O “Caso Bes” é um problema político imanente
à democracia de partidos e das “elites partidárias” instalados, desde 1974, nos
galhos do poder.
O mar de intrincadas e gravíssimas questões que o “Caso Bes” (a situação no
Grupo e no Banco Espírito Santo) vem revelando – ainda recentemente qualificado
pelo Financial Times como “o maior colapso financeiro da Europa” – não pode ser
desbravado sem convocar a Política para o compreender. Mas num tempo de
mentira, de corrupção e de cobardia, quer o Presidente da República, quer o
Governo, quer os partidos políticos (com exepções) têm, apenas, procurado
lançar poeira para os olhos dos portugueses enquanto, como Pilatos, lavam as
suas mãos sujas de compadrios antigos com Ricardo Salgado. Afinal, procuram
apresentar-se como púdicas donzelas, quando a sua virgindade é ressequida.
Espero que Salgado tenha, porém, ainda, uma gota de dignidade e que venha dizer
abertamente, pondo os nomes aos bois, o que foram estas últimas décadas da
democracia portuguesa dependente, até ao tutano, do capitalismo financeiro. E
vice-versa.
Não! O “Caso Bes” não é, apenas, um caso de polícia, de falta de
supervisão e regulação, de erros de governação societária ou, mesmo, decorrente
de um acirrado totalitarismo dos mercados na economia neoliberal. O “Caso Bes”
é, antes de mais, um problema político imanente à democracia de partidos e das
“elites partidárias” instalados, desde 1974, nos galhos do poder com o
objectivo de aí se perpetuarem em seu benefício próprio e exclusivo para o que
não hesitam em vender, quando conveniente, a alma ao diabo.
Dirão alguns que o que fica escrito acima é uma loucura vulgar. Quando,
porém, cair a sério, sobre todos os que pagamos impostos os custos destes dislates,
talvez os mesmos acordem para uma realidade que se vem escamoteando aos
portugueses. Será tarde, porventura, e o garrote fiscal, mais do que a fadiga
fiscal, não terá contemplações.
Honra feita a alguns que, sempre, puseram a própria vida ao serviço dos
outros e da causa pública (respublica)
a maioria dos que enveredaram pela política fizeram-no através de partidos
políticos. Ora estes nunca, entre nós, primaram pela transparência, pela
valorização do mérito, pela escolha dos mais preparados e capazes. Primeiro,
com as nacionalizações do PREC e os saneamentos selvagens desse tempo,
abriram-se as portas do Estado e da administração pública, através dos
partidos, aos amigos, aos compadres e aos familiares sem qualquer competência.
E por aí se seguiu até hoje. Depois, os “jotas” foram crescendo e, há falta de
melhor emprego, os seus pais e tutores foram-nos colocando, também, à mesa do
Estado. E foi assim que as diversas tribos partidárias se apropriaram dos
respectivos aparelhos. Destes aparelhos maquiavélicos aos lugares de poder foi
um salto de pardal para muitos. E, do poder aos negócios, o caminho era óbvio.
Dos negócios ao poder também. A endogamia espalhou-se, também, ao arco da
governação pois tornou-se necessário prever o futuro, ainda que formal, de
alternância democrática: “tu coças hoje as minhas costas e, amanhã, eu coço as
tuas”.
Os dinheiros do Estado pareciam chegar para tudo.
Até que veio a crise dos anos 2008 e seguintes e a desorientação geral
instalou-se, vindo à superfície as mais ignóbeis situações de corrupção de que
se conhecem algumas, apenas. A Justiça – o sistema de justiça – foi ou
sentiu-se interpelado pela crise e, vários dos seus agentes e actores, passaram
a intervir com maior rigor num processo que alguns criticaram (mal) de judicilização
da política. E, daí, a descaracterizar os tribunais, a esvaziá-los, a
descreditá-los parace ser o próximo itinerário dos que preferem a politização
da justiça.
Sinto muita tristeza ao ver algumas pessoas, que referenciei um dia como
leais e rectos servidores do meu país, serem agora punidos por actos e omissões
conexos com o exercício da vida política. Mas muito mais comoção e revolta
senti, muitas vezes, ao saber da condenação de um desgraçado que, num
supermercado, roubou pão ou batatas para matar a fome.
Portugal parece estar a mudar.
E, no que aqui me interessa, para melhor. Parece…
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