De país de brandos
costumes, que não mata os toiros mas apenas os farpeia cristãmente, passamos a
uma amálgama de indivíduos sem carácter para quem tudo vale e tudo tem perdão.
O vento que sopra há muito que não traz boas notícias para o país que
somos. Às vezes até apetece, mesmo, pegar no vento e fugir deste lamaçal de
intrujice e de pilhagem em que medra o poder e os seus cortesãos da finança à
economia passando por labirínticas sinecuras politico-partidárias.
O “caso” do Grupo Espírito Santo – como pode um qualquer cidadão respirar
neste nosso país sem se sentir por ele ética e politicamente asfixiado? –
configura-se, aparentemente, como mais um caso de putativa associação
criminosa. Os tribunais confirmá-lo-ão, ou não. Ou deveriam fazê-lo, mas…
Ora, ao abordar, no habitual estilo soap
opera, a crítica situação ao redor do BES, o comentador político que neste
país “lava mais branco”, foi interpelado pelo seu interlocutor no sentido de
saber “Onde está o dinheiro?” – a pergunta que muitos, pelo menos eu, queriam
ver respondida. Marcelo Rebelo de Sousa não respondeu e, até, fugiu
expressamente à questão. Esta é, porém, a grande questão de todo este imbróglio
político-financeiro a qual expressa o caos em que navega a vida pública portuguesa.
Não posso ignorar, como advogado interveniente em largas centenas de
conflitos entre instituições bancárias e seus clientes, o facto de estes terem,
num primeiro momento, sido seduzidos a consumir crédito dito a pataco. Tudo
lhes era oferecido num inconsciente processo de endividamento cujos resultados têm
vindo, desde 2008, à tona. Com a crise, instalada a austeridade (para alguns), a
banca foi sempre, porém, acarinhada no espírito do neoliberalismo reinante.
Enquanto os contratos que a envolviam com o poder político eram tidos por
intocáveis, o cidadão comum viu os seus direitos, ainda que também
contratualizados com o Estado – direito a pensões, retribuição e outros – serem
destruídos pelo Governo da Troika ou a Troika do Governo.
Após esse momento de facilitismo, a banca, em geral, trocou a sedução
pela reivindicação imoral do que alegadamente lhe pertencia e, então,
iniciou-se o calvário, muitas vezes até ao último suspiro, de quantos haviam
contraído empréstimos bancários. Insolvências sem fim e despejos sem limites
foram, e ainda são, o preço que vai sendo pago por quaisquer empréstimos
incumpridos.
Alguns banqueiros, em conúbio com interesses partidários inconfessáveis e
seus servidores ou utilizadores, são responsáveis primeiros pelo desconcerto
das finanças públicas. Muitos o sabem por experiência pessoal e, outros, por
dever de ofício, mas ninguém tem coragem de ir ao âmago dos problemas e atacar
o mal na raiz.
Se as autoridades seguissem o cherne, isto é, o itinerário dos dinheiros
confiados e desbaratados por esses políticos-banqueiros apátridas talvez muito
mais se viesse a saber sobre esta democracia folclórica em que nos debatemos
sem um destino à nossa frente, com cada vez mais folclore e menos democracia.
De país de brandos costumes, que não mata os toiros mas apenas os farpeia
cristãmente, passamos a uma amálgama de indivíduos sem carácter para quem tudo
vale e tudo tem perdão. Venham mais uns milhões da UE e tudo o mais será
esquecido.
Neste contexto é desolador, também, contemplar a passividade da Justiça.
Lenta, incompetente (subtilmente desativada pelo poder executivo), mole,
egoísta, já não é, como deveria ser, a esperança dos oprimidos.
Tudo isto é triste, tudo isto é fado!
Sem comentários:
Enviar um comentário