quarta-feira, 25 de junho de 2014

PODER, CONFLITO E PARTIDOS



Assaltadas as muralhas da cidade e distribuídos, entre os vencedores, os frutos da pilhagem,
o que restará após o saque?


Aprendemos muito com as nossas próprias experiências, sucessos e fracassos – ou deveríamos aprender – mas é inegável que, aprender à custa da experiência dos outros, é ainda mais “económico”.
Na alegre inconsciência com que, muitas vezes, levamos o dia-a-dia desvalorizamos, ou não valorizamos devidamente, alguns factos que, afinal, poderão representar pontas de um iceberg, o qual, no fundo, no fim, estrutura o nosso estar e modo de ser. O presente e o futuro.
Ao ler Pedro Norton, num elucidativo tanto quanto clarividente artigo de opinião (A arte do possível) na “Visão”, de 19 de Junho, li a vida de muitas vidas dedicadas, um ou outro dia, à acção pública – e também me olhei ao espelho. Não gostei nada dessa realidade que, afinal, sabia sem saber, ou sem ter a coragem de a expressar, apenas.
Que diz o cronista assim de tão relevante? Respigo as suas quatro principais observações: “Na política a imagem vale bem mais do que qualquer substância”; “Na política a oportunidade é tudo”; “Na política não há lealdades”; Política rima (…) com a mais fria traição”.
Se o cronista se refere, expressamente, à luta em curso pelo controlo do poder no Partido Socialista – que qualifica de “deprimente, vazia de ideias, rica em golpes e manobras”, o certo, a meu ver, é que tal é recorrente, entre nós e no mundo. Vejam-se os contornos da crise actual no partido UMP, em França… e permita-se-me lembrar, ao correr da pena, Carlos Motta Pinto e António Sousa Franco e os infernos partidários que lhes levaram as vidas.
Se vale tudo para chegar ao poder, valerá tudo para o manter. E no seu exercício, obviamente.
É assustador, então, o quadro que a política nos mostra neste tempo complexo!
Poder, conflito e política poderão, na sua interconectividade, não explicar completamente o que somos, temos e queremos, mas, num tempo de economicismo galopante e de políticas cegamente utilitaristas, o espaço de resistência ética parece esboroar-se na progressão imparável da lógica dos interesses, dos poderes, do mercado. Assaltadas as muralhas da cidade e distribuídos, entre os vencedores, os frutos da pilhagem, o que restará após o saque?
Anda por aí à solta um estranho culto da tanatofilia. Nos partidos políticos – que já andam há muito a rapar o fundo da panela para encontrar pessoal político decente e competente – há cada vez mais escândalos e menos ideias, cada vez menos ética e mais ambição.
Entramos na era dos “zombies”.
É, decerto, uma ideia de um certo monismo totalitário, aquela que defende que o conflito pode e deve ser eliminado da sociedade democrática pois, uma ordem social e política assente na dignidade humana, recusará, sempre, a uniformidade, o seguidismo, o pensamento homogéneo, único. Ao contrário, em democracia, o reconhecimento e a aceitação do conflito é uma exigência da sociedade aberta (Dahrendorf).
Mas há limites. O que se nos apresenta, hoje, no sistema político e partidário português é mais do que um grave bloqueamento dos processos democráticos – é um bloqueamento da própria democracia pelos oligarcas que detêm o poder desde Abril.
O desatino leva à perdição.
A barbárie está às portas.
E, neste contexto de exacerbada delinquência partidária, Abril despede-se lentamente.

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