quarta-feira, 17 de março de 2010

TEXTOS, PRETEXTOS E CONTEXTOS



Não defendo a sacralização da justiça, mas rejeito a sua descredibilização.

Vinha num semanário de referência, na edição de 27 de Fevereiro de 2010, uma entrevista com o sociólogo António Barreto que, passados já alguns dias, não deixa de continuar a soar no limiar da minha memória. Aliás tudo o que este pensador diz, reflecte e escreve incomoda a estabilidade de qualquer status quo e não deixa ninguém indiferente, concorde-se, ou não.
E o que disse, aí, António Barreto de tão importante? Sem qualquer juízo de valor – os conhecidos ratos da política também não o fizeram – limito-me a transcrever as suas palavras: (…)”Se a justiça ajudasse e se não houvesse alguns bandidos – ou na magistratura judicial ou na magistratura do Ministério Público – que fazem fugas de imprensa sistematicamente… Não é possível viver com um sistema em que algumas pessoas na Procuradoria ou na magistratura judicial condicionam a vida nacional de uma maneira insidiosa, sub-reptícia, clandestina e eu acho que paga. Acho que há pessoas que estão a ganhar fortunas para vender informações em segredo de Justiça (…).
O articulista terá, porventura, esquecido outros agentes de justiça, como os advogados, que também são (deveriam sempre ser) servidores do Direito e participantes na administração da justiça com iniludível dignidade. E, porventura, alguns deles estão ao nível do descrédito a que chegaram alguns magistrados invocados no artigo citado.
A questão, porém, não fica por aqui. A coberto de concepções trogloditas da liberdade de expressão e, sobretudo, da liberdade de imprensa (ou função pública da imprensa), têm-se cometido os mais atrozes atropelos aos mais altos valores e direitos do Homem. E, digo-o, sem qualquer reserva, em esquemas de inequívoca corrupção. Na verdade se alguém recebe prebendas para dar informações em segredo de justiça – e o regime do segredo é o que está na lei, ao menos até que esta seja alterada! – do outro lado estão os que abrem os cordões à bolsa para obter ilegitimamente as informações. Num Estado de Direito, estes também são criminosos, mas não só! São também reles comerciantes que a troco de incontáveis pagamentos a corruptos visam lucros significativos, afinal, com a venda das informações em causa. E quando a liberdade de imprensa se confina à obtenção de lucros por qualquer meio mais vale irmos todos plantar macieiras.
Não defendo a sacralização da justiça, mas rejeito a sua descredibilização. E insurjo-me, sem rebuço, contra a evolução liberticida que tem marcado certos órgãos de comunicação social. Há, com efeito, sérias ameaças no ar sobre as liberdades públicas, a dignidade dos cidadãos e a honra dos homens as quais têm como móbil único vender jornais ou telejornais.
E como os bloqueios do sistema judicial engordam em cada dia que passa, este país está a tornar-se, também, aí, uma república das bananas.
Não existe liberdade sem lei. E a lei, por mais dura que seja, é para cumprir por todos – mesmo pelos senhores feudais de certa comunicação social. E, por outro lado, a liberdade (de imprensa) não é seguramente o único valor estimável, pois outros se perfilam na nossa vida e nem sempre é possível conciliá-los todos harmoniosamente, sem conflitos.
Quem procura o paraíso na terra, em regra gera infernos totalitários.
É por isso que, cada vez mais, o espírito crítico do leitor, ou do espectador, tem de interpretar o que lê ou ouve e de saber distinguir o que é gato do que é lebre. Não é fácil, mas é um imperativo cívico.
A imprensa é um antídoto incontornável contra o Estado todo poderoso e contra aqueles que o sequestraram. Mas não pode ser uma auto-estrada de irresponsabilidade.
A conflitualidade social que o direito pretende integrar apresenta-se com contornos singulares no domínio da liberdade de expressão e imprensa, uma e outra, de resto, particularmente tributárias das mudanças profundas decorrentes da crise que vivemos e consequente evolução política, económica e social que nos são contemporâneas.
Mas o Direito tem de renascer – e os seus servidores – ou estes fenómenos, porventura conjunturais, com epicentro no mercantilismo do jornalismo amoral não só afectará os valores essenciais da sociedade e o seu funcionamento, como pode levar ao “sinal da contradição” insanável já, entre valores.

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