terça-feira, 20 de maio de 2014

… E TUDO A TROIKA DEIXOU



Não gostei de ver alguns portugueses a celebrar o fim da presença da “Troika, porque, além do mais, tal não é verdade.

Escrevo esta crónica quando formalmente se deu por finda a intervenção estrangeira em Portugal assumida, sem rodeios, com a assinatura do Memorando de Entendimento com a “Troika”, já passaram três anos.

Ouvi, li e vi os festejos orgulhosos (!) de uns e as críticas recorrentes de outros. Com um olho a sorrir e outro a chorar. Mas foi na comunicação social estrangeira – como somos espoliados da verdade pela nossa! - que me encontrei com o trágico significado deste tempo líquido que nos consome.

Deixo aqui de lado as questões inerentes à perda de soberania que acompanhou a intervenção da “Troika” para dar singelo relevo ao que dela ficou para a generalidade dos portugueses. Na esteira da reflexão premonitória de Jorge Miranda (in Troika Ano II, coord. Eduardo Paz Ferreira, p. 315), Portugal, após a “Troika” é uma nação mais pobre, mais envelhecida, mais zangada consigo própria, mais desigual, mais fraca. E, acrescento eu, paralisada pelo medo, impotente, descrente no futuro, revoltada com os políticos e os partidos do arco da situação, menos solidária e cada vez mais longe da democracia.

Empobrecer foi o caminho que nos foi imposto – e que é para continuar, dizem os que mandam – uma estratégia em que sobressaem procedimentos eminentemente biopolíticos pelos quais certos poderes visam, afinal, sugar a vida à vida de quem trabalha. A austeridade à moda da “Troika” (e dos seus fieis discípulos, ainda mais cruéis, por vezes, do que ela) foi uma terapêutica pior do que era a doença.

Alega-se que a dívida pública (a doença) é uma praga que está na origem da crise. Mas também se poderá defender que o aumento da dívida pública será menos um problema do que uma solução e, sobretudo, parece já inequívoco que pretender reduzi-la a qualquer preço – “custe o que custar” – foi um erro. As dívidas, mais cedo ou mais tarde, terão, é certo, de ser pagas. A questão é de saber como, com que sacrifícios, de quem, e com que consequências. No nosso caso, o caminho foi – é – dramático, desumano.

A austeridade, enquanto punição, não vem na Bíblia. É uma construção do homem austeritário, contra outros homens. A penitência, essa, vem – metanoia – no sentido de mudança de vida proveniente do interior do homem, ainda que com rituais exteriorizáveis. Palavra trágica do nosso presente, mais do que marca, legítima, do que é rigoroso nos princípios, comportamentos, ou hábitos, a austeridade afirmou-se como sinónimo de mortificação imposta de fora e consubstanciada num processo de implementação de políticas financeiras que pretenderiam conduzir à disciplina, ao rigor e à contenção de alguns. Não foi só o processo, em si, que relevou, mas os critérios em que assentou e, ainda mais, as suas consequências. A austeridade não existiu, nem existe para todos.

Na se defende, porém, o despesismo, a gratificação imoral, o laxismo, nem o hedonismo. A questão não é essa. Na economia, a austeridade impõe rigor no controlo das despesas e gastos e é necessária quando a dívida pública e o défice se tornam insustentáveis. Ora, que em Portugal se tenha gastado acima das possibilidades é certo, (falta a outra parte da verdade: quem gastou? em benefício de quem?) mas também o é que – e tal é essencial – os meios postos à disposição de cidadãos, e dos trabalhadores em particular, não acompanharam o que a economia lhes poderia e deveria ter proporcionado, tendo ocorrido, ao contrário, o sequestro de muitos desses meios por uns poucos. E para estes não parece haver austeridade.

Não gostei de ver alguns portugueses a celebrar o fim da presença da “Troika” no país. Porque, além do mais, tal não é verdade e, mesmo que fosse, ficaram eles a zelar pelos seus interesses. Gostaria de ouvir, porém, notícias do futuro de uma nação adiada outra vez. Mas ainda não foi desta…

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