quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A DEMOCRACIA EM SUSPENSO

Há entidades não eleitas que cada vez mais determinam o nosso estar e que configuram um grave e complexo desafio às democracias.
Há trintas anos que a gente deste país acha que a democracia e o voto lavam as vergonhas dos políticos” – escrevia recentemente Henrique Monteiro, no Expresso, zangado com Alberto João Jardim e as suas trapaças. Numa interpretação linear vai dito, nessa frase, que a democracia está dominada pelo voto mesmo que seja em políticos desavergonhados.
É verdade, mas não diz tudo.
A democracia é um modus operandi que pretende confiar aos cidadãos a escolha dos titulares do poder político, mas é um sistema imperfeito, como ninguém ignorará. Será, ainda, melhor que qualquer alternativa (Churchill), mas não chegamos ao fim da história.
Vivendo em Portugal nos dias que correm, parece que ninguém poderá negar que a democracia, consagrada na Constituição, já pouco vale, está em período de suspensão, tanto quanto a perda da soberania nacional, em múltiplos níveis, é um facto incontestável. Obviamente que para esta situação concorre, decisivamente, o acordado (imposto) com a chamada “Troika” e a vontade (sobranceria) da Sr.ª Merkl que, sem pejo, ainda há dias dizia que a perda de soberania era a fatura a pagar pelos países endividados.
Cabe atentar, pois, desde logo, no poder real das entidades não eleitas (FMI, BCE e tantas outras) que cada vez mais determinam o nosso estar. Além do mais, elas configuram um grave e complexo desafio às democracias na medida em que pela sua força (económica e financeira) podem inverter completamente as decisões que são tomadas pelos políticos eleitos (cfr. Frank Vibert, The rise of the unelected).
Tudo isto se insere nas novas ameaças à democracia que os sistemas políticos ocidentais, de resto, espelham. Todavia, há variáveis que, desde há muito, têm tido participação ativa na fragilização das democracias e que são de carater endógeno. A título não exaustivo poder-se-ão referir: a falta de qualidade da generalidade do pessoal político; a captura do Estado por lóbis e interesses ancorados nos vários partidos políticos; o funcionamento autocrático dos mesmos partidos; o anestesiamento da sociedade civil; o não reconhecimento do mérito nas escolhas políticas; a corrupção generalizada quando estão em causa dinheiros do Estado e interesses privados; a desconstrução do Estado Social (Segurança Social, Saúde, Ensino público) e tantos outros aspetos que, de tão subtis, nem sempre se conseguem identificar.
A democracia que muitos enraizaram em Abril de 74 – democracia do poder, do ter, do saber, do ser – se nunca se alcançou plenamente, hoje está a regredir para o tempo escuro de antes de Abril. Provavelmente poucos enquadram o atual processo político neste itinerário, mas seria curial que, ao menos intelectualmente, todos os cidadãos se colocassem aquele tipo de questões.
A acrescer às referidas fragilidades da democracia que temos, é necessário referir a inefectividade do poder judicial para resolver os casos de exercício ilegítimo e criminosos, por vezes, do poder político a todos os níveis. Não defendo, obviamente, a politização da justiça, mas reclamo que esta atue com rigor, competência, independência e a tempo perante indícios de crimes cometidos à roda da política e não só por políticos. O caso BPN, onde o “cavaquismo” tem as mãos sujas, é um dos exemplos que não se podem esquecer.
A democracia e o voto não deviam levar as vergonhosas e criminosas ações dos políticos. Mas a verdade é que, num país onde prima a impunidade dos fortes (os fracos e frágeis estão todos os dias a ser julgados) a política serve para tudo e lava mais branco do que a ética e a justiça.
Também por aqui a democracia se esvai em cada novo caso que vem à luz do dia.
Resistiria se os cidadãos conhecessem a verdade toda?

Sem comentários: