quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

ILUSÕES IBÉRICAS

A verdade é que se arrastam complexos e desconfianças entre os empresários de um e outro lado que estão longe de estar geralmente resolvidos.

Anda por aí a circular desde há tempos mais uma ideia peregrina mas que, apesar disso, vai pondo alguns incautos de nariz arrebitado à espera que desta vez surja o negócio da vida deles. Astuciosa, ou dolosamente, com efeito, vêm alguns especialistas em crises defendendo que é altura de os empresários portugueses “irem às compras em Espanha” porque, dizem, haverá muitas empresas espanholas a atravessar dificuldades e que, por isso, poderão ser adquiridas a preços muito competitivos…

O mito espanhol ou ibérico é, de tempos em tempos, de facto, um companheiro de divagações, mais ou menos insensatas, ressuscitado por alguns incautos que julgam que é lá fora que está a solução dos nossos problemas , mesmo quando, formalmente, defendem a manutenção dos centros de decisão em Portugal – como aconteceu, não há muito, através de um manifesto de triste memória e de efeitos contraprocedentes, como alguns se lembrarão.

Ora é óbvio que não há qualquer solução vinda de fora que resolva os nossos problemas estruturais enquanto, cá dentro, não tivermos a casa arrumada. E, mesmo, quando a crise internacional já tiver passada à história, ainda aí teremos de nos encontrar com os nossos próprios problemas que, esses sim, são os reais problemas que nos cumpre resolver.

Ir às compras a Espanha é, pois, na situação actual, uma piedosa intenção. Mas já teria algum sentido, porém, buscar parcerias com algumas empresas espanholas, sobretudo para atingir massa crítica e escala que viabilizasse a expansão conjunta para novos mercados, designadamente da África da língua portuguesa ou da América Latina onde Espanha também tem um passado notável de relacionamento económico cultural.

A verdade, pura e dura, é, porém, que se arrastam complexos e desconfianças entre os empresários de um e outro lado que estão longe de estar geralmente resolvidos. E daí que cada qual continue a lutar isoladamente pelos seus interesses quando, juntos, poderiam almejar voos muito mais altos. Não é, seguramente, porém, através de compras ao desbarato de empresas espanholas que se constrói o futuro do nosso país quando o passado evidencia, até, que o que havia de bom para “comprar” (sobretudo em Portugal) já está nas mãos do capitalismo financeiro do nosso vizinho. Que comprar, pois, em Espanha? O lixo falido que os empresários locais não querem?

Haja bom senso e transparência. Haja, também, patriotismo quanto baste – e não mais – para continuarmos a ter a dignidade da soberania que, julgo, ninguém quer desbaratar.

Espanha é um parceiro incontornável da nossa economia e da internacionalização de negócios no mundo global em que vivemos. Mas não pode ser vista em perspectiva simplista de simplórios que, porventura, não buscam, senão, pretensos planeamentos fiscais agressivos que levam no bojo a fraude e a evasão, quando não, até, a mais sórdida corrupção económica. E Portugal também não poderá ser encarado – o país, os seus empresários, os fundos e subvenções de que dispomos para o desenvolvimento nacional – como uma coutada em que qualquer um pode caçar sem regras e, depois, ao primeiro sinal de dificuldade, abandonar ou, então, depois do tacho rapado, ignorar à sua sorte.

Afinal há muito espaço e tempo em que os dois países podem enraizar as suas melhores esperanças de colaboração no mútuo interesse.

Quando, porém, o pêndulo cai só para um lado não há, para ninguém, razão de contentamento.

Quanto muito há ilusões e, estas, às vezes têm um preço muito alto.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

DE MAL A PIOR


No tempo em que vivemos, recrudescem as paixões e os ódios e rarefazem-se os princípios e os valores.

Que me lembre, nunca a actividade político-partidária vegetou, tão baixo, no lamaçal da incompetência, do embuste e do egoísmo.

Os eleitos são de extracção cada vez mais medíocre e o que trazem à agenda política – e o modo como o tratam – demonstra geralmente as mais preocupantes carências de conhecimentos, verticalidade e carisma. Vivem da chicana partidária (com raras excepções) e do maldizer permanente, fazendo, muitas vezes, dos corredores do poder meras sucursais dos seus negócios e vendendo-se a troco de um qualquer prato de lentilhas.

A política partidária que se prossegue entre nós não é, também, uma actividade posta inegavelmente ao serviço do interesse nacional. Visa, directa ou indirectamente, quase sempre, apenas a conquista ou a manutenção do poder que há-de, depois, ser distribuído aos famélicos dos aparelhos partidários, que é quem nos governa, na realidade.

O egoísmo – e o individualismo – tomaram conta, por outro lado, do quotidiano político num “salve-se quem puder” em que tudo vale. A corrupção instalada, como se tem visto, a todos os níveis do Estado (e manipulada por aqueles que o servem ou serviram um dia) é uma expressão perfeita de que o país está em declínio moral, à míngua de princípios e valores que rejam as relações entre governantes e governados.

Acontece, porém, que é disto que certa comunicação social miserabilista gosta e, daí, que lhes garanta a publicidade que almejam. E, com publicidade garantida, está meio caminho andado para levarem por diante reiteradamente os seus interesses pessoais e partidários.

Neste mefistofélico arco-íris os políticos, acossados pelo poder judicial, vitimizam-se e, enquanto podem, vão-se aguentando no barco desprezando a ética de que deveriam ser os primeiros a dar o exemplo.

O poder judicial, por seu turno, carece de meios, humanos e materiais, para cumprir cabalmente a sua missão nos quadros da lei e do princípio democrático mostrando-se, também, por vezes, assaltado por esporádicas tentações para descambar para uma “república dos juízes”.

Assim, a judicialização da política e a politização da justiça são, hoje, reais ameaças à democracia cujos pilares vacilam, também, no meio de uma profunda crise económica e financeira.

A vida cívica não está, pois, fácil e a democracia corre perigo a prazo, também porque a ingovernabilidade do país já se evidencia na assumpção de poderes exorbitantes por um Parlamento que não governa (nem deve) nem deixa governar (e devia).

Vamos de mal a pior cada dia que passa. E se alguns nem consciência têm das consequências dos seus actos, outros exercem os poderes que lhes foram atribuídos numa perspectiva meramente destrutiva de quanto pior, melhor.

No tempo em que vivemos, neste país saído recentemente de eleições democráticas, recrudescem as paixões e os ódios e rarefazem-se os princípios e os valores de uma comunidade solidária em busca de um destino colectivo e melhor. Também se esvai a expectativa de um outro futuro baseado em ideias e ideais inspiradores do amanhã. Afinal o que conta, para uns, é ter poder e distribuí-lo pela família e, para outros, destruir esse poder sem apresentar, porém, alternativas sadias ao estádio actual da sociedade. E é neste jogo de soma nula que nos vamos consumindo sem expectativas de sair do declínio presente.

As grandes batalhas políticas de hoje cingem-se a pequenas traições e a grandes manipulações em que o interesse nacional já não conta para nada. O eclipse político de Portugal aproxima-se a passos largos.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

UMA NOVA ESPERANÇA


Num mundo em acelerada transformação, a primeira obrigação de todos os responsáveis políticos deveria ser a procura do sentido e da inteligibilidade do tempo actual.

Aí está o novo Governo, constituído nos limites e fronteiras que o sistema democrático em vigor permitiu.

Seja ou não o Governo do nosso contentamento, tem de ser tido como Governo para todos os portugueses, porque do seu sucesso ou insucesso todos sofreremos as consequências. E, como um dia disse Roosevelt, “Se fracassar, ao menos que fracasse ousando grandes feitos, de modo que a sua postura não seja nunca a dessas almas frias e tímidas que não conhecem nem a vitória nem a derrota.” Mudando o que é de mudar, julgo que deverá ser este o lema dos próximos governantes.

Advinha-se, porém, que o país vai estar em permanente estado de pré-campanha eleitoral nos tempos que aí vêm e que só por acaso serão tomadas medidas de fundo, alternativas às políticas actuais, nas áreas mais complexas da governação. Em tal contexto relevará, decerto, a política maquiavélica em desfavor da arte política fundada em pressupostos doutrinários e no seu aprofundamento. Ora, num mundo em acelerada transformação, a primeira obrigação de todos os responsáveis políticos deveria ser a procura do sentido e da inteligibilidade do tempo actual, articulando ética, política e economia no horizonte que é o nosso. Hoje, porém, ainda se desenvolve a actividade política (e partidária) segundo os cânones de antes da crise, usando-se ferramentas velhas e gastas, assentes em dogmas que já perderam sentido.

Ao contrário do que ainda é um pressuposto da generalidade dos eleitos, no Governo ou na Oposição, “o presente já não é algo que simplesmente se oferece ao nosso olhar, sem empenhamento teórico, interpretativo e antecipatório” (…) “O estudo da sociedade dá-nos hoje a imagem de um campo desestruturado e não a de um objecto iluminado pelo saber e cujos elementos se inserissem num todo coerente” (Daniel Innerarity, A sociedade invisível). Assim sendo, num mundo mais próximo do caos que da ordem e onde os riscos sistémicos se nos atravessam a todo o instante no caminho, é imperativo observar e interpretar, reflectir e estudar, antes de agir. Tudo o que, porém, a nossa classe política não faz e até desdenha.

É o tempo da utopia que urge, porém, viver-se com novo fulgor.

As ferramentas velhas do pensamento prevalecente já não têm futuro, e o futuro não divisa, ainda, as novas artes que o hão-de armar. O discurso sobre o novo – dos pressupostos ao possível – tem de ser tomado a sério para sobrevivermos à crise actual e para alicerçar as novas fronteiras do amanhã.

A pobreza intelectual tem-se acentuado na vida política, muitas vezes vista como mera forma de ganhar facilmente a vida. Entre nós não são as qualificações pessoais, nem o nível de competência, que contam para governar ou fazer oposição. Os partidos, na sua ânsia desmedida de poder a qualquer preço, proletarizaram o exercício do poder e entregaram-no à astúcia, ao nepotismo, à corrupção dos espíritos.

É desta crise que, antes de mais, temos de sair.

Urge, pois, afastar a continuação da falta de política em prol de um pensamento político novo e diferente adaptável aos novos tempos. E, obviamente, encontrar novos protagonistas do futuro. Se tal não for feito, continuaremos a dançar numa roda de velhos e velhacos.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

MIGRAÇÕES

Ponto essencial a enfrentar é o relacionado com o chamado “brain drain”, a fuga de cérebros formados no país e que o deixam em busca de condições de vida e de trabalho que aqui não encontram.


O nosso país foi recentemente considerado pelas Nações Unidas como um dos melhores a acolher imigrantes. No seu relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano, revelado recentemente pela comunicação social, a ONU dá destaque às migrações e, entre vários elogios, aponta, também, para um claro aumento no número de imigrantes que virão trabalhar para Portugal. Ainda segundo a ONU, em 2005, 7,2 por cento da população em Portugal era imigrante, enviando para os países de origem remessas no valor de cerca de um milhão de euros.
A notícia merece destaque pelo seu profundo significado humanista num mundo de profundo egoísmo e individualismo crescente.

Há que ver as coisas da migração, porém, de outros sítios.

É que Portugal é, - como quase sempre o foi - também, um país de emigração e, aparentemente, o balanço, a vários títulos, é muito desfavorável ao nosso país.

Lembre-se, a propósito, que cerca de um terço dos portugueses vivem já no estrangeiro e que, só na Europa, segundo dados da OCDE, o número de imigrantes portugueses aumentou 53% entre 2000 e 2006. Entre estes emigrantes, muitos têm cursos superiores obtidos em Portugal e, outros, eram dos melhores entre nós. Há, decerto, também, muitos outros que foram levados, porém, por razões económicas e sociais ligadas até à sua subsistência, como será o caso da recente emigração para Espanha onde parte significativa trabalha em actividades menos qualificadas, como a construção civil, a agricultura ou em empregos modestos na área do turismo.
Voltando à emigração de trabalhadores com altas habilitações e qualificações – que é coisa que deveria seriamente preocupar as autoridades nacionais – há que sublinhar que tal facto é profundamente negativo para o país que evidencia, assim, nomeadamente, que não tem capacidade para manter entre portas esses profissionais, muitas vezes, decerto, por falta de dimensão para os ocupar nas suas capacidades e potencial.

Foi, porém, o país – a Escola e a Universidade – que os formou e, nisso, despendeu verbas relevantes dos impostos que todos pagamos. Formar, assim, trabalhadores qualificados para, depois, os deixar partir para enriquecerem outras economias que, aliás, nada custearam da sua formação, é uma atitude perdulária e dramática para o país.
Não tem sido tal, porém, preocupação dos nossos políticos enredados em questiúnculas menores a respeito das migrações. Na verdade tem sido afirmado, no âmbito da economia das migrações, sobretudo uma certa oposição à presença de imigrantes no nosso país. A ideia de que a imigração é uma das causas dos nossos problemas económicos e sociais tem sido adoptada, de facto, como mensagem política de certos políticos que denunciam, sem provas, que os imigrantes contribuem para o aumento do desemprego e para a redução dos salários dos portugueses, escamoteando, porém, o quanto temos beneficiado nomeadamente em termos de aumento de natalidade e, ainda, em contribuições para a segurança social, além dos mais.

Ponto essencial a enfrentar é, de todos os demais, o relacionado com o chamado “brain drain”, a fuga de cérebros formados no país e que o deixam em busca de condições de vida e de trabalho que aqui não encontram. É necessário tomar medidas políticas para amenizar, pelo menos, esta situação já que, num mundo globalizado, num país de liberdade e numa Europa sem fronteiras, tal fenómeno não se pode estancar por decreto.

Uma palavra final para fenómeno idêntico, mas vivenciado dentro de portas: a fuga de cérebros do Norte para Lisboa no contexto de farisaicas opções relacionadas com a gestão dos fundos comunitários. O tema é simples de explicar e envergonha-nos profundamente: é em Lisboa que são pagos os gestores dos programas da UE que visam desenvolver o Norte, nomeadamente, como região mais desfavorecida.

Vamos, então, todos para Lisboa.

E que o resto do país caia de podre, de velhos e de medíocres.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

POUPAR, INOVAR E INVESTIR


Muito vai ter que mudar – e profundamente – no próximo futuro com dramáticas consequências também sociais.

Cumpriram-se os actos da liturgia política eleitoral que um regime democrático tem por mínimos, mas, debaixo do tapete, para onde foram varridos por conveniências difusas, continuam os grandes problemas estruturais do país: um endividamento externo colossal; o desequilíbrio insano das contas públicas; o assustador desemprego que grassa entre a população; a fraquíssima produtividade da nossa economia; a recorrente falta de competitividade das nossas empresas no mundo global, e, ainda, outros males estruturais conexos, nomeadamente no sector da Justiça e da Educação.

Já ninguém dúvida de que a crise que atravessamos, também global e deveras profunda, foi deixando marcas de monta, irreversíveis, no tecido económico, social e laboral do país.

Poucos terão, porém, uma ideia estratégica clara sobre como aproveitar as consequências da crise para se prosseguir buscando novas oportunidades que, nestes contextos, sempre surgem. Mas urge, porém, procurar tais novas oportunidades, no que tudo vai um grande desafio à sociedade empresarial, à sociedade civil e, também, à comunidade científica do país.

Poupar, inovar e investir são palavras de ordem e imperativos categóricos depois de levantada a feira das vaidades eleitorais.

Está dito e redito por quem sabe que temos de apostar na economia do conhecimento num mundo global e seguindo uma estratégia sem fronteiras. É este, e não outro, o destino de um pequeno e periférico (semi-periférico, segundo outros) país, tolhido pela sua dívida externa, massacrando pelo desemprego e com uma dívida pública insustentável. E, como se tal não bastasse, corroído, também, pela corrupção, desleixado no empreendedorismo e, ainda, amordaçado pela burocracia.

Há, apesar de tudo, que afivelar no palco da tragédia uma forte vontade de vencer, pois de outro modo soçobraremos. E será tal vontade que há-de fazer a diferença entre os vencedores e os vencidos. Não haverá alternativa, porém, nos próximos – e longos – anos à redução, quantitativa e qualitativa, do nível de vida da generalidade dos cidadãos. Em vez de comer bife todos os dias, temos de nos preparar para comer dia-sim, dia-não, ou, até, menos amiúde…

A crise ainda apenas mostrou aos portugueses uma das suas facetas e, porventura a menos dolorosa, tirando o desemprego, muito atenuado, de resto, nas suas consequências pela panóplia generosa de prestações sociais que lhe servem de amortecedor.

Somos um país pobre, mas, pior que isso, um país que não quer, ou não sabe, trabalhar para se tornar rico. Um país de grandes injustiças político-geográficas e pouco solidário.

Não vai nesta alegação, porém, o pessimismo ressabiado de Medina Carreira, expresso no seu recente livro “Portugal, que futuro”. Se fosse, diria que, então, chegou o momento de apagar as luzes e fechar a porta.

Creio que Portugal tem viabilidade e que o Estado português está longe de ser um Estado falhado ao nível económico. Mas muito vai ter que mudar – e profundamente – no próximo futuro com dramáticas consequências também sociais.

E é neste contexto que, porventura mais do que o partido do governo, serão os da oposição que marcarão o nosso destino, por mais bizarra que pareça a ideia.

O papel do Estado será, então, fundamental, sendo certo que ninguém ignora, porém, as divergências que, nessa área, campeiam entre as diversas forças políticas. Ora é neste campo que se travará a batalha decisiva – o problema a afrontar não será, de facto, o do liberalismo político, mas o do liberalismo económico numa economia muito frágil para sobreviver num modelo liberal.

Precisamos de uma ideologia que venha conferir sentido aos sacrifícios que teremos de atravessar.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

OS NEGÓCIOS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Estamos perante um negócio com características especiais e com valores
fundamentais que não podem ser ignorados em nome do lucro.



É indisfarçável que tem havido estratégias empresariais e político-partidárias a fazer o seu caminho dentro dos órgãos de comunicação social. E se tal até se pode compreender - e aceitar, também, que não fere, só por si, a liberdade de imprensa - já a questão muda de figura quando, com tais estratégias, ficam de rastos os mais elementares princípios éticos que devem reger, sempre, a comunicação social.

Abre-se aqui, porém, uma outra questão, bem complexa, e que diz respeito à definição desses princípios, sobretudo num tempo de crise como aquele que, hoje, no plano financeiro, afecta o sector e que, porventura, também põe em causa o “modelo de negócio” em que a comunicação social se tem alicerçado.
Veja-se a comunicação social como um quarto poder ou como um contrapoder, o certo é que ela não pode levitar, em caso algum, sobre uma indeclinável ética de responsabilidade a qual há-de ir muito para além das leis positivadas que regem os media e os direitos de personalidade, e outros, que lhe recortam as ambições ou os simples interesses. A televisão, a rádio e os jornais têm ainda – ou cada vez mais, (depende da perspectiva) – um poder extraordinário e omnipresente sobre o comum dos cidadãos afectando o seu pensamento, os argumentos em que apoiam as suas opiniões, as suas mais simples escolhas e a generalidade dos comportamentos sociais.
Temos por seguro que sem uma imprensa credível e independente não pode haver uma opinião pública democrática e uma sociedade civil esclarecida que lhe dê suporte. Se na política palaciana os valores morais e éticos não contam, como esclareceu Maquiavel, tal não pode valer nos media.
O principal objectivo dos órgãos de comunicação social não pode ser, pois, o lucro a qualquer preço, mas, sim, a garantia de que a informação prestada aos cidadãos é verdadeira, ainda que sujeita a diversos critérios interpretativos.

Estamos, na verdade, perante um negócio com características especiais e com valores fundamentais que não podem ser ignorados em nome do lucro.
Hoje, aposta-se, por vezes, tudo em busca de mais receitas, mas esse é um mau caminho para a comunicação social.

Joga-se tudo na influência para destruir uma pessoa ou uma ideia, mas por aí só vem ódio e vingança.

A comunicação social precisa de se renovar na ética democrática e nisto vai um grito de alerta para que a influência dos grupos económicos e financeiros a não controlem de vez.

Episódios recentes evidenciam quanto o controlo da comunicação social pode reduzir à insignificância qualquer cidadão, qualquer grupo ou instituição. Os casos do telejornal de Moura Guedes na TVI e o da envolvente às pretensas escutas ilícitas na Presidência da República, deveriam desencadear na sociedade um profundo e amplo debate sobre a comunicação social que temos, sobre quem a controla e com que fins.

A relação dos media com a política e a influência dos interesses económicos e financeiros sobre os conteúdos dos órgãos de comunicação social são questões da maior relevância para o aprofundamento da democracia. Mas são, também, temas escaldantes de que todos, incluindo os jornalistas, procuram fugir lavando as mãos como Pilatos.

Até quando?

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

É URGENTE FINANCIAR A SOCIEDADE CIVIL


Seria da mais elementar lucidez olhar para as instituições políticas da sociedade civil e atribuir-lhes, também, subvenções para o exercício das suas actividades políticas.


Num tempo de severa crise económica e social, os partidos políticos gastaram milhões nas recentes campanhas para alimentar vaidades, defender interesses egoístas, e mercadejar ilusões. Se o objectivo era outro…não se percebeu.

E tudo, aparentemente, dentro da legalidade que se revê na lei de financiamento dos partidos políticos e no sistema eleitoral que temos e que não são outros, senão, os que os partidos políticos vêm talhando à feição dos seus interesses, longe da racionalidade política, das melhores doutrinas e de experiências estrangeiras mais rigorosas e saudáveis.

Enquanto isso a sociedade civil, tão querida de alguns em momentos eleitorais, é deixada ao abandono logo que deixa de prover à conquista de votos.

Convêm esclarecer que o conceito de sociedade civil é antigo, vem, pelo menos, do fim do século XVII onde foi utilizado por autores diversos como HOBBES ou LOCKE e, ainda que semióticante tenha evoluído, nomeadamente com HEGEL, tem, desde os fins dos anos 70 do século passado, também em Portugal, um conteúdo manifestamente relacionado com a luta contra o totalitarismo. Refere-se a múltiplas instituições privadas de carácter associativo situadas entre o Estado e o indivíduo, incluindo sindicais, sendo que é a liberdade de actividade social, de organização e de fins que marca tal conceito.

A oposição entre Estado e sociedade civil é uma oposição artificial, mas tal não afasta uma tensão, que até é salutar, entre um e outra no sentido da definição do interesse geral ou colectivo, o que vale por dizer que, numa sociedade complexa, a sociedade civil pode – e deve – desempenhar um papel relevante em tal definição de molde a, também, impedir ideologias perversas e autoritárias quanto ao que seja o interesse geral.

É por isto, e muito mais, que a democracia não pode prescindir de ter a cumplicidade activa e genuína da sociedade civil e que, onde esta fenece, com ela submergem os ideais democráticos.
Ora o que se passa em Portugal é que a democracia desde sempre olhou de soslaio para a sociedade civil ou, mais rigorosamente, nunca os partidos políticos abdicaram de ser o princípio e o fim de toda a vida política. Aliás reservam, desde logo, para si, em exclusivo, o direito a serem, nesse campo, financiados pelo Estado.

E é assim, pois, que a lei de financiamento dos partidos políticos (Lei 19/2003 de 20 de Junho) estabelece que tal financiamento, público, tem como destinatários os partidos políticos que hajam concorrido a acto eleitoral e obtenham representação na Assembleia da República, ou, pelo menos, uma votação superior a 50.000 votos.

Os partidos políticos não são mais, porém, o cerne dos regimes democráticos e o seu declínio, por mais lento que seja, é, já, inegável. Há mais vida política, porém, para além dos partidos – mais e melhor – ética e cívica.

Assim, seria da mais elementar lucidez olhar para as instituições políticas da sociedade civil – ao menos aquelas que sejam legítima e legalmente qualificadas de utilidade pública – e atribuir-lhes, também, subvenções para o exercício das suas actividades políticas. Como isso aprofundar-se-ia a democracia em múltiplos aspectos e, desde logo, na mobilização de muitos cidadãos, hoje apáticos, para a vida pública nas suas múltiplas áreas.Lamentavelmente, em Portugal, a sociedade civil está a viver de cada vez menos cidadãos e promete morrer de vez se medidas políticas não forem tomadas com urgência. E se tal corresponde ao íntimo desejo de muitos que nada vêm para além da sua janelita paroquial, o país mereceria, até para renovar as suas ambições, de se apoiar na sociedade civil organizada e activa politicamente

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

PORTO SENTIDO

Alguém disse um dia “a mentira é um sonho apanhado em flagrante delito”. Eu quero crer que é isso mesmo que se passa com muitas promessas eleitorais.

Li, recentemente, declarações do líder da bancada parlamentar socialista e cabeça de lista pelo PS à Assembleia da República pelo círculo do Porto, Dr. Alberto Martins, no sentido de que “O Porto está sem rasgo e adormecido, precisa de um grito do Ipiranga”.

É verdade, mas uma verdade banal e velha de que se tem apenas eco, dos da capital, em tempos eleitorais. E, depois, volta tudo ao grau zero da vontade política. São declarações “engana tolos” para seduzir eleitorado que não têm, por detrás, uma convicção séria e um espírito da mudança real.

Conversa de barbearia, afinal.

Não podemos, no Norte, queixar-nos, porém, de falta de promessas eleitorais. Elas aí estão para todos e para todos os gostos, sensatas ou insensatas, viáveis ou não e, até, em certo caso, caricato, validadas notarialmente.

Alguém disse um dia “a mentira é um sonho apanhado em flagrante delito”. Eu quero crer que é isso mesmo que se passa com muitas promessas eleitorais. São sonhos que, se estivermos atentos, facilmente apanharemos em flagrante delito.

Adiro, porém, sem hesitação, ao diagnóstico acima referido sobre o Porto e a sua região. Mas gostaria de saber, também, o que é que o declarante e seus pares, durante a legislatura que ora se fina, fizeram em defesa do Norte. De nada me lembro, nem sequer do nome de mais do que um ou dois deputados eleitos pelos vários distritos deste rincão. E, desses, não me vem à memória qualquer rasgo ou iniciativa de relevo em prol da região…

O Porto não é, hoje, uma cidade competitiva.

Não atrai investimentos.

Não cria empregos.

Não gera negócios.

Não assume projectos.

Não cria esperança.

Não tem alma.

Que fazer? Com quem fazer? Em quem acreditar, pois?

Confesso que já não sei se a famigerada regionalização virá algum dia a tempo de resolver quaisquer problemas pois, de tão fragilizado já o corpo social, o remédio de nada lhe valerá, então.

Mas acredito que neste espaço nortenho ainda existe uma réstia de competência (saber-fazer) para dar a volta, por cima, à caótica situação actual. Ponto é que a solidariedade nacional que a própria Constituição da República declara solenemente não seja, como tem sido, uma pia intenção e que, arrecadados os votos de que precisam para ser eleitos, os deputados da nação, eleitos nesta euro-região, não a votem, logo, ao ostracismo.

Todos os diagnósticos feitos são excelentes, mas daquilo que precisamos é de uma estratégia regional – e global – que, na crise actual, aproveite as oportunidades que ainda teremos.

Esperemos, pois, a concretização das promessas eleitorais, porque destas já estamos fartos.

Haja honra nos eleitos e espírito de missão ao serviço da comunidade e que a solidariedade nacional não se fique pelo tempo e pelo espaço do Terreiro do Paço.

Como no mito de Sísifo, empurrar a pedra até ao cimo da montanha é uma questão de vontade. Depois só a fé nos pode valer. Visto, porém, o passado vai ser preciso ter muita fé, e durante muito tempo, para vermos esta região no estádio a que tem direito.

DESEMPREGO E REALISMO

Governe quem governar, o futuro vai, mais dia menos dia, confrontar-nos
com a nossa real penúria em meios e condições materiais.


Até quando andaremos todos iludidos pensando que poderemos manter o nosso nível de vida actual?

Portugal está afundado numa grave crise financeira, que é, de resto, mundial, e arruinado na sua vetusta economia. De um lado, o excessivo peso do Estado e, do outro, a falta de competitividade marcam a crise do país que se concretiza, designadamente, numa taxa de desemprego desesperante. E que – não haja ilusões – se vai manter por muito tempo.

É curial lembrar, no transe, que este início do século XXI está marcado, em geral, pelo desemprego em massa, empresas sem trabalhadores, Estados exauridos e endividados para lá do que é sustentável tudo, mais tarde ou mais cedo, com possíveis convulsões sociais de consequências imprevisíveis.

O Direito do trabalho, nasceu com um fim proteccionista dos trabalhadores num certo quadro económico – e por causa dele – e por esse trilho tem seguido. Só que o tempo económico inicial evoluiu drasticamente nos nossos dias e continua a evoluir aceleradamente marcado pelos novos processos produtivos, avançadas técnicas de gestão e novas tecnologias em desenvolvimento imparável, tudo isso acompanhado, porém, por uma agravada estagnação do mercado do emprego e suas inevitáveis consequências.

Além disso, porém, relevam ainda na nossa actividade quotidiana – e com efeitos óbvios no nível de vida - a falta de valores generalizada, o desprezo da ética nos negócios e na vida, a falta de transparência, designadamente na vida pública, a informalidade que continua a campear na economia, a escassez de trabalho qualificado para a nova economia, ou o envelhecimento de população como realidade crescentemente preocupante.

Algumas das variáveis vindas de apontar não auguram um futuro feliz para quantos adoptaram a sociedade do consumismo desenfreado ou a sociedade do espectáculo improdutiva como destino. É por isso que, governe quem governar, o futuro vai, mais dia menos dia, confrontar-nos com a nossa real penúria em meios e condições materiais para se manterem os padrões de riqueza em que, apesar de tudo, actualmente muitos vivem.

Em tempos eleitorais este é um tema a pôr à margem. Mas o realismo político não pode ignorá-lo, até para que se vão preparando as estratégias correctas para vencer esta outra crise – estrutural e portuguesa – que se junta à global.

Voltando ao tema do desemprego, contraposto, agora, ao do nível de vida, há que reconhecer que a gravidade de esse nível de vida baixar generalizadamente não é comparável, em dramaticidade, ao elevado desemprego existente e futuro. É que o lugar de trabalho nas nossas sociedades ganhou ainda mais acutilância com as consequências, para o emprego, da crise financeira e económica dos inícios deste milénio. Bastará ver, na verdade, a angústia das pessoas a que falta ou que perdem o emprego para medir-se tal importância. O trabalho não se reduz a um mercado; é mais, ou vai além (é diverso) de um objecto de partilha. Inscreve-se no tempo e no espaço de uma vida. Numa perspectiva religiosa, católica, JOÃO PAULO II (1981), na Carta Encíclica Laborem Exercens sobre o Trabalho Humano, já afirmava que “A Igreja está convencida de que o trabalho constitui uma dimensão fundamental da existência do homem sobre a terra (…) mediante o trabalho, o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas realiza-se também a si mesmo como homem e até, em certo sentido, se torna mais homem”.

É aqui, afinal, que reside o coração da crise.

ESTÁ TUDO PARTIDO

Os partidos políticos, na sua actual estruturação e com as finalidades que prosseguem, não vingarão na democracia do futuro.

No pingue-pongue das promessas eleitorais, todos os partidos são campeões. E, bem vistas as coisas, pena é, até, que um novo sistema eleitoral não permita ao comum dos mortais – que não às fiéis e dóceis clientelas partidárias cuja partitura é outra – votar simultaneamente em todas as ambições que todos os partidos nos propõem. O risco maior seria, afinal, o de alcançarmos o Paraíso na terra, mal menor, apesar de tudo, no mundo louco da política em que vivemos…

As palavras, as promessas e os compromissos em política e, sobretudo, em tempo de eleições, valem, porém, o que valem e quando não têm por fundo a honradez e a ética de um punhado de Homens dignos, nada significam.

São palavras.

É “marketing”.

Os partidos políticos, na sua actual estruturação e com as reais finalidades que prosseguem, em profunda crise, não vingarão na democracia do futuro. Um outro sistema há-de vir substituir o actual que, de velho, gasto e deturpado, está no limiar da infuncionalidade. Esta é uma certeza de que o tempo será inevitavelmente tabelião. Não é certo quando, mas é certo que tal acontecerá.
A política não poderá, no futuro, esgotar-se dentro dos muros claustrofóbicos dos partidos políticos como até agora tem acontecido e cujo monopólio parece que cada vez mais ocorre nos nossos dias. E nisto vai uma intransigente defesa da afirmação da sociedade civil na vida pública nas suas múltiplas vertentes possíveis.

Também a legitimidade pessoal de qualquer deputado, no actual sistema eleitoral, face à insuportável dependência partidária que o acorrenta, está definitivamente em causa. E nisto vai uma viva defesa de candidaturas independentes para o Parlamento, ainda ilegal, é certo, fora dos quadros partidários, mas inevitável a curto prazo.

O combate eleitoral, no sistema que vigora em Portugal, parece-se, sem grande afectação da verdade, com uma mera sessão de bolsa de empregos directos e indirectos em que o cidadão, eleitor ou não, é um mero instrumento ao serviço de causas e interesses que lhe são desconhecidos.

A crise da democracia representativa está aí e só a não vê a cegueira dos interesses instalados, mas as experiências da democracia participativa também não encontraram, ainda, na sociedade, a força e o vigor que lhes dê sentido.

O tempo é, porém, de mudança.

A mudança não acontecerá, porém, sem uma grande implicação de todos os cidadãos na assumpção da sua responsabilidade cívica e social. Aqui há-de mostrar-se de grande relevância – como já aconteceu nos EUA – a utilização massiva das novas tecnologias de comunicação prenhes de possibilidades de novos percursos democráticos. Será por aqui que, creio, se poderá retomar a perdida identificação dos (novos) partidos com a sociedade e a partilha legítima de poderes.

Quem hoje assiste aos pronunciamentos partidários dirá, sem excesso, que os políticos falam com as tripas. Ora é disto que todos se sentem fartos e esperar uma mudança profunda no relacionamento dos representantes com os seus representados não é nada de anormal. É, antes, propugnar pelo aprofundamento, cada vez mais urgente, da democracia aviltada em que nos movemos.

DEITA CÁ PARA FORA

Nas vésperas de dois actos eleitorais é indisfarçável que uma imensa distância separa a sociedade civil das instituições políticas

O “Paulito”, aquele boneco que anima um anúncio de um operador móvel de telecomunicações gritando a frase “Deita cá para fora”, não vai fazer campanha por nenhum partido político concorrente aos próximos actos eleitorais.

O seu negócio é outro.

Aquela frase tem, porém, alguma acutilância neste momento. Os portugueses – e, em especial, os eleitores – têm, na verdade, muito que deitar cá para fora e razões de sobra para o fazer, embora, ao contrário, o modelo democrático em que subsistimos defina este tempo, especificamente, como de propaganda dos partidos políticos que, assim falam, falam… e geralmente não dizem nada, a não ser, por vezes, uns aos outros numa, aliás, sórdida claustrofobia partidária que os pode levar à tumba a não arrepiarem caminho.

É, então, de bom tom e aparenta “cultura” deplorar, nos tempos que correm, o estado da democracia que temos criticando o irrefutável afastamento dos cidadãos da vida política, o crescente individualismo que campeia na sociedade e o refúgio, na sua esfera privada, de muitos desagradados com a crise política. Fica bem, mas não basta.

Trata-se, no caso, de sinais dos tempos que não poderemos ignorar, mas tal não legitima que se limite a apreciação da democracia à sua dimensão eleitoral sublinhando, no transe, apenas, o abstencionismo crescente. Tal seria, de facto, redutor da realidade e, também, perigoso.

É incontornável, contudo, a crise por que passa actualmente a democracia que já não merece, em vários planos, grande apreço popular, tal como acontece com a vida político-partidária em geral. E é aqui que releva um conceito que, pelo menos, justificará aprofundamento intelectual, qual seja o de “contra democracia”, uma outra perspectiva de olhar a democracia em crise.

A “contra democracia” não é o contrário da democracia, mas uma outra forma de democracia, de algum modo alicerçada, certamente, na descrença da democracia assente no mero sufrágio eleitoral e visando, ainda que forma algo ambígua, por enquanto, dar relevo a um sistema de contra-poderes de acordo com o princípio liberal “cheks and balance” (controlo e equilíbrio). Na formulação do conceito e do seu desenvolvimento encontraremos o filósofo Pierre Rosanvallon e o seu livro “La contre-democratie. La politique à l’age de la défiance” (Seuil, 2006).

Nas vésperas de dois actos eleitorais é indisfarçável que uma imensa distância separa a sociedade civil das instituições políticas e o perigo real é que desse afastamento nasça, de algum modo, um populismo qualquer grosseiramente ameaçador da democracia.

Sem se pretender que os programas eleitorais dos partidos em concorrência parem em todas as estações e apeadeiros – se pronunciem e comprometam sobre todas as questões políticas que envolvem o nosso quotidiano e definirão o nosso futuro – não se afigura aceitável que desses projectos estejam ausentes as linhas essenciais da política a seguir após as eleições. E isto agravado pelo facto de que, à falta de tais faróis ou linhas programáticas essenciais, se junta o anonimato inqualificável daqueles que vamos eleger, nomeadamente para a Assembleia da República (não tanto, decerto, para as autarquias por óbvias razões).
Votar, pois, em que projecto?

Votar, pois, em que políticos?

A democracia à portuguesa ainda não foi capaz de enfrentar estas questões e de lhes dar solução e é por isso que o voto vai ser, em grande medida, uma mera escolha clubística ou o refluxo de traumas passados. E é pena.

FÉRIAS … PARA QUE VOS QUERO!

Neste tempo de liberdade e disponibilidade pessoal acrescidas só terá pleno sentido se aproveitado, também, para aprendermos a viver juntos, a conviver com o outro, aprender a conhecer e a fazer e, sobretudo, aprender a ser.

O tempo de férias e o espírito que a elas preside, deixam ocasionalmente esvoaçar o pensamento até horizontes que, noutras situações, seriam, porventura, inatingíveis.

É bom estar de férias, por exemplo, para reler O Principezinho, de Antoine de Saint-Expupéry: “As pessoas crescidas nunca entendem nada sozinhas e uma criança acaba por se cansar de lhes estar sempre a explicar tudo”. E, continuando no mesmo diapasão, relembrar outras leituras, como, no caso, Georges Bernanos (Les grands cimitières sous la lune): “O mundo vai ser julgado pelas crianças” (p. 212).

Sem a pressão do quotidiano, muitas vezes massacrante de sofrimentos e desilusões, em momentos de lazer, voltamos, por vezes, a ter o espírito desse tempo que já foi, e em que fomos crianças. E, então, poderemos falar de outras coisas ao adulto que também somos, explicar-lhe coisas que, no correr de outros dias, ele não conseguiu compreender, e julgá-lo. Julgar-nos.
Só por isto já vale a pena ir de férias!

Mas esse tempo de liberdade e disponibilidade pessoal acrescidas só terá pleno sentido se aproveitado, também, para aprendermos a viver juntos, a conviver com o outro, aprender a conhecer e a fazer e, sobretudo, aprender a ser. Tudo aquilo, afinal, que, nos outros dias do ano geralmente nos passa ao lado no frenesi de vidas insolidárias e de cidadania escassa. Não há cidadania, na verdade, onde persiste a exclusão social, designadamente para populações imigrantes, como não há cidadania se não aceitamos as diferenças e a identidade de todo e qualquer grupo social e se se tolera a intolerância.

Entre os maiores desafios que enfrentaremos no século XXI configura-se o da Educação, entendida num sentido mais amplo do que o que a restringe a um qualquer sistema educativo. “A educação encerra um tesouro” (Delors, 1996) segundo se diz no relatório preparado para a UNESCO pela Comissão Internacional sobre educação para o século XXI. Ora cabe dizer que a educação não vai de férias e até pode aproveitar-se das férias para fazer mais caminho, nomeadamente quando, viajando, encontramos pessoas que não têm os mesmos direitos que nós temos e sobrevivem em condições não decentes para um ser humano.

Vai nisto, pois, a ideia de que o tempo de férias não tem de ser um mero período de lassidão, relaxamento e vazio. Pode, pelo contrário, ser um tempo para a prática da solidariedade numa perspectiva cidadã. E como em breve voltarão os dias dedicados ao “negócio” (que é o contrário de “ócio”) o mais importante é usufruir, entretanto, de tudo aquilo que a vida tem de bom vivendo em paz.

Até porque, a breve trecho, entraremos em trabalho, também, políticos, que nos exigirão bastante esforço e perspicácia intelectuais para não nos deixarmos ir no “conto do vigário”.
Talvez como nunca antes venhamos a ter diante de nós, em breve, na decisiva escolha – não, decerto, pela liberdade que acima de tudo prezamos, mas sobre a democracia pelo qual cada vez menos têm apreço neste tempo de erosão de convicções e de falta de honestidade política.

Não querendo cair nos prosaicos votos de boas férias – que, no entanto, espero que todos tenham – gostaria de terminar este aceno estival de simpatia lembrando uma celebre expressão de alguém que partiu, há dias, para o Oriente Eterno: “Façam o favor de ser felizes”.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

UMA NOVA ERA DE LIBERTAÇÃO


Um admirável mundo novo, porventura global, há-de ver-se anunciado um dia destes apesar dos “Velhos do Restelo” ainda ocuparem os galhos, já secos, dos poderes.

Ocorre, neste momento, uma inelutável desintegração da ordem político-social em que assentámos o nosso quotidiano desde os finais da última Grande Guerra.

Tal como no fim da Idade Média os homens se libertaram de subordinações feudais, neste nosso tempo intui-se, mesmo que imperceptivelmente, uma outra, nova libertação relativamente, esta, aos totalitários poderes da finança e dos partidos com ela mancomunados.

Os indícios vêm um pouco de vários lados.

Do sistema judicial que começa a dar mostras de eficácia na luta contra a corrupção disseminada e dissimulada aos mais altos níveis da economia e do poder financeiro e político, ainda que muito longe, ainda, do que seria aceitável. Há que reconhecer, na verdade, que, apesar de inúmeras dificuldades, sobretudo de meios mas, também, de sensibilidade social, a Justiça tem vindo a ocupar espaços onde antes não penetrava, decerto por ineficácia mas, também, por virtude de subtis fronteiras que lhe eram erguidas por certos poderes clandestinos que lhe tolhiam a acção. Também a administração fiscal é, agora, menos contemporizadora com a fraude e a evasão fiscais, mesmo se ainda carente de mais acutilância e rigor.

Da sociedade civil que, activa ou passivamente, vai dando mostras de que não deixará incólumes os atropelos e as atrocidades que os políticos vão cometendo no desempenho das suas funções. A abstenção verificada em vários e recentes actos eleitorais é, apenas, uma das manifestações, ainda que passiva, da indignação cívica que muitos cidadãos hoje sentem. Mas, aqui e ali, organizações relacionadas com a economia social, com o comércio justo, o consumidor e, naturalmente, com questões ambientais, têm, também, sobressaído num mundo onde o monopólio dos partidos e da finança eram, antes, suseranos absolutos.

De movimentos políticos recentes, organizados em novos partidos políticos ou meras associações cívicas que convergem na defesa de causas e interesses que, por não renderem votos, foram pura e simplesmente ignorados pelos partidos tradicionais do sistema. Está a afirmar-se paulatinamente, na verdade, uma nova geração criativa, utilizadora de novas tecnologias de informação e comunicação, que já exprime a sua própria vontade sem a intermediação dos representantes do sistema político que temos. E o caminho é infinito nesta perspectiva.

Ora estes e outros indícios de “insubordinação”, porventura alicerçados ou provocados pela crise civilizacional e de cultura que atravessa o nosso tempo – e, inegavelmente, também, pela crise económica e financeira e suas consequências éticas, morais e sociais – anunciam uma era de libertação relativamente a um paradigma político que já é um cadáver adiado. Um admirável mundo novo, porventura global, há-de ver-se anunciado um dia destes apesar dos “Velhos do Restelo” ainda ocuparem os galhos, já secos, dos poderes.

Enquanto tudo isto acontece, o que ainda é dito e relevado na opinião comunicada e publicada refere-se ao mundo dos conflitos de interesses que afligem os que detêm o poder – e têm medo de o perder – e ao dos que o não tendo, a todo o custo procuram lá chegar. Mas nisto vai pouco, muito pouco, para a construção do nosso destino apesar da retórica de promessas que não têm faltado por todo o lado. Seria bom ter-se presente, no transe, aquele célebre discurso de Sir Winston Churchill, proferido na Câmara dos Comuns, em Londres, a 13 de Maio de 1940 “Apenas posso prometer-vos sangue, trabalho, lágrimas e suor. Temos diante de nós uma provação das mais graves. Temos pela frente muitos, muitos meses de combates e sofrimento”.É este o Portugal que nos interpela, mas para lhe responder não parece haver quem.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

ESTÁ TUDO PARTIDO


Os partidos políticos, na sua actual estruturação e com as finalidades que prosseguem, não vingarão na democracia do futuro.

No pingue-pongue das promessas eleitorais, todos os partidos são campeões. E, bem vistas as coisas, pena é, até, que um novo sistema eleitoral não permita ao comum dos mortais – que não às fiéis e dóceis clientelas partidárias cuja partitura é outra – votar simultaneamente em todas as ambições que todos os partidos nos propõem. O risco maior seria, afinal, o de alcançarmos o Paraíso na terra, mal menor, apesar de tudo, no mundo louco da política em que vivemos…

As palavras, as promessas e os compromissos em política e, sobretudo, em tempo de eleições, valem, porém, o que valem e quando não têm por fundo a honradez e a ética de um punhado de Homens dignos, nada significam.

São palavras.

É “marketing”.

Os partidos políticos, na sua actual estruturação e com as reais finalidades que prosseguem, em profunda crise, não vingarão na democracia do futuro. Um outro sistema há-de vir substituir o actual que, de velho, gasto e deturpado, está no limiar da infuncionalidade. Esta é uma certeza de que o tempo será inevitavelmente tabelião. Não é certo quando, mas é certo que tal acontecerá.
A política não poderá, no futuro, esgotar-se dentro dos muros claustrofóbicos dos partidos políticos como até agora tem acontecido e cujo monopólio parece que cada vez mais ocorre nos nossos dias. E nisto vai uma intransigente defesa da afirmação da sociedade civil na vida pública nas suas múltiplas vertentes possíveis.

Também a legitimidade pessoal de qualquer deputado, no actual sistema eleitoral, face à insuportável dependência partidária que o acorrenta, está definitivamente em causa. E nisto vai uma viva defesa de candidaturas independentes para o Parlamento, ainda ilegal, é certo, fora dos quadros partidários, mas inevitável a curto prazo.

O combate eleitoral, no sistema que vigora em Portugal, parece-se, sem grande afectação da verdade, com uma mera sessão de bolsa de empregos directos e indirectos em que o cidadão, eleitor ou não, é um mero instrumento ao serviço de causas e interesses que lhe são desconhecidos.

A crise da democracia representativa está aí e só a não vê a cegueira dos interesses instalados, mas as experiências da democracia participativa também não encontraram, ainda, na sociedade, a força e o vigor que lhes dê sentido.

O tempo é, porém, de mudança.

A mudança não acontecerá, porém, sem uma grande implicação de todos os cidadãos na assumpção da sua responsabilidade cívica e social. Aqui há-de mostrar-se de grande relevância – como já aconteceu nos EUA – a utilização massiva das novas tecnologias de comunicação prenhes de possibilidades de novos percursos democráticos. Será por aqui que, creio, se poderá retomar a perdida identificação dos (novos) partidos com a sociedade e a partilha legítima de poderes.

Quem hoje assiste aos pronunciamentos partidários dirá, sem excesso, que os políticos falam com as tripas. Ora é disto que todos se sentem fartos e esperar uma mudança profunda no relacionamento dos representantes com os seus representados não é nada de anormal. É, antes, propugnar pelo aprofundamento, cada vez mais urgente, da democracia aviltada em que nos movemos.

terça-feira, 28 de julho de 2009

ELEIÇÕES E FÉRIAS

O próximo governo é uma grande incógnita. Talvez não seja, porém, ingénua a conclusão de que será de esquerda, ou não será.

Estamos em período de férias com uma nebulosa política a pairar na sociedade quanto ao futuro que nos espera após as eleições legislativas de 27 de Setembro. É que, para além de ainda não serem conhecidos os programas com que os partidos se apresentarão a esse sufrágio, tudo parece apontar para um certo caos pós-eleitoral. Na verdade todas as estimativas que se conhecem apontam para cenários pouco animadores quanto à estabilidade político-governativa futura em função dos resultados eleitorais que são previstos – e que valem o que valem, mas justificam, de qualquer modo, reflexão atenta e crítica.
Com dois partidos – o PS e o PSD – a disputarem o eleitorado que decide as eleições, várias questões relevantes devem merecer atenção, também para esclarecimento do sentido de voto de cada um de nós nesse acto eleitoral.

Uma primeira questão a suscitar, tem a ver com a competência do Presidente da República para, “tendo em conta dos resultados eleitorais”, nomear o Primeiro-Ministro (artigo 187º nº 1 da Constituição). Dificultar-se-á tal questão no caso de um ser o partido mais votado e, outro, ter mais deputados do que esse que foi mais votado. É um cenário possível e a Constituição não resolve o problema. Quem “lê” os resultados eleitorais é o Presciente, mas, na situação em apreço, a decisão que tomar há-de ser expressão do seu entendimento dos poderes que lhe cabem, porventura aproveitando a ocasião para, na prática, os reforçar. E caminharemos, então, subliminarmente, para um regime mais presidencialista com tudo o que daí pode decorrer em situação de instabilidade governativa.

Abre-se, aqui, então, uma segunda questão que já se insinuou, há muito, no debate político: a da conveniência de o sistema político evoluir para um regime presidencialista, ou, de qualquer modo, um sistema em que os poderes do Presidente da República se vejam reforçados. A propósito cumpre assinalar que a situação política superveniente poderá exigir um tal tipo de escolha, sendo certo que, sendo o Presidente da República eleito por sufrágio directo e universal, tal não ofenderia, a meu ver, o princípio democrático.

Uma outra questão reporta-se concretamente à governabilidade do país após as eleições e poderá colocar-se nos seguintes termos: obtendo a, dita, esquerda (num sentido tradicional usado como conceito operatório) a maioria dos lugares no Parlamento, ainda que o partido mais votado seja da direita, como governar estavelmente o país sem uma maioria absoluta? A experiência colhida na análise do passado recente indica que as “esquerdas” não são capazes de se unir para governar, mas é absolutamente expectável que se congreguem para não deixar governar…

No quadro destas singelas questões – e muitas outras, porventura até mais cruciais, se poderiam levantar – vem à tona a relevância que uma organizada e eficiente Administração Pública poderia ter na sustentação das instituições políticas, apesar das possíveis lutas inter-partidárias e consequente instabilidade governativa. Desditosamente, porém, a Administração Pública continua, em larga medida, por reformar e sem a dignidade e a autoridade que lhe assegurem o desempenho dessas funções “políticas”.

O próximo governo é, também pelo acima referido, uma grande incógnita. Talvez não seja, porém, ingénua a conclusão de que será de esquerda, ou não será. Minoritário ou de coligação, mas de esquerda.

A racionalidade obrigaria, ainda, a suscitar a questão do Bloco Central como alternativa de governância. Não sendo de descartar tal hipótese, estou convicto de que seria tão conveniente à estabilidade política que não se poderá afastar, mas tão prejudicial que não justifica grande consideração. E seria, sempre, uma solução transitória. Ora adiado, há muito, já está este país!

terça-feira, 14 de julho de 2009

DEMOCRACIA E MERCADO


O mercado deveria deixar de ser um palco de lutas ideológicas.

Muitos milhões de pessoas afogadas no desemprego por causa da irresponsabilidade de alguns dirigentes do sector financeiro é uma das mais expressivas manifestações da crise actual.
Neste contexto o mercado, em geral, é posto em questão por muitos e, outros, pelo menos, exigem que seja mais e melhor regulado. Mas há quem, também, receie o excesso de regulação. E talvez todos tenham alguma razão.

O mercado é um factor de democracia, porque pressupõe a igualdade de direitos entre pessoas, a autonomia e a liberdade de cada um, ou seja, há democracia onde há mercado e este onde há democracia. Mas o mercado pode, também, revelar-se mortífero para a democracia quando escapa a qualquer controlo.

A democracia não pode ser vista, estaticamente, apenas nas suas instituições, antes tem de ser analisada dinamicamente quanto aos seus objectivos. Assim, poderemos dizer, no transe, que a democracia é o sistema político que permite a cada um participar na vida pública, que reconhece a individualidade de cada pessoa e, ainda, que tem por objectivo ajudar todos os indivíduos a serem actores das suas vidas. Por isso, o mercado se revelou historicamente como um fermento de democracia.

O vínculo fundamental entre democracia e mercado vem do facto de que este último supõe uma igualdade de estatuto (Cfr. Alternatives Economiques, nº 282, Julho-Agosto, 2009, p. 86 e seguintes).

A democracia, por seu turno, não tem que ver com homens teóricos, abstractos, mas com seres reais e que, enquanto tais, são complexos, simultaneamente generosos, altruístas e egoístas. Qualquer reflexão sobre a democracia deve partir deste ponto. Com efeito, o mercado pode ser um lugar de iniciativas, mas é, também, o lugar possível de todos os enganos e de todas as violências. E tal não tem que ver com a economia de mercado e os valores que transporta, mas com a condição humana pois os homens são todos bons e todos maus, e assim que uma brecha se abre, há sempre pessoas ávidas para disso se aproveitarem.

O mercado é uma instituição que, como qualquer instituição, obedece a regras de jogo formalizadas pelas sociedades. A definição dessas regras reflecte os valores da sociedade – ou do grupo que os ditam – e impõe comportamentos. Aliás, se a história dos mercados é a da sua regulação e a do seu enquadramento jurídico, é também a história do jogo entre os jogadores e as regras. E estas últimas devem evoluir para lutar contra os maus jogadores que, continuamente, inventam novas formas de dar a volta às regras (Cfr. Alternatives Economiques, cit.).

O mercado deveria, também, deixar de ser um palco de lutas ideológicas, erguido, consoante as partes, em deus ao qual tudo é concedido, ou em diabo de quem queremos ver-nos livres. É tempo de abandonar essas posições ideológicas para, enfim, considerar o mercado como aquilo que ele é, com as suas forças e as suas fraquezas.

Tal é uma condição sine qua non para trabalhar na sua democratização.

O mercado – tanto quanto a regulação que lhe cumpre - não funcionou devida e legalmente em Portugal nos últimos tempos, nomeadamente na área financeira. E, em vez de olharem a floresta, alguns optaram por tentar destruir o regulador, beliscando a democracia.

Não duvido de que tenha havido falhas graves na regulação, mas essas deverão corrigir-se para o futuro, mudando o modelo e as regras pertinentes, nada justificando, porém, a conflitualidade institucional que se levantou e que só pode prejudicar a regulação, o mercado e a democracia.
Uma Comissão Parlamentar não é um Tribunal e o regulador não pode ser visto como o malfeitor da campanhia. Ou será que, atacando o regulador, o Parlamento quis, de algum modo, branquear politicamente as “élites” criminosas que por aí andaram à solta?

segunda-feira, 13 de julho de 2009

CARTA ABERTA AO MINISTRO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE SOCIAL

Durma com os olhos abertos, porque as suas boas intenções não são mais do que isso – pias intenções. Cá por fora, no “mundo da vida”, os seus subsídios, cegamente atribuídos, são o delicioso manjar da preguiça.

Senhor Ministro,

Como o não conheço de lado nenhum, compreenderá que deixe de lado as habituais mesuras do género epistolar e que vá direito ao assunto, até porque o caso é grave.

Venho queixar-me do desemprego, sinal de uma economia em ruptura quando, como neste país, já irá acima dos 10%. Pelo que tal significa, por um lado, em perda de capacidade de produção desperdiçada e, também, por outro, pelos custos decorrentes do desemprego em termos de protecção social e respectivas prestações. E queixo-me com a legitimidade de quem muito trabalha e paga demasiado ao Estado para sustentar todos os seus caprichos e desperdícios (do Estado!).

Vou tentar, então, explicar a razão de ser desta carta que é também uma censura politicamente dirigida à ideologia subjacente a um assistencialismo sem tino que, salvo o devido respeito, me parece ser o seu amparo.

Precisando, para o meu gabinete de advocacia, de uma secretária, recorri em 09 de Junho de 2009 ao Centro de Emprego do Porto - Delegação Regional do Norte, comunicando uma oferta de emprego. Até hoje, 08 de Julho de 2009, recebi três candidaturas para a função de secretariado. E qual delas a mais ridícula e sofrível.

Três, senhor Ministro!

Venho-me, pois, queixar do laxismo com que os seus serviços – e as políticas que (não) cumprem, ligadas ao emprego, são tratadas. E, aqui, recomendo-lhe, sobretudo, que acabe com o cinismo e a hipocrisia com que estas questões são abordadas pública e partidariamente, numa mentira refinada, em que todos coçam as costas uns dos outros e, afinal, ninguém trabalha, ninguém quer trabalhar. Durma com os olhos abertos, porque as suas boas intenções não são mais do que isso – pias intenções. Cá por fora, no “mundo da vida”, os seus subsídios, cegamente atribuídos, são o delicioso manjar da preguiça.

Não ignoro o que escreveu Paul Lafargue, genro de Karl Marx, no seu livro O Direito à preguiça: “Na sociedade capitalista, o trabalho é a causa de toda a degenerescência intelectual, de toda a deformação orgânica”. Ou seja, abaixo o trabalho, vivam os subsídios ao lazer!

Aceito que a segurança social é uma insubstituível responsabilidade do Estado, controversa decerto, variada nos limites e formas, mas generalizadamente justificada em vista da protecção dos cidadãos contra certos riscos sociais. Defendo, também, que a existência de sistemas públicos de segurança social não prescinde do desenvolvimento, cada vez mais necessário, de formas privadas de protecção – a solidariedade familiar, profissional, associativa ou contratual designadamente as existentes no mercado segurador e financeiro ou mutualista. Rejeito, porém, este patético estado de graça em que tantos desempregados vivem à tripa forra à custa do sacrifício dos que trabalham e pagam impostos.

Considero, pois, que tendencialmente, não deveria haver subsídio de desemprego sem trabalho a favor da comunidade como sua contrapartida; que as prestações respectivas deveriam equivaler ao salário mínimo nacional; que não é sério o controlo actual inerente à situação de desempregado e à obrigatória procura activa de emprego e respectiva prova – e é caro. O excesso de proteccionismo é, afinal, tão injusto quanto a falta de protecção social.

Oiço, já, uma resposta subliminar: “e os votos de que o partido precisa para manter o poder?”… E respondo-lhe com uma expressão popular “Deixe de dar traques com o rabo dos outros”. (Não se ofenda que é o povo, que tanto ama, que assim diz…).

Não há país que resista a tanta demagogia.

Não há modelo social justo que tal aguente.

Estão a matar o futuro.

Cumprimentos.

A VONTADE POPULAR

Em tempo de preparação de programas eleitorais, seria profundamente democrático que os partidos políticos que pretendem submeter-se ao sufrágio eleitoral integrassem nesses programas ideias, concepções e esquemas de solução para os problemas da coisa pública que levassem em conta, também, um núcleo fundamental de valores caracterizadores da identidade nacional, mesmo que, proventura, pouco rentáveis em termos de votos.

Já não consigo mais ver o meu país sem fulgor, num leito de moribundo, ligado a máquinas por todo o lado, na esperança de que se mantenham, apenas, os mínimos sinais vitais e apenas isso.
Todos querem, aparentemente, combater a crise, mas há qualquer coisa, algum fatalismo, porventura, que nos amarra ao chão e não deixa ver mais longe nem ir mais além.

Todos parecem ter, convenientemente, soluções para não deixar falhar definitivamente este velho Estado soberano, mas, envolvidos em negócios de mercearia e de má língua, não se viabilizam consensos mínimos em torno de uma estratégia para Portugal.

Todos, e ninguém.

Enquanto isso, em tempo de campanhas eleitorais, os partidos que nos calharam em sorte, vão procurando instrumentalizar a vontade popular numa cega luta por votos, deixando simplesmente à margem a mínima reflexão, sequer, sobre a vontade nacional, os grandes interesses e valores pátrios que não são de hoje, mas de sempre porque marcam fundo a alma da nação e muito para além de quaisquer gerações, mesmo futuras. E hoje tem, de novo, sentido falar em vontade nacional – mesmo sabendo que Salazar a invocava para manter um Estado totalitário – pois o sistema democrático em que assentam as actuais instituições da República revela fragilidades preocupantes, desde logo no desinteresse e alheamento dos cidadãos relativamente aos momentos eleitorais. Quando, de facto, mais de metade do país se alheia das escolhas políticas que periodicamente o sistema lhes proporciona, sempre fica a dúvida a respeito do que será a vontade nacional, que não a popular, ou seja, a que é expressa. E, daqui decorrente, emerge a questão do sentido e finalidade dos partidos políticos enquanto meras câmaras de ressonância dos interesses que se expressam nos votos e não da vontade de toda a nação. Porque os partidos se organizam, hoje, meramente para recolher votos – mais votos do que os outros – e daí que lhes interesse, apenas, agradar, nas propostas que apresentam ao eleitorado, quanto àquilo que quererão ouvir os que vão votar.

E os outros cidadãos?

Não sendo o voto obrigatório no nosso sistema eleitoral, na abstenção poderá acolher-se, de algum modo, a vontade nacional, nomeadamente quando a vontade expressa pelo voto, relativamente à totalidade dos eleitores, seja quantitativamente menos relevante do que a abstenção.

Não se ignora, naturalmente, que o conceito de vontade nacional tem muitas e diversas leituras, valorações e conotações políticas. É, porém, inegável que, além da vontade que os votos expressam, outra existe, não expressa. E uma democracia sã não se poderá alhear desta questão, antes lhe cumprindo encontrar os necessários e convenientes instrumentos para que uma e outra vontade coincidam o mais que seja possível.

Não se poderá, pois, aceitar que a força minoritária dos votos seja, sem alternativa, a lei e o direito; nem admitir, sem crítica, a desconsideração dos interesses e dos valores morais que não se expressem em votos.

Ora, em tempo de preparação de programas eleitorais, seria profundamente democrático que os partidos políticos que pretendem submeter-se ao sufrágio eleitoral integrassem nesses programas ideias, concepções e esquemas de solução para os problemas da coisa pública que levassem em conta, também, um núcleo fundamental de valores caracterizadores da identidade nacional, mesmo que, proventura, pouco rentáveis em termos de votos.

Alguns dizem que quem cala consente, mas não é assim. Quem cala apenas não diz nada. E há silêncios terríveis – como o que se expressa na abstenção eleitoral da maioria da nação.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

GRANDES INVESTIMENTOS PÚBLICOS: APELO À LUCIDEZ

Realidade é muito mais importante do que a publicidade e, além disso,
de líderes de “claques” está o país farto.


O tema é actual e justifica inequivocamente mais debate no espaço público ainda que alguns argumentos comecem a entrar em estado de putrefacção de tão pouco consistentes e porque desprovidos, também, de um saber eticamente fundado e, deontologicamente, irrepreensível.

Refiro-me, de novo, aos grandes investimentos públicos – designadamente em auto-estradas, ao projecto da rede ferroviária de alta velocidade e ao novo aeroporto de Lisboa. E, dizendo o óbvio, tal matéria não poderá ser bem analisada sem se compreender a crise por que passamos – uma crise estrutural interna e conjuntural externa. Ademais, só ganharão sentido as posições que se venham a tomar sobre a temática em causa a partir de uma clara compreensão dos objectivos estratégicos de Portugal. Há que repisar este aspecto pois muitos “vencidos da vida” o ignoram ou já são incapazes de lhe dar o valor essencial que tem.

Ora, no contexto do debate, foi publicitado um patético “Apelo à reavaliação dos grandes investimentos públicos” subscrito por uns quantos ditos economistas, também como publicidade paga (por quem? por que valor?) que é um claro manifesto partidário contra tais investimentos ainda que ilusoriamente travestido de mero apelo à reflexão. Gostaria de perceber, antes de mais, então, quem paga toda esta azáfama, também, porque ocorre neste momento, e, de seguida, a quem aproveita o que defendem. Seria interessante, depois, conhecer quantos outros se terão recusado a entrar nesse barco. É que trinta economistas, por mais credenciados que alguns sejam, é uma árvore na floresta. E o combate é de natureza técnica, política, ou meramente partidária?

Reclamo cartas na mesa e jogo limpo.

Apelos destes, por outro lado, valem o que valem e têm de ser contextualizados sob pena de os argumentos atirados para o debate não passarem de juízos subjectivos e, até, de preconceitos pessoais, quando não ajustes pontuais de contas. De resto, lido esse apelo, fica o sabor amargo a um jargão economicista inextricável para o cidadão comum e a impressão de que o alegado serviria, também, à conclusão diametralmente oposta. De tão auto-proclamados ilustres economistas seria de esperar, com efeito, algo mais reflexivo, ponderado, enxuto e fundamentado. Assim, caíram na vulgaridade das disputas interesseiras por protagonismo e, porventura, na disputa de favores do Estado, até porque a notória falta de perspectiva multidisciplinar e estratégica do seu arrazoado o condena, inelutavelmente, a vida efémera, não mais longa do que a do próximo calendário eleitoral. E é pena, porque a realidade é muito mais importante do que a publicidade e, além disso, de líderes de “claques” está o país farto.

Será que tão mediátizados economistas também já se deram, alguma vez, ao trabalho de fazerem as contas, para o Estado e para as empresas, dos custos dos adiamentos sucessivos e das reviravoltas (também de alguns deles) no que se refere às decisões de investimento em causa? A certeza e a segurança de qualquer política económica é um valor mensurável em dinheiro, mas isto, curiosamente, escapa-lhes. Ao contrário, querem mais estudos, mais consultoria. Eu até os percebo… mas prefiro, de longe, a perspectiva desse singular empresário, Américo Amorim, que em recente entrevista a jornal dito de referência assinala que “assumir riscos, reunir recursos e colocá-los ao serviço da sociedade” foi sempre o seu lema – e, sublinho eu, deveria ser também o de todos os que desejam realmente o desenvolvimento de Portugal e o bem estar dos portugueses, ainda que, para tal, alguns, ou muitos, sacrifícios se tenham de viver. O que importa é ver longe, ser como as águias que planam sobre as montanhas e não como os patos que passam a vida a grasnar e a queixar-se, incapazes do mínimo golpe de asa.

Apelo, pois, à lucidez de quantos, não ignorando as dificuldades presentes, têm, ainda, alma para compreender os intertesses profundos e estratégicos do país e não se deixam aprisionar por falaciosas contas que, não sendo irrelevantes para as decisões políticas lhes são, porém, meramente instrumentais. Não deixemos, pois, o futuro do país no divã de certos falsos psicanalistas da economia, politicamente voláteis face a compromissos inadiáveis com o passado e, também, com o futuro. Ou o comboio voltará a passar mas deixando-nos, como noutras vezes, nos apeadeiros da periferia da Europa e do mundo, sem uma economia competitiva e longe da coesão social tão urgente.

O FUTURO DO SUCESSO

A decisão de adiar – uma vez mais ! – a construção do TGV mais do que me entristecer, revolta-me, enquanto exprime mais um adiamento do meu país.

Na introdução que escreveu para a edição francesa do seu livro “L’Économie Mondialisée” (1993), o economista americano ROBERT REICH, que também foi Ministro do Trabalho de Clinton, afirmava: “Na verdade, o futuro sucesso da economia francesa dependerá dos dois factores de produção que se deslocam com menos facilidade de uma nação para outra: os indivíduos e as infra-estruturas. O nível de vida dos franceses dependerá da sua capacidade em acrescentar valor à economia mundial graças aos seus cérebros, bem como aos sistemas de transporte e de comunicações que ligam tais cérebros entre eles e com o resto do planeta”.

Há, traduzida em português, uma obra, pelo menos, desse autor cuja leitura é verdadeiramente empolgante. Chama-se “O futuro do sucesso” e foi editada pela Terramar (2004).

Trata-se, naquela introdução acima invocada, de uma simples opinião, claro e, até, destinada a um país outro, sendo certo que a mesma ofenderá a enorme sapiência e o amor pátrio dos muitos que, por aqui, na política do pêndulo, são ocasionalmente contra aquilo a que, do alto dos seus poleiros, designam por “megaprojectos”, nomeadamente o transporte de alta velocidade em Portugal, mas não só.

A decisão de adiar – uma vez mais ! – a construção do TGV mais do que me entristecer, revolta-me, enquanto exprime mais um adiamento do meu país. Colhi todos os argumentos que vieram na opinião publicada e meditei sobre o assunto tendo chegado à conclusão de que nessa decisão tanto pesa o oportunismo de uns, quanto a pusilanimidade de outros. E, ainda, por cima de tudo, o sempre ocioso egoísmo partidário que, na oposição, promulga irresponsavelmente a “lei da terra queimada”, ou do quanto pior melhor.

Em tempo de crise – crise de civilização e, mais ainda, de cultura – a defesa do “Portugal dos pequeninos” serve bem às estratégias dos políticos menores e incapazes que por aí pululam e não deixa também de anestesiar os incautos e indecisos que entopem o espaço público. Com tal gente não haverá, porém, futuro!
Sem o transporte de alta velocidade que corre já por toda a Europa e está às nossas portas na vizinha Espanha, seremos num lago de águas mortas sem acessos. Com a porta do mar fechada e a saída para a Europa comprometida por via férrea - o transporte do presente e do futuro. É que sem tal tipo de transporte, as mercadorias vindas do atlântico sul ( e não só) não têm acesso, por Portugal, à Europa – e, com isso, a estratégia nacional para os oceanos sofre uma machadada fatal. Depois, haverá que mudar de transporte sempre que se meta o nariz na fronteira espanhola…

Isto cabe na cabeça de alguém?

E não me venham, porém, com a história da crise e a dos custos que ficarão, desse investimento, para as gerações futuras.

Já se gastou tanto dinheiro para nada à laia da crise – e que nunca mais se recuperará – que não aceito tal argumento. E quanto às gerações futuras… vão ser elas, mais que a minha, a usufruir do que também eu vou pagar como contribuinte.

Robert Reich é que tem razão. É a inteligência dos portugueses e a sua capacidade de fazer circular ideias, pessoas e bens no mundo com rapidez e eficácia que construirá o futuro.

Contra todos os “Velhos do Restelo”.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

POBREZA E VIOLÊNCIA URBANA

A pobreza material não explica tudo; só por si nem explica nada.
Há que procurar outras causas desta “questão social”.


A pobreza não significa, apenas, viver com escassos bens, em habitação precária, comer deficientemente ou vestir mal.

O maior problema, porventura, que a pobreza hoje encerra é, aliás, o do desconhecimento do que nos reserva o amanhã – uma simples doença pode lançar-nos na miséria, o desemprego na angústia, uma crise familiar pode destroçar muitas relações humanas. E por aí fora.

De tudo isto resultará a “morte social” que, por seu turno, contem razões significativas para muitas situações socialmente críticas que vão invadindo nomeadamente as periferias das grandes cidades – em França, na Grécia, também em Portugal e noutros mundos.

A pobreza material não explica tudo; só por si nem explica nada. Há que procurar outras causas desta “questão social” que tantos rios de tinta tem feito correr e tantas asneiras tem permitido que alguns profiram. E, segundo as causas, afeiçoar as respostas da sociedade e do Estado – uma e outro, que ambos são responsáveis. Sempre, porém, na indefectível convicção democrática de que não vale tudo para se conseguir a segurança civil.

É preocupante, neste contexto, observar como alguns defendem, sem qualquer escrúpulo, uma perspectiva meramente securitária para a violência urbana. Para eles, a resposta passará, singelamente, por penas mais duras, mais efectivos policiais com mais recursos, julgamentos sumários, privação de liberdade de jovens delinquentes e diversas medidas similares. Outros, de quadrante político contrário, julgam que as soluções se encontram no despejar de mais prestações sociais e subsídios atirados para a fogueira do caos urbano sem tino nem critério racional, ignorando que, muitas vezes, o efeito será o contrário do pretendido.

Mais polícia ou mais subsídios, portanto, segundo as perspectivas. E é tudo.

Ora estas abordagens são muito limitadas e, até, contraproducentes cabendo, antes, indagar como foi possível chegar até ao deflagrar deste inferno social e cívico se se pretendem soluções humanistas, democráticas e solidárias verdadeiramente eficazes.

A violência que pudemos verificar recentemente no Bairro da Bela Vista, em Setúbal, como antes na Quinta da Fonte – e está, larvar, em outros sítios desta degradada sociedade -, exprime, também, uma crise profunda de coesão social em que releva inevitavelmente a questão das desigualdades que amesquinham o nosso quotidiano.

Somos, com efeito, um país musculadamente centralista onde ainda é pecado capital defender a descentralização administrativa e a regionalização política. Lisboa é o eterno umbigo em torno do qual tudo nasce, cresce e frutifica e o resto é paisagem. E nesta vã política se destruiu, ou deixou morrer, o mundo rural e os seus melhores valores, tanto quanto se incentivou, de mil modos pérfidos, o despovoamento do interior do país, enquanto se promoveu a proletarização das vilas e cidades que circundam a capital do velho império em benefício do centro. E, como se isto tudo não bastasse para levar ao caos social que nos enreda, também a destruição da sociedade civil, decorrente do autoritarismo de Estado que nos rege – e de que todos os partidos são responsáveis a seu modo e em seu tempo – se traduziu na machadada final de muitas esperanças de solidariedade. Ignoradas e maltratadas, anos a fio, organizações culturais locais e regionais, associações de moradores, organizações de jovens, instituições civis e religiosas diversas, é óbvio que o individualismo agressivo e o egoísmo mais brutal emergiram nas sociedades.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

LIBERALISMO DE ESQUERDA OU SOCIALISMO LIBERAL

O futuro do socialismo depende da sua capacidade de assumir ideias fortes para perguntas fortes e, aqui, o liberalismo terá uma palavra a dizer no diálogo que implica entre liberdade e coesão social e entre eficiência económica e justiça.

O socialismo que nos vem governando, dito liberal, é algo híbrido que se fica, indefinido, entre as palavras dos que acreditam e pugnam pela forte intervenção do Estado na economia e, outros, que privilegiam a eficácia do mercado. Obviamente os primeiros sublinham com mais vigor a necessidade da regulação e da protecção social pública.
E, nos tempos que correm, é a volta disto que se tece o debate político à esquerda sendo certo que a direita não desdenha, também, alguns dos temas em causa. Fora desse âmbito, apenas ficam algumas, ditas, causas fracturantes de duvidosa oportunidade e, porventura, gravosas consequências civilizacionais.
O problema é de carácter ideológico e merece alguma atenção. É que não podemos, desde logo, ignorar, por evidente, que as ideologias do passado recente estão, cada vez mais, em crise esvaziando-se inelutavelmente de sentido e alcance. Se a compreensão do mundo que, outrora, nos trouxeram foi útil, hoje o que é urgente são ideologias que possam mudar o mundo, cumprindo os anseios democráticos que, cada vez mais, são uma exigência de todos os cidadãos. A pulsão democrática hodierna é uma pulsão de mais liberdade e de mais autonomia acompanhada, certamente, por um indeclinável acréscimo da responsabilidade de cada cidadão, no que tudo há-de ir a nossa percepção ideológica do mundo em que vivemos.
O futuro do socialismo depende da sua capacidade de assumir ideias fortes para perguntas fortes e, aqui, o liberalismo terá uma palavra a dizer no diálogo que implica entre liberdade e coesão social e entre eficiência económica e justiça. Também no ideário socialista.
Liberalismo de esquerda ou socialismo liberal podem trazer respostas, numa sociedade aberta, à crise actual na recusa, que elejam como prioritária, do totalitarismo do mercado em benefício do liberalismo político, da autonomia pessoal, da coesão social.
O socialismo do futuro será liberal ou não existirá (Guilherme de Oliveira Martins) e, nesta medida, os liberais puros e duros como Hayeck estão em pura perda. O tempo actual encarrega-se de os desmentir.
Olhando agora em redor, na nossa casa lusitana, vemos que o debate, incipiente e fragilíssimo, todavia, entre socialistas e social democratas parece, também, girar em torno de mais ou menos Estado sem pôr em causa, porém, aquele espírito do liberalismo moderno. Ponto é que surjam medidas concretas, projectos precisos e desafios aglutinadores que esclareçam como é que, cada partido, pretende levar a cabo a sua compreensão do socialismo liberal ou do liberalismo de esquerda.
No contexto da crise global, com particularismos específicos no nosso país, as escolhas e alternativas não são fáceis. Mas são decisivas para a escolha dos eleitores – ou para a abstenção se afirmar como opção face à incapacidade que os políticos, no transe, venham a demonstrar nos seus programas eleitorais.
Há que deixar de lado, como questão principal, o problema da forma ou dos procedimentos para governar e assumir, decisivamente, o que distingue, na perspectiva liberal (socialista e social democrata) cada projecto político. Tudo no sentido de mudar o paradigma conservador em que temos vivido e, a partir daí, encontrar os modelos de convivência social e política do futuro.
Já não basta recusar a economia dirigista e o primado totalitário do mercado atenuados, porventura, por alguma regulação errática se queremos responder – como é urgente – à sociedade complexa, global e em transição em que nos encontramos submersos.

E-mail: antoniovilar@antoniovilar.pt

quarta-feira, 6 de maio de 2009

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

Ser-se rico e ter sucesso nem é pecado nem crime, o mesmo não cabendo dizer-se, porém, de todos os modos de lá chegar.


Bruscamente nesta Primavera chuvosa, as forças políticas acordaram para a gravíssima questão do enriquecimento ilícito que, no entanto, há muito já corrói os alicerces da democracia e a solidariedade nacional.

Não é, porém, o enriquecimento de alguém que nos deve inquietar. É, isso sim, a ilicitude que o acompanhe. E, sobretudo, quando esse alguém é titular de um qualquer cargo, político ou administrativo, que o coloque em posição de arbitrária sobranceria face a qualquer outro cidadão.

Em tempos de crise – e porque esta não veio igualmente para todos – parece curial redobrar a atenção face à expressão de enriquecimento de alguns perante as dificuldades da generalidade dos cidadãos. Não é, de modo algum, certo e seguro que o que moveu os políticos nessa iniciativa tenha sido um sincero desejo de combate à corrupção e ao crime económico. De resto, é bom não esquecer que entre os políticos estão, segundo as aparências e algumas realidades já constatadas, os maiores beneficiários da impunidade que tem reinado neste âmbito. A pergunta, óbvia, é, pois, a de saber se lhes interessa mesmo, no seu cerne, este combate… ou se não passa tudo da velha atitude de mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.

Caberá também sublinhar e ter bem presente que, ao contrário do que se pensava na Idade Média, a modernidade mudou as mentalidades na sua relação com o dinheiro e a fortuna (Max Weber, L’étique protestante et l’espirit du capitalisme). Ser-se rico e ter sucesso nem é pecado nem crime, o mesmo não cabendo dizer-se, porém, de todos os modos de lá chegar.

Posto isto, não se pode deixar de lamentar que o Estado continue sem os instrumentos necessários e suficientes para poder pedir contas a quem exterioriza riqueza e não a quer explicar na sua génese sempre que tal não tenha resultado da prestação de contas a que cada um de nós está legalmente obrigado, nomeadamente no âmbito fiscal.

A criminalização do enriquecimento ilícito, que existe já em inúmeras legislações, não seria, por cá, decerto, a solução mágica de todos os ilícitos que continuam a fazer deste país um paraíso da impunidade. Mas, além de ser um instrumento mais de combate à praga da corrupção, também ajudaria a credibilizar a vida pública e os seus agentes, tanto quanto, até os “amigos” dos políticos e do regime. E, num país com tantas leis, mas cada vez menos valores éticos e cívicos, não seria mais esta que prejudicaria a realização da Justiça. E a sua ausência, pelo contrário, pode ser tida, por muitos, como um sinal para manterem ou incrementarem, mesmo, comportamentos marginais na certeza de que nunca terão de prestar contas à Justiça sejam quais foram os seus actos e os respectivos efeitos patrimoniais.

Em qualquer abordagem desta problemática é inegável que terão de ser escrupulosamente respeitados todos os direitos que assistem aos potenciais visados e que a Constituição, tanto quanto os códigos penal e de processo penal, estabelecem e que, no caso, por maioria de razão, se devem defender na medida, também, em que o terreno é propício à delação gratuita e à inveja ingrata em que a nossa sociedade se habituou a dar cartas. Mas não será isso que há-de impedir o direito, que é da sociedade democrática, à transparência patrimonial daqueles que ocupam lugares privilegiados e, daí, podem obter benesses injustificadas.

A violação do dever de transparência tem um desvalor próprio e autónomo e é por isso que se exige, num regime democrático, que a lei acolha tal dever com redobrada atenção e, logo, com normas específicas que o protejam, sobretudo no âmbito da actividade pública.

Viver em liberdade – e para a manter – implica cumprir deveres e, não, apenas, reclamar direitos. Entre aqueles, o de transparência patrimonial não é de somenos importância. Ou é, tão relevante, então, que muitos se deprimem só de ouvir falar em transparência.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

ANGOLA REVISITADA


Empurrar para um gueto qualquer Estado alheio à nossa cosmovisão democrática será uma demonstração de sectarismo inútil.

Angola anda, hoje, na boca de qualquer empresário e de muitos desempregados, também, como possível alternativa estratégica à crise que se vive em Portugal. E a fomentar o interesse por Angola tivemos dois eventos recentes da maior importância: a visita, ao nosso país, do Presidente da República de Angola e a viagem do Papa a Angola com tudo o que envolveram esses momentos, e muito foi.

Compreendemos que tenham sido deixados para trás, nessas ocasiões, os contextos nãos negociais, ou não religiosos, dos eventos em si, nomeadamente a problemática dos direitos humanos e da qualidade da democracia angolana. Decerto que, focando a nossa atenção nesses contextos, haveria muito a criticar, mas não só em relação a Angola. É que muitos Estados com os quais Portugal – e todos os países que tal conseguem! – estabelece e promove a diplomacia económica e tudo o que daí decorre para os empresários, não apresentam melhores índices de liberdade, de segurança jurídica e de democracia.

Não nos deixemos, porém, influenciar liminarmente por argumentos eivados de ciúmes ou adiantados com má-fé tanto quanto escamoteadores de intenções perversas que não poderemos ignorar e que, de todo, não visam o que as palavras exprimem, mas uma competição, por vezes selvagem.

Aquelas referidas questões de contexto – decerto cruciais – implicam respostas políticas. Mas no mundo pós-moderno a política está cada vez mais ausente das nossas escolhas, que assentam, sobretudo, em interesses. Na verdade, é geralmente reconhecido que, desde logo, as categorias fundadoras da nossa mundividência democrática estão obsoletas: direita e esquerda, movimento operário e movimento patronal, nacionalismo e internacionalismo, capitalismo e socialismo, comunismo, liberdade e autoridade são conceitos que já perderam a força de outrora e se mostram, hoje, incapazes de explicar a vida política nacional ou internacional.
Teria algum sentido, então, condenar Angola ao ostracismo neste contexto ambíguo e num mundo em que todos, afinal, se conduzem pelos seus meros interesses levando, por vezes, o egoísmo ao cume da ignorância?

Não tenho particular simpatia pelos infractores dos valores humanistas de liberdade e democracia em que acredito e que fazem parte da minha idiossincracia marcada pela filosofia grega, o direito romano, a religião cristã e as experiências e revoluções democráticas americana, inglesa e francesa. Mas, também, não julgo conveniente, nem útil, ignorar esses Estados “menos democráticos” pois do que os seus cidadãos próprios mais precisarão é da partilha de valores democráticos e de liberdade, com outros cidadãos, de outros países. Precisam de mundo, mais e melhor mundo em redor.

Empurrar, pois, para um gueto qualquer Estado alheio à nossa cosmovisão democrática será uma demonstração de sectarismo inútil. Mais vale, hoje, estar dentro das relações, das instituições, das organizações e dos sistemas, embora dos nossos divergentes, do que criticá-los sem, ao mesmo tempo, lhes dar a mão e com eles partilhar valores, interesses e solidariedades.

É preciso, porém, estar de pé face às conveniências que aviltam os valores democráticos e as liberdades, direitos e garantia dos cidadãos e da sociedade civil de Angola. De pé e firmes nas nossas convicções – de que farão parte a partilha solidária do futuro.

Ora, estar em Angola, hoje, também poder ser uma forma de desafiar a construção de melhor democracia nesse país, tanto quanto de ajudar ao seu desenvolvimento económico e à consolidação de uma sociedade civil forte.

Nem todos os Estados democráticos são iguais, mas todos devem aspirar a um melhor democracia económica, social e cultural.

Estou certo de que em Angola, hoje, se prossegue um objectivo, antes muitas vezes espezinhado, e que é o de construir o Estado democrático.

Nós, portugueses também somos responsáveis por esse futuro, sem preconceitos, sem altivez mas com solidariedade humanista universal.



sexta-feira, 27 de março de 2009

A CRISE NÃO PODE EXPLICAR TUDO

Portugal está invadido pela corrupção. Corrupção económica e financeira mas, sobretudo, grave corrupção de carácter dos portugueses que têm algum poder sobre o nosso destino colectivo.

A crise financeira, económica e social que se entranhou no nosso quotidiano, ainda que com uma amplitude universal, tem sido, também, um maná caído dos céus para ajudar à sobrevivência de muitos inúteis tanto quanto, também, à gananciosa reprodução de riqueza de alguns oportunistas sem escrúpulos neste nosso país desajeitado, sem lei nem rei.

De um lado, os políticos encontraram na crise o bode expiatório da sua impotência, da sua incapacidade e da sua incompetência. Em tudo o que falham – e quase nunca acertam - imputam à crise as respectivas causas e escamoteiam, constantemente com a crise o seu vazio de ideias, de doutrina e de políticas. Do outro, os detentores de inconfessáveis poderes fácticos que até a política manipulam, exigem do Estado cada vez mais apoios, sob constantes veladas ameaças, e assim vão resolvendo à custa de todos nós – e, sobretudo, das gerações futuras – os problemas “tóxicos” de que são a origem e de cuja solução estatal serão os maiores beneficiados num mundo imoral e injusto como é aquele em que vivemos.

A crise parece, de facto, servir para explicar tudo e tudo justificar.

Explica a pesporrência e a bazófia de muitos detentores do poder, no Governo, nas autarquias e na administração pública em geral, que através da crise disfarçam a sua ignorância e a sua falta de alma de estadistas, senão o seu carácter corrupto.

Explica o egoísmo de muitos empresários que, sem sensibilidade social, varrem, hoje, as empresas de todos os empregados que não deixem lá ficar, com a sua prestação laboral, o seu sangue, suor e lágrimas em beneficio exclusivo de lucros exorbitantes para as empresas e salários de luxo para eles escondidos, muitas vezes, nas famigeradas off-shore.

Mas a crise não pode explicar tudo e, sobretudo, não deveria premiar actos ilícitos passados, tanto quanto crimes ainda actuais, nomeadamente no domínio das finanças e da economia. E tal está a acontecer!

Quem estiver atento ao que se vai dizendo e escrevendo – muitas vezes apenas nas entrelinhas – não pode deixar de verificar como o poder político está de cócoras face, nomeadamente, a banqueiros e vulgares agiotas criminosos, também por incapacidade, ou medo ou conveniência endogámica.

Investigar é um perigo e castigar seria uma proeza a que poucos estarão dispostos.

Quem não está preso pela necessidade, está acorrentado pelo medo.

Esta é a nossa triste sina… e os outros que paguem a crise.

Quando é urgente mudar a realidade em que temos vivido, ensinam-nos e recomendam-nos a vive-la com paciência.

Quando é necessário ir ao passado procurar ensinamentos – e descobrir a trama criminosa em que alguns envolveram quase todos – somos levados a esquecer o que nos minou a existência decente, a tolerar o intelorável e a abdicar da dignidade.

Quando se impõe imaginar o futuro em novos moldes, com outro carácter, mais civilidade e solidariedade, subliminarmente empurram-nos para o aceitar passivamente.

Portugal está invadido pela corrupção. Corrupção económica e financeira mas, sobretudo, grave corrupção de carácter dos portugueses que têm algum poder sobre o nosso destino colectivo. E enquanto olharmos para o lado e assobiarmos uma qualquer cantiga não voltaremos a ser um País.

É tempo de respostas fortes.