Um dia destes ainda
veremos alguns a pedir já não “outro” Tribunal Constitucional mas, talvez, a
dissolução do povo que somos e a eleição de outro
Não terá tarefa
fácil quem queira intervir nesta controvérsia, ideológica, aguda, que opõe o
Governo ao Tribunal Constitucional. Abdicar de refletir sobre o que de mais
profundo nela está em causa não será, porém, o caminho mais democrático e
seria, seguramente, civicamente repreensível e eticamente censurável.
Jurista de
formação, advogado praticante e professor de Direito em algum tempo livre,
assumo, no transe, uma lapidar convicção de Francisco Sá Carneiro: primeiro sou
português, depois democrata e, só depois, social-democrata. Nesta perspetiva,
apenas pretendo deixar aqui uma singela reflexão, sofrida, de resto, ao ver
tanta imbecilidade à solta.
Chamado a
pronunciar-se, nos termos da Constituição da República Portuguesa, sobre a
constitucionalidade de algumas normas do OE para 2014, aquele Tribunal declarou
três normas inconstitucionais dando razão a quem alegava que as normas violavam
o princípio de igualdade (art.º 13º, nº1 da CRP) e o princípio do Estado de
direito democrático (art.º 2 da CRP) nos
subprincípios que o concretizam ou, em seu torno, se congregam, nomeadamente o
da tutela da confiança e o da proporcionalidade, princípios estes que – é bom
lembrar a melhor doutrina constitucional – “densificam
a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas” (Cf. J.J.
Gomes Canotilho; Vital Moreira, Constituição
da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª ed., p. 205).
Caberá, também, sublinhar que “Os
princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com
vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e
jurídicos” (...) “os princípios, ao
constituirem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e
interesses (não obedecem, como as regras, à ‘lógica do tudo ou nada’), consoante
o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes;”
(Cf. JJ Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª
ed., 1161).
Face ao exposto e considerando, ainda, que o Acórdão em causa contém
declarações de voto relevantes e que, sobretudo, não colheu a unanimidade dos
juízes do Tribunal Constitucional, não se defenderá o caminho de uma pretensa
“ditadura dos princípios”. Mas também não se poderá deixar de condenar uma
outra ditadura, porventura ainda pior, qual seja a ditadura da “Troika” e dos
seus sequazes nacionais,
É óbvio que um Tribunal Constitucional não vive numa redoma de vidro
alheio à política (às doutrinas e às ideologias) mas, antes, está na comunidade
e deve dar-lhe voz no plano institucional que é o seu. Ou não terá qualquer
sentido a sua existência.
Vale isto por dizer, em síntese, que uma qualquer decisão do Tribunal
Constitucional, por mais criticável que seja, deixa de merecer um acolhimento
prudente de todos, sobretudo daqueles que têm o poder político nas mãos.
Está a ser posta em causa, neste combate imbecil e de imbecis contra o
Tribunal Constitucional uma das últimas fronteiras da democracia. Será que
estaremos conscientes deste risco?
Um dia destes ainda veremos alguns a pedir já não “outro” Tribunal Constitucional mas, talvez, a dissolução do povo que somos e a eleição de outro.
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