terça-feira, 14 de julho de 2009

DEMOCRACIA E MERCADO


O mercado deveria deixar de ser um palco de lutas ideológicas.

Muitos milhões de pessoas afogadas no desemprego por causa da irresponsabilidade de alguns dirigentes do sector financeiro é uma das mais expressivas manifestações da crise actual.
Neste contexto o mercado, em geral, é posto em questão por muitos e, outros, pelo menos, exigem que seja mais e melhor regulado. Mas há quem, também, receie o excesso de regulação. E talvez todos tenham alguma razão.

O mercado é um factor de democracia, porque pressupõe a igualdade de direitos entre pessoas, a autonomia e a liberdade de cada um, ou seja, há democracia onde há mercado e este onde há democracia. Mas o mercado pode, também, revelar-se mortífero para a democracia quando escapa a qualquer controlo.

A democracia não pode ser vista, estaticamente, apenas nas suas instituições, antes tem de ser analisada dinamicamente quanto aos seus objectivos. Assim, poderemos dizer, no transe, que a democracia é o sistema político que permite a cada um participar na vida pública, que reconhece a individualidade de cada pessoa e, ainda, que tem por objectivo ajudar todos os indivíduos a serem actores das suas vidas. Por isso, o mercado se revelou historicamente como um fermento de democracia.

O vínculo fundamental entre democracia e mercado vem do facto de que este último supõe uma igualdade de estatuto (Cfr. Alternatives Economiques, nº 282, Julho-Agosto, 2009, p. 86 e seguintes).

A democracia, por seu turno, não tem que ver com homens teóricos, abstractos, mas com seres reais e que, enquanto tais, são complexos, simultaneamente generosos, altruístas e egoístas. Qualquer reflexão sobre a democracia deve partir deste ponto. Com efeito, o mercado pode ser um lugar de iniciativas, mas é, também, o lugar possível de todos os enganos e de todas as violências. E tal não tem que ver com a economia de mercado e os valores que transporta, mas com a condição humana pois os homens são todos bons e todos maus, e assim que uma brecha se abre, há sempre pessoas ávidas para disso se aproveitarem.

O mercado é uma instituição que, como qualquer instituição, obedece a regras de jogo formalizadas pelas sociedades. A definição dessas regras reflecte os valores da sociedade – ou do grupo que os ditam – e impõe comportamentos. Aliás, se a história dos mercados é a da sua regulação e a do seu enquadramento jurídico, é também a história do jogo entre os jogadores e as regras. E estas últimas devem evoluir para lutar contra os maus jogadores que, continuamente, inventam novas formas de dar a volta às regras (Cfr. Alternatives Economiques, cit.).

O mercado deveria, também, deixar de ser um palco de lutas ideológicas, erguido, consoante as partes, em deus ao qual tudo é concedido, ou em diabo de quem queremos ver-nos livres. É tempo de abandonar essas posições ideológicas para, enfim, considerar o mercado como aquilo que ele é, com as suas forças e as suas fraquezas.

Tal é uma condição sine qua non para trabalhar na sua democratização.

O mercado – tanto quanto a regulação que lhe cumpre - não funcionou devida e legalmente em Portugal nos últimos tempos, nomeadamente na área financeira. E, em vez de olharem a floresta, alguns optaram por tentar destruir o regulador, beliscando a democracia.

Não duvido de que tenha havido falhas graves na regulação, mas essas deverão corrigir-se para o futuro, mudando o modelo e as regras pertinentes, nada justificando, porém, a conflitualidade institucional que se levantou e que só pode prejudicar a regulação, o mercado e a democracia.
Uma Comissão Parlamentar não é um Tribunal e o regulador não pode ser visto como o malfeitor da campanhia. Ou será que, atacando o regulador, o Parlamento quis, de algum modo, branquear politicamente as “élites” criminosas que por aí andaram à solta?

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