sexta-feira, 12 de outubro de 2012

NUNO GRANDE



Obrigado, muito obrigado por ter partilhado connosco o riso, a dor, a esperança, a angústia, os  
afetos, o sonho, o amor e a morte.


… E todos, todos se vão!

Osíris, o deus do Além, passou, na sua barca, à porta de Nuno Grande e levou-o, há dias, consigo. Vai chegar primeiro, Professor. Espere por nós, os que sempre e incondicionalmente em si acreditamos e que continuaremos, entretanto a combater por cá de olhos postos em si.

Homens como Nuno Grande, num mundo agreste, cínico, egoísta, desnorteado, ganancioso, levam-nos a pensar que a natureza humana não é necessariamente má e o “homem o lobo do homem” (homo homini lupus, Hobbes). Há, afinal, outros caminhos na sociedade que podem ser percorridos na senda da liberdade, da igualdade e da solidariedade. Foi por estes que a luz da sua vida viajou com uma grandeza infinita. E fica entre nós.

Lembro, neste momento, em especial a sua dedicação à Fundação Afro-Lusitana e o apoio constante que generosamente lhe prodigalizou para a manter viva na ajuda a estudantes dos países africanos de língua portuguesa. E se em muitas outras circunstâncias tive o privilégio da partilha da sua bondade (Forum Portucalense, Liga dos Amigos da Ponte D. Maria, Centro Juvenil de Campanha, sei lá que mais!) convoco aqui a Fundação Afro-Lusitana para, em jeito de homenagem – e até ao nosso encontro no Oriente eterno – lhe prometer que a fundação que tanto lhe deve vai voltar a ser o que queria que fosse. Vai, sim, Professor. Porque era sua vontade e é a nossa, segundo os seus ensinamentos.

Com este humano evento – o seu e o nosso adeus – mais uma noite sem lua acontece na nossa impiedosa sociedade que, cada vez mais desumanizada, caminha a passos largos para a tragédia final – suspensa a democracia, uma certa liberdade poderá fazer, a seu tempo, retornar o fascismo. Não devia, pois, deixar-nos por aqui quando vivemos num país agrilhoado por poderes não eleitos e mortificado por eleitos imbecis; quando há crescentemente fome em muitos lares e a saúde deixou de ser um direito humano incontestável; quando a mediocridade e o oportunismo estão encavalitados à mesa do Estado; quando a liberdade se esvai e a democracia apodrece; quando o medo escraviza os portugueses; quando a esperança já não nasce ao raiar do dia. Afinal foi contra toda esta miséria que os seus valores sempre o levaram a lutar corajosamente!

Ao curvar-me perante o seu corpo biológico na capela mortuária onde descansava, a sua extremosa esposa - grande Mulher sempre ao lado de um grande Homem – olhou-me e, entre lágrimas, sussurrou-me ao ouvido: “Sabe, ele gostava muito de si”. Agradeci comovido e sem jeito. Mas o Professor gostava de todos e a todos ajudava numa permanente disponibilidade para fazer o bem sendo eu apenas um dos devedores que ele deixou e que não teve, ainda, ocasião de lhe pagar a sua generosidade.

Nuno Grande, não viveu no, e do, materialismo vulgar que ignora a singularidade de cada pessoa e a dignidade humana de todos. Homem aberto à totalidade do real percorreu caminhos diversos com um humanismo insuperável na busca permanente de mais liberdade, mais democracia, mais justiça, mais dignidade. E com a esperança meta-histórica (estou disso convencido) de que para além do tempo, tempo haverá, deixou sinais e marcas nos caminhos que sulcou na sua terrena peregrinação que farão avançar no futuro os homens de boa vontade como ele o foi

Obrigado, muito obrigado por ter partilhado connosco o riso, a dor, a esperança, a angústia, os afetos, o sonho, o amor e a morte.

Até logo, Professor.

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