quarta-feira, 3 de março de 2010

A SOCIAL-DEMOCRACIA PODE RENASCER?


Não tem mais sentido, para sair do impasse político actual, afeiçoar a doutrina social democrata aos interesses prevalecentes através de medidas de simples cosmética partidária.

Quando o PSD, a viver mais um processo de mudança de dirigentes, é atravessado pelo suave perfume da banalidade vaidosa e da arrogância potencialmente totalitária, uma, ainda que breve, reflexão sobre o sentido e actualidade da social democracia, poderá ajudar a esclarecer certas almas pias e a desafiar algumas consciências demasiado tranquilas, ou bem instaladas.
Porque é que a social democracia está moribunda e não consegue projectar-se para o futuro, sobretudo se não é crível que o (neo)liberalismo seja a panaceia que muitos desejam para os problemas do nosso tempo e muito menos do devir?

A social-democracia pode renascer?

Tendo vivenciado intensamente aqueles tempos inolvidáveis em que foi forjado o PPD à volta de homens de fé e com lastro doutrinário inequívoco fundado nos melhores autores e práticas social-democratas – e que, sublinhe-se, não viviam da política-partidária, nem precisavam dos favores do Estado tal era o seu estatuto – não vejo, na actualidade, herdeiros desses valores e princípios.

A social-democracia, em Portugal, está moribunda.

É certo que a sociedade evoluiu e o mundo é, hoje, outro, mas as injustiças, multiformes, não desapareceram e os convictos social-democratas não têm razão para renunciar à procura de alternativas ao capitalismo selvagem que marca os nossos tempos de hoje. Não é, pois, porque ainda não se alcançaram outros sistemas mais justos e humanos que se deve cruzar os braços e deixar de procurar, com afinco, algo diferente do liberalismo em crise que nos tolhe.
A social-democracia tem sentido actual. Num tempo em que os “deuses” mercado e o lucro reinam, há que encontrar outros modos de ser que sobreponham o poder da consciência ao do dinheiro, ainda que tal possa parecer reaccionário aos olhos de uns quantos refastelados num presente sem sentido nem futuro. E é preciso ver de novos sítios o “outro” que deixou de ser, em tantos e tantos aspectos, um companheiro de percurso para ser tido como uma grave ameaça ao individualismo dominante. Também o sistema do Estado-providência, outrora pujante de novas primaveras, foi-se instalando e ocupando espaços que o tornaram injusto, um “monstro cleptomaníaco” (Peter Sloterdijk) que se avoluma à custa, muitas vezes, dos mais débeis cidadãos violentados, também, por um Estado fiscal cego.

A social-democracia pode e deve renascer, apenas, porém, com social-democratas atentos aos novos tempos e doutrinariamente aberta – e com soluções – para os novos problemas do homem, tais como os relativos às condições de vida humana na terra (eco-social democracia), à educação, à cultura, à justiça e ao Direito.

Não tem mais sentido, para sair do impasse político actual, afeiçoar a doutrina social democrata aos interesses prevalecentes através de medidas de simples cosmética partidária. É urgente ir mais fundo e projectar e potenciar uma verdadeira mudança civilizacional de grande amplitude que toque, nomeadamente, nas concepções do Trabalho e de Sociedade, preservando a Terra e dando o seu devido lugar à consciência humana tão vilipendiada que ela anda. Se necessário for, há que defender, contra o plano inclinado em que nos movemos, a renúncia e a austeridade face à sociedade de pseudo abundância em que nos encontramos.

Tudo isto requer debate. Debate sério e aprofundado, competente e que rejeite soluções “chave na mão”.

Olhando à volta nada disto parece mover os pretensos herdeiros actuais da social democracia. E, assim sendo, mude o que mudar, tudo ficará na mesma – ou pior – com a doutrina social democrata cada vez mais amordaçada por ilusões e falsos protagonistas de um combate sem horizontes

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