Os homens têm de voltar a dar valor à sua
intrínseca capacidade de criação
contra os variados racionalismos
económico-financeiros.
A avalanche de
factos e de assuntos com que nos confrontamos no espaço público todos os dias –
ou com que, as mais das vezes, somos subliminar e seletivamente confrontados
segundo os interesses dos poderes instalados – não nos permite, muitas vezes,
obter mais que uma insignificante descrição dos mesmos. E por aí, então, nos
quedamos desprezando, geralmente, o conhecimento, indispensável, sobre como é
que, afinal, a sociedade funciona e os factos interagem. Ora nessa distinção –
descrição dos factos e conhecimento da realidade (texto, contexto e intertexto)
- e na sua implementação crítica, poderá residir a opção por outros possíveis
pelo que há que ousar acometê-la e, por aí, tentar perceber como e porquê
acontecem certas coisas e não, apenas, elencá-las ou descrevê-las. E as que
poderiam acontecer, mas não acontecem.
Sabemos que o
desemprego flagela a sociedade, que a emigração voltou a ser um drama português,
que se sucede o encerramento de serviços públicos, nomeadamente hospitais,
escolas e tribunais, que a população envelhece enquanto diminui a natalidade,
que no país avança a desertificação, litoralizando-o, despovoando-o.
Sabemos, também,
por vezes sofrendo-as no nosso quotidiano, que as desigualdades são crescentes
entre os portugueses, sendo que muitos vivem já abaixo do limiar da pobreza,
mesmo tendo um emprego (working poors).
A isto, e muito
mais, se tem chamado crise.
O futuro
apresenta-se negro e há decisões que não se podem adiar mais.
Entre a
resistência ética aos excessos dos poderes e dos interesses que, comandam a
vida e um racionalismo económico preponderante neste tempo neoliberal que
alimenta uma austeridade suicida (o que é diferente da austeridade como virtude
humana e social) haverá, decerto uma alternativa, um meio termo, um caminho
novo.
Os homens têm de
voltar a dar valor à sua intrínseca capacidade de criação contra os variados
racionalismos económico-financeiros, gordos de arrogância mas de pés de barro.
Será essa capacidade de criação que pode e “deve
permitir-nos vencer o poder arbitrário e destruidor do dinheiro bem como o
poder político absoluto” (cfr. Alain Touraine, La fin des sociétés, Seuil,
2013, p. 17).
Afigura-se-me que,
nesta nova era em que já estámos, é a criatividade que tem de ser erigida em
poder e em desfavor dos poderes maquiavélicos que medraram até agora e ainda
estão enraizados em muitos paradigmas que tristemente permanecem no nosso
quotidiano.
De muitos lados
nos chegam apelos à criatividade, como chave do futuro. Não só no que tange à
inovação – a conversão de conhecimento em valor económico ou social (COTEC) mas
para além disso. Decerto que, ligada à produção (produtos, processos organizacionais,
marketing, etc.) a inovação é um fator decisivo no presente e no futuro, tanto
quanto o é a inovação social relativa, esta, ao bem estar e ao bem viver (well
fare e well being). A criatividade há-de, porém, ir além da inovação, pois no
seu seio estão as promessas de um outro mundo assente nos escaninhos de cada
ser humano.
Empresas
criativas, cidades criativas, regiões criativas… mas, acima de tudo – e por
todas as razões – criação como meio de a humanidade de cada pessoa se construir
a si própria e aos valores que a hão-de preservar e lhe hão-de trazer
felicidade.
Nós,
portugueses, deixamos por todas as geografias a ideia de sermos “desenrascados”
e, também por isso, colhemos pelo mundo fora as boas graças dos que o não são.
Apenas diria, em jeito de conclusão, que o “desenrascanço”, na multiplicidade
das suas vertentes e utilidades, poderá ser uma forma lapidar de dizer
criatividade.
E, aí, parece
que nos consideram os melhores.
Porque não
dar-lhe valor?
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