políticos deprimentes. É onde menos se justifica que mais precisa é a presença do Estado, se não for por outras razões – que são fortes – pela ideia simples de que é preciso que a política sinalize os caminhos do futuro. E estes vão passar, mais cedo ou mais tarde, pelo país real, de Bragança a Sagres, da Figueira da Foz a Vilar Formoso e, não, pelo desditoso centralismo gerido a partir da capital do que foi um império mas já deixou de o ser há muito. E ninguém ainda o percebeu.

O tempo presente é vivido sobre o “império do efémero” (Gilles Lipoversky) e da apoteose do presente ignorando-se o passado e descuidando-se o futuro. Só vale o que gratifica imediatamente. A urgência comanda a vida que está nas mãos dos interesses de mercados financeiros globais e já quase não nos pertence. Na política isto expressa-se no oportunismo das decisões baseado na ideologia do curto termo. A urgência e a exceção têm prioridade sobre tudo e sobre todos e os cidadãos silenciosos, sobretudo até anestesiados pelo medo, já são meros figurantes num filme que não é deles, nem para eles.

Apagar incêndios é amortalhar a vida. Na floresta como na política. Nada se constrói nas cinzas ainda que nelas medrem muitos e grandes interesses.

Quanto custaria ao erário público prever e prevenir as catastróficas ignições de cada verão? E quanto custa combater os fogos? Uma nação digna faria contas, mas a honra escasseia no seio do poder. A honra e a competência porque, extinto o fogo (e alguns fogos fátuos) a verdade é que se torna claro que é a mediocridade gananciosa que nos governa em conluio com agiotas globais.

É uma dor de alma ver partir para a diáspora tantos dos melhores deste país – e que tanto dinheiro nos custou para se formarem – e, outros, que ainda vão ficando, serem ostracizados pelo simples facto de terem ideias e saber mas não terem um qualquer cartão partidário!

O fogo tudo leva.

O quotidiano de austeridade, sem sentido e sem esperança em que vivemos é um mero jogo de fortuna e azar. Eu quero uma Lei eleitoral autárquica só para mim!... e eu quero vender a RTP ao Eduardo dos Santos… eu tenho que sair do ministério às 5 h para acompanhar (à sucapa) o meu escritório…

Com estes filhos da nação, não haverá nação que resista.


                                               

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O NOVO CÓDIGO DO TRABALHO



As reformas contra o trabalho são armas prontas a disparar contra a dignidade humana.



Neste início do mês de agosto de 2012, a sociedade portuguesa viu-se confrontada com profundas alterações no sistema de relações laborais face  à  entrada em vigor de um novo código do trabalho - e digo novo não pela quantidade de alterações que traz, mas pela mudança estrutural, ideológica, que encerra.

Alguns atiraram-se logo à decifração das novidades da lei deixando de lado a análise e a explicação dos seus motivos, com o que apenas olharam para a “vidinha”, como habitualmente. Dizem a cor dos relâmpagos e a intensidade dos trovões, mas ignoram as causas da tempestade. E, por isso, como será (ou não) possível alcançar a bonança. Não vou, naturalmente, por aí neste breve escrito. Convido, pelo contrário, o leitor a uma reflexão menos superficial, ainda que considere relevante a que procura “dizer” a lei.

O novo código emerge num tempo em que a democracia em Portugal está suspensa. Cumpre - um governo baseado em eleições - um programa estabelecido e imposto por uma ditadura financeira não eleita. Diz-se que se trata de austeridade, mas tudo o que se vai passando não é, senão, a punição de uma nação inteira em benefício de uns poucos (também portugueses para nossa vergonha).  “Quem não tem dinheiro, não tem vícios “, repetem eles ao sangrar este país (e outros) convictos de que a democracia é um pechisbeque para ricos.

O novo código está profundamente marcado por uma orientação ideológica neoliberal. Parte do princípio de que a flexibilidade (descontrolada) é imprescindível à eficiência económica e à competitividade da economia que a regulamentação (rigidez, diz-se) do mercado de trabalho não permitiria.

O novo código leva indiscriminadamente à individualização das situações de trabalho e desestrutura a negociação coletiva. A ideia de “trabalho decente” com estabilidade e segurança mínimos acabou.

De resto também o valor do trabalho se esvai considerado, outra vez, uma mercadoria como outra qualquer num mercado desregulamentado. Os trabalhadores perdem muito, mas os empregadores nacionais não vão ganhar nada, salvo alguns daqueles que estão sentados à mesa do Orçamento do Estado, do lado dos políticos do costume (que cada vez se vai descobrindo que são mais… e ainda a procissão está no adro) e desfrutando do suave perfume da corrupção legalizada. 

O novo código do trabalho alicerça-se no medo que invade os portugueses. Medo de perder o emprego, de perder um qualquer (formal) subsídio de sobrevivência, medo de mais um corte na retribuição devida pelo trabalho, medo de perder a saúde, medo de ter medo, também. O medo cria as condições para emergir um certo tipo de sociedade ( como proteção contra o medo, diz quem manda)  com cidadãos anestesiados e indefesos face à manipulação política. O medo reinante, hoje, é o mais apto instrumento de tutela da sociedade com vista a amordaçar a liberdade.

O novo código do trabalho é um castigo para os trabalhadores sob a forma misteriosa de uma austeridade que uns patetas pretendem salvífica e outros, proxenetas políticos, assumem como o nosso destino. Enquanto a atividade politica partidária for vivida como um mero negócio desenvolvido por “ comerciantes” que nunca tiveram de lutar por nada na vida a não ser lugares ao sol do poder, não morreremos mas também não passaremos deste estado de coma em que nos encontramos.

Poderemos ser pobres, mas não temos de abdicar da dignidade.

As reformas laborais recentes são contra o trabalho, são armas prontas a disparar contra a dignidade humana. E não esqueçamos que trabalhadores somos, fomos ou seremos todos nós.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O FUTURO É DOS PORTUGUESES


É no estrume do Estado que tudo providência a todos – sobretudo aos dependentes de certos partidos políticos – que se gera a mediocridade e que soçobram os melhores.


O melhor dos mundos é o nosso, porque somos nós próprios que o podemos conceber e realizar.

Indigna-me, por isso, ouvir dizer: “Isto só podia acontecer em Portugal”, “Portugal é um país de corruptos”, “Lá fora é que é bom”, “Os portugueses não prestam para nada”, e frases semelhantes.

Não é verdade, desde logo. Não há povos ou nações quimicamente puros (embora haja no história dramáticos momentos em que alguns nisso acreditaram). Em qualquer país há bons e maus governantes, bons e maus governos, corruptos e malandros, empreendedores e oportunistas. Não se entende, pois, este masoquismo nacional. E nisto não vai nenhuma desculpa relativamente à mediocridade reinante que deverá ser apontada e desmascarada (bravo! D. Januário Torgal Ferreira) sobretudo por quantos, de boa-fé, tenham ideias e vontade de servir genuinamente o país mas não queiram medrar nos esconsos vãos dos partidos que temos – o grande cancro da nossa democracia.

Admita-se, porém, por mero exercício de reflexão, que, de facto, nós, portugueses somos uns enfezados. Ora mesmo aí só de nós nos poderíamos queixar porque nos teríamos posto a morrer em vez de abraçar a vida, lutar pelos nossos direitos, conquistar os caminhos do futuro.

Há um aspecto decisivo que vem mesmo a talhe de foice e que tem marcado a nossa mentalidade. É que exigimos sempre tudo ao Estado como se ele fosse o nosso pai. E quando digo tudo, é tudo: até quando chove lhe exigimos sol, e quando faz sol lhe exigimos chuva – ou, o que é o mesmo, subsídios para a falta de sol ou da chuva.

É aqui, no estrume do Estado que tudo providência a todos – sobretudo aos dependentes de certos partidos políticos – que se gera a mediocridade e que soçobram os melhores.

Apresento um exemplo. É inegável o valor de qualquer investimento na área cultural não sendo preciso argumentos para o defender. Daqui resulta que qualquer agente ou grupo que a tal se dedique – com valor ou sem ele – passa, em Portugal, o tempo a berrar por subsídios do Estado e se eles não vêm a paisagem cultural desertifica-se. Nos Estados Unidos, porém, o Estado pouco disponibiliza ao sector – e não se diga que a cultura nesse país não é fascinante. Aí é a sociedade que financia, através dos instrumentos do mecenato, aqueles que entende merecem apoio. E para o merecer os peticionantes têm que mostrar o que valem e não, apenas, colocar-se na linha de partida.

Nós, portugueses, não somos piores (talvez não sejamos também melhores) do que outros povos, mas estamos habituados a fiarmo-nos mais no Estado do que nas pessoas. E quando o Estado está capturado por certos interesses obscuros – e está cada vez mais – não é de esperar nada de bom.

A afirmação da liberdade, da dignidade e da força dos portugueses tem de ser configurada não no colo do Estado, mas contra o Estado.

O neoliberalismo que avança sem rédeas na sociedade e também já tomou conta do nosso país, apesar das suas políticas, por vezes dramáticas e desumanas, parece poder ter o condão de chamar à razão e à acção muitos daqueles – ricos, pobres e remediados – que dizem mal de tudo, mas nada fazem, eles próprios, por si e pelo seu país.

Seja como for, o debate sobre as funções e a amplitude do Estado está entre nós. Pena é que não haja cidadãos à altura do desafio e disponíveis para nele entrar.

Temos medo de crescer. A nossa medida é a do “Portugal dos pequeninos”. Mas o futuro começa hoje.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

AS “OPORTUNIDADES” DO COSTUME


Pensava que as “Novas Oportunidades” tinham ido parar ao baú das “velhas oportunidades” e não se falava mais no assunto. Enganei-me.


A óbvia necessidade de qualificação dos portugueses levou o Governo de José Sócrates a lançar um programa para adultos  que ficou conhecido pela designação “Novas Oportunidades”.

Muitos o utilizaram e bastantes dele retiraram proveito, por entre as habituais trafulhices de alguns que dele se aproveitaram para enriquecer à custa do dinheiro fácil do Estado. Não ignoro que, por encomenda do Governo de Passos Coelho, o Instituto Superior Técnico procedeu a uma avaliação dos resultados desse programa e concluiu pelo seu reduzido efeito nomeadamente na empregabilidade e nos salários. As conclusões dessa encomendada avaliação foi muito contestada pela associação representativa dos profissionais implicados na sua implementação e nesse ensino que qualificaram o estudo (avaliação) como “enviesado”, um “embuste”, “ideologicamente preconceituoso”, e mais ainda. A habitual questão partidária de saber quem lava mais branco…

A partir deste breve histórico eu tinha concluído que as “Novas Oportunidades” tinham ido parar ao baú das “velhas oportunidades” e não se falava mais no assunto.

Enganei-me.

Por um lado, mudado o nome, o programa continuou, agora na linha da tabuada que orienta o atual governo, alegadamente direcionado para a formação profissional – o que, até, me parece acertado, mas não suficiente, para eliminar, como lixo, o programa do anterior governo. Por outro, vim a constatar a profunda paixão que alguns dos atuais donos do poder mantinham pelo defunto programa. Afinal o espírito das “novas oportunidades” paira sobre nós!

Claro que na base deste escrito está o “fenómeno” que dá pelo nome de Miguel Relvas (vem aí uma queixa crime, quem me vale?). O seu caso representa, com efeito, o regresso do espírito das novas oportunidades. Refletindo melhor: o espírito das “oportunidades do costume”, aquelas a que só têm acesso os poderosos, os espertos, os que correm mais ou falam mais alto. Os donos dos partidos políticos, afinal, e os seus cúmplices. Como professor universitário que sou há mais de trinta anos, por mim também passaram alguns caciques políticos, pobres ignorantes, mas ilustres distribuidores de prebendas e favores que, à custa disso, lá iam tirando os seus cursos. Um dia voltarei a este assunto e com nomes…

A Universidade Lusófona tem o direito – e tem competência – para atribuir títulos e graduar os seus estudantes. E não duvido por um segundo que Miguel Relvas, enquanto comerciante, (na nomenclatura jurídica), e, também, como jurista com loja de advogado aberta é uma sumidade. Mas não ficaria mal à Lusófona demonstrar a genialidade do rapaz. Estou certo que o faria sem dificuldade e, não o fazer, é um erro crasso. Eu próprio tenho lido e ouvido, em muitos quadrantes, que o seu saber e experiência em alguns setores – planificação fiscal internacional (off-shores), contratos difíceis e financiamentos fáceis, consultoria de negócios, joint-ventures transnacionais e atividades similares – são inatingíveis pelo comum dos mortais. E até deixo de lado “outros saberes” ligados ao ditado “o segredo é a alma do negócio”, o que, no seu caso, é uma extraordinária mais valia.

Uma coisa não percebo, porém. Porque é que “eles” querem todos ser engenheiros e doutores? Não perceberam, ainda, que nesta sociedade fluida, complexa e de alto risco – mutável a todo o instante -, esse “canudo” não significa nada, salvo se assente numa forte personalidade, na vontade de vencer e em espírito de sacrifício?

Deixem de ser provincianos, todos vós, Sócrates e Relvas, deste tempo de vésperas. Sejam grandes e inteiros, sejam autênticos, nada exagerem nem excluam do que são, ponham tudo o que são no mimo que fazem (Fernando Pessoa/Ricardo Reis).

“Ó glória de mandar! Ó vã cobiça”…

quinta-feira, 5 de julho de 2012

QUANDO A CORRUPÇÃO É LEI

Eu trabalho catorze, quinze horas por dia – eu e tantos outros cidadãos como eu – para esta corja andar impune, à solta, a gastar o que não é deles? Que parvo que eu sou! Que somos!

 Assisti, no passado sábado, a uma conferência na Universidade Lusófona do Porto em que o Dr. Luís de Sousa, presidente da TIAC (Transparência e Integridade, Associação Cívica), juntamente com o Prof. Paulo Morais, vice-presidente, evidenciaram aspetos da catástrofe que é a corrupção em Portugal. Sugiro que se consulte o website dessa associação: www.transparency.org, para que haja consciência desse cancro e das suas profundas metástases.
 
Só quem sabe poderá agir com eficácia.
 
Pelo caminho, de regresso a casa, comprei os jornais de fim de semana e, ao ver a primeira página do Expresso (30 de Junho de 2012) saltou-me logo à vista a imagem de um homem, em patente estado de desespero, agarrado ao Mercedes do Ministro da Economia, e, a tentar subjugá-lo, um segurança bem armado. Um “abraço”, pelas costas, do poder à miséria, conclui.
 
Dispersei o olhar por outras parangonas dessa primeira página e que vi? Claro, o outro lado desse mesmo poder na sua cumplicidade com as negociatas e o “capitalismo de casino” em que Portugal está afundado:
 
“Condenados do BPN geram fundos do Estado”
 
“Ex-sócio de Moedas gere rendas sociais”
 
“Francisco Louça: o PS é um partido corrompido”.
 
Vieram-me, logo, à memória muitas outras situações em que alguns políticos, encavalitados nos galhos do Estado, direta ou indiretamente, têm roubado o rendimento suado do nosso trabalho: Duarte Lima, Isaltino Morais, Dias Loureiro (ah! são tantos que fico por aqui). E não consegui esquecer os seus cúmplices da banca e da construção civil (… as PPP!). E até o caso dos submarinos (dois processos crime à espera - político-partidariamente – da abençoada prescrição da praxe) voltou a incomodar-me.
 
Eu trabalho catorze, quinze horas por dia – eu e tantos outros cidadãos como eu – para esta corja andar impune, à solta, a gastar o que não é deles? Que parvo que eu sou! Que somos!
 
Como se a corrupção – que todos denunciam, de que alguns beneficiam, mas poucos combatem – não bastasse, sofremos, agora, a punição de gastadores que dizem que somos através de uma austeridade que, mais do que um processo, parece ser já uma situação que veio para ficar. E, ainda mais, assistimos, cada dia que passa ao avanço de um Estado portador de um projeto autoritário e absolutista que não vê à sua frente mais do que números. As pessoas, os cidadãos, são meros algarismos, sem alma, sem transcendência, que valem tanto como os números das estatísticas, ou ainda menos.
 
Lembrei-me também que, no século XVII, em Ingalterra, Jaime II, um rei da jaez destes “monarcas” que nos governam, viu ser-lhe imposto pelo povo a celebre BILL OF RIGTHS – uma declaração dos direitos dos cidadãos contra o seu absolutismo.
 
Em Portugal não vejo, neste momento, uma sociedade civil capaz de se indignar a sério contra o avanço de um Estado que é já, em muitos aspetos, mais totalitário que o do Salazarismo. Ao contrário: parece-me que vamos a caminho do passado e de um qualquer novo Código de Hamurabi, com leis e punições que já não existiam há 4.000 anos.
 
A História não fala só do passado. Também anuncia os caminhos do futuro. Seria conveniente reler, pois, alguns passos do que fez a história de Portugal  e a da Europa. No seu melhor e no seu pior.
 
Isto vai acabar muito mal!

quinta-feira, 28 de junho de 2012

NEM TUDO O QUE LUZ É OIRO

A ética no trabalho e o trabalho ético não são palavras vãs, a não ser que estejemos a falar de robots.

A liberdade sem igualdade é uma mentira, também no âmbito da comunicação social.

Num Estado democrático a imprensa livre é um bem essencial. O direito de informar e o de ser informado implica por seu turno a liberdade de expressão enquanto base de formação da opinião pública democrática que tem, de resto, assento constitucional.

Surgem aqui, porém, perplexidades e fragilidades que não se poderão escamotear. A que mais me incomoda é a que advém de, encavalitados nos poleiros da comunicação social, alguns “gurus” nos ditarem o que devemos entender do mundo. Fazem-no, quase sempre, longe do contraditório de opiniões diferentes e com argumentos que deixam, geralmente, muito a desejar. É uma forma de instilar nos cidadãos o pensamento único que, à falta de igualdade de armas relativamente a quem os lê ou escuta, passa a ser também a verdade única, que nos subjuga muitas vezes.

Tal acontece com comentários, editoriais e pronunciamentos equivalentes que, utilizando os mais subtis instrumentos de propaganda pura e dura, nos tiram a dignidade do pensamento. Quem ignora que, à 2ª feira, as discussões de café ou barbeiro sobre política não passam de uma reprodução impensada do que alega, pro domo sua, Marcelo, na televisão, no domingo à noite? Há, também, que relevar certas colunas de jornais, pomposamente situadas nas suas páginas nobres que expressam opiniões em formas que simulam a última ideia, a análise mais profunda, o último grito da doutrina política, mas que, afinal, não passam de opiniões (por vezes paupérrimas) ou de suporte à voz do dono. Parecem, contudo, a verdade revelada ao jornalista ou comentador para ser propagado aos infiéis ou reconfortar os indecisos.

Vem isto a propósito da “importante” coluna que o diretor do “Sol” preenche todas as semanas em página nobre do seu jornal. Quando vêm de ser publicadas dramáticas normas jurídico-laborais que vão trazer aos trabalhadores mais insegurança e pobreza escrevia ele, na edição de 22 de junho de 2012, a propósito da baixa de salários avançada pelo Prof. António Borges: “Tal como sucede com o preço do leite ou das laranjas: quando há excedente no mercado, o preço baixa. (…) A questão não é ideológica nem moral, e explica-se de um modo muito simples: ou aquilo que produzimos é competitivo, e tem sucesso no mercado, ou não é – e os produtos não se vendem, e as fábricas fecham”.

Um pouco mais de reflexão e de estudo – sim, estudo – teriam certamente levado ao conhecimento desse senhor alguns textos fundadores e fundamentais, aceites universalmente, que exprimem princípios básicos relativamente ao trabalho: a paz duradoura não pode ser alcançada a menos que seja baseada na justiça social, fundada na dignidade, segurança económica e igualdade oportunidade; o trabalho não deve ser encarado meramente como uma mercadoria, deve haver liberdade de associação, tanto para trabalhadores como para empregadores, juntamente com liberdade de expressão, e o direito à negociação coletiva (cfr. a Declaração de Filadelfia de 1944, posteriormente integrada na Constituição da O.I.T.).

O trabalho humano é igual ao leite ou às laranjas?

A questão não é ideológica, nem moral?

Peço desculpa mas isto já não se diz impunente, sequer, num pasquim de extrema direita.

O mercado de trabalho não é um mercado como outro qualquer, pelo que não poderá seguir as regras de outros mercados face à dependência pessoal do trabalhador. E assim, a luta pela dignidade humana e pelo trabalho decente é um dos grandes objetivos do Direito do trabalho.

A ética no trabalho e o trabalho ético não são palavrs vãs, a não ser que estejemos a falar de robots.

Quantas mentes terão ficado “enlatadas” nesse discurso retrogado de um jornalista que não tem o direito à irresponsabilidade? Aqui fica a minha profunda indignação ainda que usando meios insignificantes relativamente aos que ele usou.

Cuidado. Nem tudo o que luz é oiro.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

NO REINO DA AUSTERIDADE DESPÓTICA


Está na hora de parar este processo, ou morremos da cura, sem proveito,nem honra nem dignidade.

A austeridade não vem na Bíblia, ao menos enquanto punição. É uma construção do homem, contra o homem. A penitência, essa, vem – metanóia – no sentido de mudança de vida, proveniente do interior do homem, ainda que com rituais exteriorizáveis. “O significado actual da austeridade é, portanto, – afirma António Casimiro Ferreira – o de um modelo político-económico punitivo em relação aos indivíduos, orientado pela crença de que os excessos do passado devem ser reparados pelo sacrifício presente e futuro (…).” (cfr. António Casimiro Ferreira, Sociedade da austeridade e Direito do Trabalho de exceção”). Ponto é que poderá tornar-se silenciosamente numa doutrina política que vem para ficar.

A austeridade é uma armadilha, assente numa ética, cínica, que nos aproxima mais das portas da morte social e cívica. Entretanto a via sacra dos trabalhadores agrava-se dolorosamente numa agonia cintilante em que deixamos de amar o que somos (conquistamos) para nos perguntarmos como sobreviver sem nos petrificarmos. É o que neste momento ocorre no pensamento de muitos, quando profundas alterações ao Código do Trabalho vem desvalorizar e tirar sentido ao trabalho.

Como processo tido por inevitável, a austeridade também vem arrastando a sociedade para crescentes níveis de desigualdade, atirando mais cidadãos para a valeta, minando os alicerces da coesão social e, sobretudo, a democracia. Uma instância longínqua, indefinida, serve-lhe de eixo e pretende dar-lhe coerência por interposta pessoa. A política de austeridade age como um “significante” despótico (José Gil) arrastando consigo tudo e (quase) todos, deixando um lastro de medo e angustia. Outros horizontes de vida caem por terra, as energias desfalecem, o pensamento atrofia-se e nada parece já valer a pena.

Pendurado na austeridade e à bolina da “Troika”, o Estado está a tornar-se incontrolável como o monstro bíblico de que fala o livro de Job “não há poder sobre a terra que lhe possa ser comparável”. É o LEVIATHAN de que também Hobbes se ocupou no seu pensamento deixando-nos a figura do Estado-Leviathan. Este Estado visa a austeridade absoluta que pretensamente salvará os homens e a que, por isso, os homens se têm de subjugar.

Não estaremos já neste horizonte dramático em Portugal? Cada vez mais cidadãos me procuram, no meu gabinete ou na rua, insurgindo-se e pedindo ajuda para os defender de actos atrabiliários da administração pública: penhoras ilegais, perda de documentos e de processos judiciais e administrativos, intimações agressivas para pagar dívidas, autismo total perante pretensões apresentadas a quem de direito, exigência de taxas e de impostos já pagos, dilação insuportável na concessão de direitos que a lei confere, etc.

Para o Estado vale tudo, não há limites para arrecadar dinheiro até já onde só existe miséria. E qualquer modo de actuação lhe serve, mesmo com desrespeito das garantias constitucionais dos cidadãos. Mas quando é para pagar o que deve – e deve muito e muitas empresas e cidadãos – afirma a sua sobranceria absolutista e assobia para o lado.

O Direito é cada vez mais dual. Um para  o Estado (e os seus poderosos acólitos) e outro para o comum dos cidadãos. E, pior do que isso, o Estado – enquanto provedor da justiça (das condições e meios para a sua aplicação) – tem também dois pesos e duas medidas. Reforçar a peso de ouro a administração fiscal e esvazia de meios os tribunais e até os elimina do mapa judiciário, isto é, para se alimentar o monstro (lembra-se Prof. Cavaco?) há meios sem fim e até prazos antecipados; para cumprir obrigações legais face aos cidadãos, o Estado retira meios aos Tribunais. Um simples exemplo: as novas leis laborais vão conceder inúmeros novos poderes aos empregadores, mas sempre sob controlo judicial. Só de que nada vale tal controlo judicial quando os Tribunais do Trabalho não funcionam, como se sabe.

Em Portugal, 2012, o monstro que é o Estado conseguiu o que era impensável: ter, simultaneamente, sol na eira e chuva no nabal.

Está na hora de parar este processo, ou morremos da cura, sem proveito, nem honra nem dignidade. Apenas escravos.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

FOGE CÃO, QUE TE FAZEM BARÃO! PARA ONDE SE ME FAZEM CONDE?

Os valores republicanos não podem deixar de ser lembrados e, mais do que isso, divulgados, cultivados e vivenciados e, para isso, não são precisas condecorações.

 A tradição manda que os donos do Estado assumam o folclore de festejar algumas datas históricas, como foi recentemente o caso do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Também, a nível local, se não existem inventam-se dias disto e daquilo.

Em geral, nessas ocasiões, a “corte”, engalanada, aproveita para conceder certas honrarias, sobretudo aos que a serviram ou lhe foram, em algum momento, úteis. Surgem, então, os célebres “Comendadores”. Sem dúvida alguma há ocasionalmente reconhecimento justo da dedicação ao bem público ou de altas e invulgares qualidades dos que são galardoados. Mas também é verdade que, na generalidade dos casos, o que conta é a dialéctica amigo-inimigo e os favores que é preciso pagar. Cavaco não esquece… como Salazar e outros não esqueciam.

Tenho a tendência para, nesses momentos “patrióticos”, olhar mais para os que são esquecidos do que para os que são lembrados. De resto, por vezes, tenho vergonha de o meu país condecorar apenas aparências e o luxo e o lixo da comunidade. Não refiro nomes, porque todos os conhecemos. Alvitro, porém, uma outra possibilidade às generosas regras vigentes de atribuição de dignidades: que só a Assembleia da República, por maioria qualificada, seja titular do direito de premiar os melhores. E, a propósito, seria bem mais patriótico enaltecer os actos, como exemplos, do que pessoas como protagonistas. O que me leva a declarar a minha indignação quando se pretende mandar às urtigas o dia 5 de Outubro – e o seu profundo valor simbólico e civilizacional. Os valores republicanos não podem deixar de ser lembrados e, mais do que isso, divulgados, cultivados e vivenciados e, para isso, não são precisas condecorações. O próprio 25 de Abril não é mais do que uma expressão, pontual, desses valores. Mas a memória é curta quando a hipocrisia comanda certas vidinhas…

Adiante que se faz tarde.

As comemorações do Dia de Portugal foram, este ano, inuludivelmente marcadas pelas palavras do discurso, adrede proferido, pelo Prof. Doutor António Sampaio da Novoa. Esse discurso, só por si, justificaria as comemorações e, por isso, o venho lembrar sublinhando que deveria ser de leitura obrigatória para todos os cidadãos inquietos com o futuro de Portugal. Eu sei que as “marcelices” de domingo são mais interessantes para tagarelar à segunda-feira, mas nelas as moscas são sempre as mesmas…

Que disse Sampaio de Novoa que justifique esta crónica?

Desde logo algo que justifica não só este escrito, mas todas as conversas, debates, conferências e demais actos cívicos: “As palavras não mudam a realidade. Mas ajudam-nos a pensar, a conversar, a tomar consciência. E a consciência, essa sim, pode mudar a realidade.

As pessoas precisam de falar, com urgência. Consigo próprias, com os outros, com o seu destino. A claustrofobia democrática é hoje um trágico freio da nossa cidadania.

Os políticos falam entre si excluindo os cidadãos das opções que o país tem de fazer. Vivem em verdadeiro circuito fechado. Estamos de joelhos na austeridade cívica que nos agrilhoa e não conseguimos sequer indignarmo-nos. Talvez esteja a crescer dentro de nós o fim e muitos tenham já desistido de viver. Mas tomar consciência de nós, dos outros e das relações em que nos encontramos tem de ser o caminho.

Depois, além de muito mais a reler, o Prof. Sampaio da Novoa acrescentou que “A arrogância do pensamento inevitável é o contrário da liberdade.”.

Estamos esclarecidos, professor. Por mim já há muito que reconheci que vivo num sítio onde existiu liberdade mas, hoje, apenas há uma “liberdadezita” formal, controlada pela “troika” e aceite, a contragosto, pelos altos dignatários de um neoliberalismo selvagem (Manuela Ferreira Leite, Rui Rio e tantos outros).

Obrigado pela sua lição. Valeu mais do que mil condecorações. Julguei que estava só na prisão deste tempo austero.