quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A NOITE ESTÁ GRÁVIDA



Mesmo sem o sentirmos, as problemáticas e, sobretudo, as formas de governação estão sibilinamente a mudar.

Vamos sabendo o que se passa no mundo por uma comunicação social que não se ocupa senão do que é a espuma dos dias, a superfície das dinâmicas sociais, a torpeza da política caseira. Creio, também, que a generalidade dos portugueses, massacrados pela austeridade irracional – há austeridade boa e necessária! – e dominados subtilmente pelo medo que se instalou na sociedade em decomposição que é a nossa, também não quererá saber de mais nada, ou não poderá, mesmo que o quisesse.
A Crimeia, anexada por Putin, dono da nova Rússia colonial, é coisa longínqua e nada temos a ver com a geopolítica inerente a esse crime. O Afeganistão é ainda mais longe. Certo que a Síria já é mais perto, mas, isso tem a ver com o “Estado Islâmico”  (E.I.), talvez a Al-Qaeda, e diz respeito, pois, aos americanos, tal como o que se passa no Iraque. As células terroristas do E.I. que se vem instalando na Europa, nada querem connosco e não é por um punhado de jovens portugueses terem a elas aderido que não vamos dormir. De igual modo, o referendo na Escócia e o, eventual, na Catalunha não tem relevância neste hipócrito optimismo panglóssico em que vivemos anestesiados.
Vem aí dinheiro fresco da Europa comunitária, não vem? É deixar andar…
Neste engano de alma é, pois, minimizado o real “choque de civilizações” que alastra mundo fora, bem como o abismo à borda do qual a Europa (UE) se encontra, hesitante entre nacionalismos (cada vez mais poderosos) e europeísmo (cada vez menos relevante). Acresce que os Estados-nação, realidade internacional que nos habituamos a ver como estruturantes do tempo e do espaço, estão em causa cedendo perante fenómenos globais, novos. Assim, é já evidente e notório o enfraquecimento ou a relativização dos poderes estaduais e o crescente alargamento de um outro espaço vazio de normas, sem ética política e que vilipendia a dignidade humana. É a crise do Estado soberano que se anuncia e concretiza mesmo, aqui e ali.
Nada disto nos é estranho e, pelo contrário, há-de influir profundamente no nosso destino. Por isso se justificaria equacionar estas questões, colocar hipóteses de solução para o dia D. e traçar uma estratégia de defesa nacional conveniente.
Num livro recente – The Fourth Revolution, The Global Race to Reinvent the State, The Penguin Press, New York, 2014, John Micklethwait, Adrian Wooldridge mostram como mesmo sem o sentirmos, as problemáticas e, sobretudo, as formas de governação estão sibilinamente a mudar, correndo o Ocidente o risco sério de passar ao lado dessa revolução e de ficar para trás.
Que o Estado social já, em muitos casos, se tornou uma memória, ninguém o ignorará. Mas é agora, também o Estado-nação, entidade política, que está em crise acentuada.
O que o futuro nos reserva depende de tantos factores que não se poderá adivinhar. Mas poderá prospectivar-se. Talvez, nesse itinerário, o país que somos venha a ocupar, na cena internacional, um outro, decisivo papel.
Valerá a pena pensar nestas coisas.


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