quarta-feira, 9 de julho de 2014

DIPLOMACIA



A política externa francesa não será exemplar vista numa perspetiva histórica e crítica. Dizer-se, porém, que o oportunismo é a “imagem de marca da diplomacia francesa no mundo” é dar um salto mortal.


Devo adiantar que tenho muito apreço pela coragem e pela lucidez do Dr. Miguel Sousa Tavares assente, nomeadamente, em quanto tem escrito sobre a vida política num país em que proliferam, nesse ramo, muitos invertebrados. O pai – que conheci enquanto deputado na Assembleia da República – era da mesma fibra, de “antes quebrar que torcer”, e foi, para muitos, um exemplo invulgar de cidadão e de político. Para mim foi.

Ao ler a sua crónica “Uma política externa que nos envergonha” na última edição do Expresso (5 julho 2014), chocou-me, porém, como poucas vezes antes, aquela sua comparação entre a “política externa de países como a Suécia ou a Noruega ou a de um país como a França, onde noções como a ética, a justiça e a verdade são substituídas por um oportunismo e uma falta de princípios de toda a ordem, que são a imagem de marca da diplomacia francesa no mundo”.

Tal comparação é, desde logo, despropositada pois não se vê justificação para introduzir uma crónica – no demais pertinente -  com tão cortante afirmação. Aberratio delicti? – acidente ou erro na narrativa que levou a resultado diferente do pretendido?

Além disso é tão vaga, tão generalista, tão a-histórica que denota ignorância de momentos axiais da política externa francesa. Quantos enraizam o muito ou pouco que são na cultura francesa, como é o meu caso, não podem sufocar um grito de revolta perante tal declaração. E também aqueles que, nos anos sessenta do passado século, foram acolhidos em França em tempo de fome de pão e de liberdade em Portugal, decerto sentirão algo semelhante. Não havia necessidade, Dr. Miguel Sousa Tavares, de ter ido por onde foi ignorando, concomitantemente, países com política externa incomparavelmente mais acintosa e oportunista e de que nós, portugueses, fomos (somos) vítimas indefesas e humilhadas. Saiba que as suas palavras ofenderam, também, muitos portugueses dos quais não tenho procuração – nem de ninguém – para falar, mas que, creia, ficaram perplexos, incrédulos face à sua categórica afirmação.

As relações entre Portugal e França são um assunto muito sério e relevante. É inútil e perigoso, pois, tomar a nuvem por Juno, sobretudo num tempo de profundo declínio da Europa e dos valores que, ainda há pouco, nos irmanavam na construção europeia. De resto – e firmando-me no demais do seu texto – creio que não temos lições a dar a ninguém!

A política externa francesa não será, longe disso, exemplar vista numa perspetiva histórica e crítica, como a não será, nessa mesma perspetiva, a de qualquer outro Estado. Daí a dizer-se, porém, que o oportunismo é a “imagem de marca da diplomacia francesa no mundo” é dar um salto mortal, sobretudo quando não se fundamenta essa conclusão e, antes, se esconde a arrogância das palavras na pobreza do conhecimento concreto.

É costume dizer-se que por detrás de uma grande resposta há sempre uma grande pergunta. Qual é a sua grande pergunta (ou questão), Dr. Miguel Sousa Tavares?

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