terça-feira, 16 de outubro de 2012

E A DIGNIDADE HUMANA?


Os portugueses estão a ser punidos com uma austeridade que não merecem e que resulta, em grande parte, dos erros e da ganância alheia.


Em verdade vos digo que, se, como deputado, tivesse de apoiar ou rejeitar o Orçamento de Estado (OE) para 2013, me trespassaria uma pungentíssima angústia e não sei para que lado caíria o meu voto.

Se um OE é algo de indispensável à vida em sociedade nos termos da organização política vigente – acredito que tal organização já não serve, porém, o mundo globalizado e o homem do século XXI – não se poderá aceitar um qualquer orçamento, uma mera tabuada cifrada onde se ignora a dignidade humana. Temos que pagar as dívidas, como disse o Primeiro Ministro, pois isso é timbre de quem é honrado. Mas as dívidas reais e que foram contraídas para bem da República. Jamais, porém, as que nos responsabilizam coletivamente e que apenas existem por virtude dos jogos financeiros de criminosos, nacionais e estrangeiros. Este é um primeiro ponto. De seguida – e apenas quanto ao que efetivamente fosse devido – nunca, nunca aceitaria que, para pagar a agiotas, a dignidade e até a mera sobrevivência biológica de muitos portugueses fosse posta em causa.

Felizmente não sou deputado! Mas já fui e sei bem como as “coisas” se passam na hora do voto. O que conta não é a reflexão moral de cada um sobre o seu voto, mas uma visão prospectiva dos seus interesses no itinerário e carreira partidária. Também foi por isso que deixei de o ser e, hoje, apenas tenho muita pena dos deputados honestos que irão ter de votar.

Os portugueses estão a ser punidos com uma austeridade que não merecem e que resulta, em grande parte, dos erros e da ganância alheia. O governo que temos – e os interesses que defende – nunca permitiram que fosse dito aos portugueses tal verdade. Esse silêncio é uma vergonha. Passos Coelho e os seus acólitos estão a governar para satisfazer ambições de usurários da finança nacional e internacional sem qualquer sensibilidade social e sem olhar para o empobrecimento, a desigualdade e a exclusão social que estão a originar em Portugal. Foi o presidente francês, François Hollande que teve de vir dizer que os portugueses estão a pagar os erros cometidos por outros e, mais, que chegou o tempo de oferecer uma outra perspectiva aos cidadãos portugueses para além da austeridade (Le Monde 17 outubro 2012).

Não têm vergonha, senhores do poder, da vossa servidão voluntária à finança internacional e aos seus caprichos e interesses? Digo-lhes: não serviriam, sequer, para tratar da minha pequena contabilidade ou para arquivar os meus ficheiros. E acrescento: os senhores estão a trair os portugueses e a cremar Portugal.

A austeridade não vem na Bíblia. É uma construção do homem, contra o homem. A vossa austeridade é a de um modelo político-económico punitivo em relação aos indivíduos, orientado pela crença de que os excessos do passado devem ser reparados pelo sacrifício presente e futuro.

A austeridade é uma armadilha, assente numa ética cínica, que está a aproximar os portugueses das portas da morte, enquanto a sua via sacra se agrava dolorosamente numa agonia em que já deixamos de amar o que somos para nos perguntarmos apenas como sobreviver sem nos coisificarmos. Como processo tido por inevitável atira cada vez mais cidadãos para a valeta, mina os alicerces da coesão social e, já também, os da democracia.

É altura de parar para pensar. Não vão ter outra oportunidade nem que pateticamente o Cardeal Patriarca de Lisboa volte a repetir que a indignação que os portugueses (e não só eles) expressam nas ruas são contra a democracia: “são, [disse] uma corrosão da harmonia democrática da nossa Constituição e do nosso sistema constitucional” (JN, 13 outubro, 11). Oh! Sr. Cardeal: não se lembra de que o Pe. Américo já dizia que não é possível pregar o evangelho a barrigas vazias?

Os deuses, na verdade, enlouquecem aqueles que querem levar à perdição.

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