terça-feira, 30 de março de 2010

SOLIDARIEDADE SOCIAL


Queremos tudo e já sem pensar no possível e nos outros que nos rodeiam.

Aos trabalhadores é assegurado constitucional e legalmente o direito à greve, que exercem, tantas vezes, a torto e a direito, com sentido e sem razão, por eminentes motivos tanto quanto fúteis reivindicações, em momentos convenientes e em alturas dramáticas.

Configurada em contornos mais ou menos amplos, a greve é, hoje, considerada um direito fundamental – depois de ter sido entendida, no passado, como um ilícito penal, ou uma mera liberdade, sendo que o Direito de cada país a jurisdiciza, enquanto acção juridicamente praticável e eficaz, ainda que de formas diversas face, também, às suas múltiplas variedades.

Mas será o direito de greve um direito ilimitado? A pergunta colou-se-me ao espírito nestes dias de vivência pascal atormentada com ameaças e concretização de greves em vários sectores de actividade mais ou menos relevantes para a economia nacional (em crise profunda) e em áreas essenciais ao bem estar, nomeadamente a saúde, de todos nós.

Deverão legalmente distinguir-se, aqui, dois aspectos, ou seja, o dos fins ou objectivos da greve e o dos meios utilizados na execução da greve. Quanto aos fins ou objectivos da greve compete, apenas, aos trabalhadores definir o âmbito dos interesses a defender através da greve. E, assim, todos os interesses valem no plano legal.

Quanto aos meios a utilizar para o seu exercício, o direito de greve está sujeito aos limites da sua própria regulamentação legal, bem como aos princípios gerais do direito. Deveria considerar-se, assim, abusivo o exercício do direito à greve quando se excedam certos limites por aplicação, nomeadamente, da teoria do abuso do direito ou do princípio da confiança.

Não sendo este escrito, porém, um exercício jurídico, constato que há muita gente a querer mudar o mundo – o seu mundo de interesses pessoais ou corporativos – e que poucos ainda fazem algum esforço para tentar compreender este tempo em que vivemos repleto de dificuldades e angústias por todo o lado.

Queremos tudo e já sem pensar no possível e nos outros que nos rodeiam.

Num tempo em que, de muito modos, os direitos insistem em prevalecer sobre as obrigações, esquece-se, com a maior facilidade, a situação dos que, ainda que tendo razões para reivindicar, não têm o poder necessário para o fazer, seja através da greve, seja de qualquer outro tipo de acção colectiva. E é, assim, que será também legítimo perguntar, desde logo, pelos direitos – a sua fundamentação, legitimidade e possibilidade de concretização – dos desempregados, dos inválidos, dos idosos, dos mais carenciados da sociedade em termos vitais, de todos os excluídos do trabalho digno, dos deficientes, dos dependentes e de tantos outros cidadãos desapossados de estatuto social reivindicativo e que por isso, também, vegetam na valeta das nossas sociedades insensíveis à solidariedade social.

Talvez seja interessante notar aqui que os Constituintes de 1976 no capítulo dos “Direitos e deveres sociais”, apenas se referiam ao direito à segurança social, tendo sido com a revisão constitucional de 1977 que foi aditada à epígrafe o conceito de “solidariedade”, com o que se terá pretendido sublinhar a ideia de que o ideal da segurança social implica a responsabilidade colectiva dos cidadãos ao lado, decerto, da que cabe ao Estado.

Ora esta ideia de solidariedade é decisiva de novo, hoje, quando ocorrem mudanças sociais que resultam de transformações estruturais neste tempo de mudança de paradigmas, designadamente no mercado de trabalho. Mais do que recitar direitos, parece que vai sendo tempo de deitar contas à vida e tornar a solidariedade intergeracional, tanto quanto a solidariedade com o nosso vizinho, uma realidade fora, ou para além, de tudo o que as legislações descrevem. Na verdade, quando são múltiplos os desafios e ameaças à sustentabilidade financeira do sistema público de segurança social, quer por virtude da evolução demográfica das nossas sociedades, quer pelas políticas erráticas de emprego adoptadas recorrentemente, temos que nos voltar a olhar face a face e reaprender a partilhar. A alternativa à solidariedade privada em tempos de crise pode apontar para sistemas políticos pouco ou nada convenientes.

Seria importante pensarmos todos nisto com carácter de urgência.

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