Os portugueses estão a ser punidos com uma austeridade que não merecem
e que resulta, em grande parte, dos erros e da ganância alheia.
Em verdade vos
digo que, se, como deputado, tivesse de apoiar ou rejeitar o Orçamento de
Estado (OE) para 2013, me trespassaria uma pungentíssima angústia e não sei
para que lado caíria o meu voto.
Se um OE é algo
de indispensável à vida em sociedade nos termos da organização política vigente
– acredito que tal organização já não serve, porém, o mundo globalizado e o
homem do século XXI – não se poderá aceitar um qualquer orçamento, uma mera
tabuada cifrada onde se ignora a dignidade humana. Temos que pagar as dívidas,
como disse o Primeiro Ministro, pois isso é timbre de quem é honrado. Mas as
dívidas reais e que foram contraídas para bem da República. Jamais, porém, as
que nos responsabilizam coletivamente e que apenas existem por virtude dos
jogos financeiros de criminosos, nacionais e estrangeiros. Este é um primeiro
ponto. De seguida – e apenas quanto ao que efetivamente fosse devido – nunca,
nunca aceitaria que, para pagar a agiotas, a dignidade e até a mera
sobrevivência biológica de muitos portugueses fosse posta em causa.
Felizmente não
sou deputado! Mas já fui e sei bem como as “coisas” se passam na hora do voto.
O que conta não é a reflexão moral de cada um sobre o seu voto, mas uma visão
prospectiva dos seus interesses no itinerário e carreira partidária. Também foi
por isso que deixei de o ser e, hoje, apenas tenho muita pena dos deputados honestos
que irão ter de votar.
Os portugueses
estão a ser punidos com uma austeridade que não merecem e que resulta, em
grande parte, dos erros e da ganância alheia. O governo que temos – e os
interesses que defende – nunca permitiram que fosse dito aos portugueses tal
verdade. Esse silêncio é uma vergonha. Passos Coelho e os seus acólitos estão a
governar para satisfazer ambições de usurários da finança nacional e
internacional sem qualquer sensibilidade social e sem olhar para o
empobrecimento, a desigualdade e a exclusão social que estão a originar em Portugal. Foi o
presidente francês, François Hollande que teve de vir dizer que os portugueses
estão a pagar os erros cometidos por outros e, mais, que chegou o tempo de
oferecer uma outra perspectiva aos cidadãos portugueses para além da
austeridade (Le Monde 17 outubro 2012).
Não têm
vergonha, senhores do poder, da vossa servidão voluntária à finança
internacional e aos seus caprichos e interesses? Digo-lhes: não serviriam,
sequer, para tratar da minha pequena contabilidade ou para arquivar os meus
ficheiros. E acrescento: os senhores estão a trair os portugueses e a cremar
Portugal.
A austeridade
não vem na Bíblia. É uma construção do homem, contra o homem. A vossa
austeridade é a de um modelo político-económico punitivo em relação aos
indivíduos, orientado pela crença de que os excessos do passado devem ser
reparados pelo sacrifício presente e futuro.
A austeridade é
uma armadilha, assente numa ética cínica, que está a aproximar os portugueses das
portas da morte, enquanto a sua via sacra se agrava dolorosamente numa agonia
em que já deixamos de amar o que somos para nos perguntarmos apenas como
sobreviver sem nos coisificarmos. Como processo tido por inevitável atira cada
vez mais cidadãos para a valeta, mina os alicerces da coesão social e, já
também, os da democracia.
É altura de
parar para pensar. Não vão ter outra oportunidade nem que pateticamente o Cardeal
Patriarca de Lisboa volte a repetir que a indignação que os portugueses (e não
só eles) expressam nas ruas são contra a democracia: “são, [disse] uma corrosão da
harmonia democrática da nossa Constituição e do nosso sistema constitucional”
(JN, 13 outubro, 11). Oh! Sr. Cardeal: não se lembra de que o Pe. Américo já
dizia que não é possível pregar o evangelho a barrigas vazias?
Os deuses, na
verdade, enlouquecem aqueles que querem levar à perdição.
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