quinta-feira, 26 de setembro de 2013

OS PARTIDOS POLÍTICOS NÃO PODEM SER UM LUXO DA DEMOCRACIA

O dinheiro público adstrito à atividade partidária deveria contemplar, apenas, o âmbito em que esta contribuísse para a sustentabilidade e a promoção da democracia política, económica, social e cultural.

Os cidadãos pagam cara a existência dos partidos políticos, mas estes gastam mal o que lhes é pago. Eles acham que não e querem sempre mais, mas o comum dos cidadãos, entre os quais me incluo, pensa exatamente o contrário.

Não há, é certo, democracia possível sem partidos políticos – que fique claro – mas estes não podem ser e estar na vida pública à margem de regras jurídicas exemplares e sujeitos a rigorosa accountability. Foi, de resto, também, o facto de terem medrado à rédea solta que conduziu ao desprestigio profundo em que se encontram e à crise da própria ideia de democracia representativa.

Não se deverá escamotear, também, que há democracia política muito para além dos partidos políticos. O fenómeno das candidaturas independentes às próximas eleições locais – ainda que escamoteando, por vezes, a verdade da respetiva conexão partidária – aponta para a necessidade de reflexão sobre a intervenção da sociedade civil na vida pública para além do que cabe aos partidos.

A situação portuguesa evidencia que há que mudar muitas regras no relacionamento dos partidos políticos com a sociedade e, sobretudo, na sua própria organização interna.

O regime de financiamento dos partidos políticos, seja público ou privado, não tem em conta, o modo como o dinheiro é gasto e, muito menos, um critério justo e realista na sua distribuição (a quem e, sobretudo, quanto). Na situação crítica que atravessamos neste novo milénio é, então, gritantemente inaceitável, a meu ver, o dispêndio de tanto dinheiro público para tão maus fins como são alguns daqueles que, geralmente, os partidos políticos prosseguem. Sublinho, de novo, que não pretendo, em caso algum, diabolizar os partidos políticos mas, apenas, convocar à reflexão sobre esta dificil matéria.  Trata-se de uma questão que é também de austeridade –não como sanção, ou castigo, mas de austeridade no sentido de rigor no controlo das despesas e gastos, de metanóia.

Adivinha-se o crescimento de um tempo pós institucional em que o povo voltará a fazer a roda onde os partidos hão-de dançar. Ponto é que, a tempo e horas, e não já em estado de emergência, se encontrem as melhores soluções para o futuro.

O dinheiro público adstrito à atividade partidária deveria contemplar, apenas, o âmbito em que esta contribuísse para a sustentabilidade e a promoção da democracia política, económica, social e cultural dentro de um rigoroso enquadramento legal. Deveria, nomeadamente, financiar - generosamente - o trabalho de gabinetes de estudo e a formação política – mas não, decerto, as aterradoras “Universidades de Verão” – que pouco mais são do que centros de formação profissional para um emprego dos “jotas” no Estado.

A militância partidária não pode, por si, ser a antecâmara de uma profissão “política” nem pode servir para pagar bem, em regime de outsourcing, aos gabinetes de advocacia e de consultoria, dos donos dos partidos e dos muitos intermediários que pululam no palco da promiscuidade entre o poder político e o poder financeiro, um  pé ali e outro aqui, quantas  vezes “jotas” que assentam praça como generais e fazem da vida – e ganham-na – num contínuo processo de criação de dificuldades para, depois, vender facilidades através dos canais partidários.

Os partidos políticos são o sangue da democracia representativa e outra não há no mundo global, complexo e de risco em que vivemos.

Há que ajudá-los a regenerar-se, por isso ou, com o seu fim, irá para as calendas a própria democracia. Mas eles não podem continuar fechados à sociedade. Têm que se abrir e ser transparentes, e a sociedade, encontrando motivos para rever-se neles,  também se lhes deve abrir. E não só em épocas eleitorais.

Há um cinismo trágico na democracia representativa em que temos vivido que nada augura de bom. Não será suficiente, cremos, admitir a participação de independentes, fora das organizações partidárias, nas eleições. Se os partidos políticos não arrepiarem caminho, serão as vitimas primeiras da sua própria organização e métodos. Que se cuidem e depressa.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

AS SOBRAS DE UM JANTAR E A SOLIDARIEDADE QUE FALTA

A cultura da liberdade foi uma conquista difícil e dolorosa. 
Destruí-la é muito mais fácil que foi construi-la.

Ao terminar um agradável jantar numa esplanada repleta de comensais, dei-me conta de que restavam, ainda, nas travessas, alimentos suficientes para uma outra refeição. Acontece que, ao levantar a mesa, o empregado do restaurante encavalitou pratos com restos, travessas com excessos e tudo o mais que FICARA do prazer da refeição. Amalgamou tudo, o supérfluo, o bom, e o inútil. Observei-lhe, então, que me parecia indecoroso esse tratamento uniforme e que seria conveniente aproveitar o que sobrava, imaculado, dando-lhe porventura uma utilidade solidária. Não …, não poderia ser, era proibido, replicou.

Uma vez mais se evidenciou, então, como neste tempo apocalíptico sabemos o preço de tudo, mas não conhecemos o valor de nada (cfr. Frank Ackerman e Lisa Heinzerling, Priceless, On Knowing The Price Of Everything And The Value of Nothing, The New Press, 2004).

A cultura da liberdade e do empreendedorismo, que vem já dos anos 1960 e trouxe às sociedades democráticas, é certo, grandes benfeitorias, levou, também, ao caminho da desregulamentação, da liberalização e da privatização, dinâmicas estas exponenciadas pelo ideário neo-liberal. O individualismo que se foi impondo paulatina mas radicalmente nesse contexto, também como estilo de vida – a cultura do “primeiro, eu!” – levou à situação crítica atual.

Não é só, porém, o individualismo reinante que ignora a solidariedade e o dever de partilha inscritos no destino humano. Um certo movimento higienista, com fundamentação séria e louvável – mente são em corpo são – foi entretanto desviado e engolido pelo crocodilo da economia (Cfr. Fiódor Dostoiévski, O Crocodilo, Estrofes e Versos, 2011), com o que interesses vários, difusos, puramente mercantis, vieram impor um fanatismo higienista sem limites e atingiram a vida privada de todos nós. Do tabaco ao álcool, esse fanatismo vai-se incrustando na sociedade face à passividade com que é aceite como bom.

Como em qualquer outro fanatismo – religioso, racista, ecológico ou ideológico – os fins justificam os meios e aí estão, consequentemente, proibições várias, penas fortes e fiscalidade convenientes convocados e impostos pelo novos “ayatollahs”. Sendo, alegadamente, por uma boa causa, tudo se justifica, designadamente o que deve ser, ou não, o comportamento de cada um. (…) “Ele desceu da montanha e, falando ao povo, disse: Anuncio-vos o Super-Homem, aquele que há-de dominar a terra” (Nietzsche, Assim falou Zaratustra).

A cultura da liberdade, património universal de todo o homem, foi uma conquista difícil e dolorosa, muitas vezes. Destruí-la é muito mais fácil que foi construi-la. Se o assistencialismo, que se vem instalando neste tempo em que o Estado social parece próximo do último suspiro, não é nada de bom, quando traz no bojo o austeritarismo de certos interesses, torna-se muito pior. Não é que a cultura do individualismo e da individualização seja melhor. A questão é que nesta conflitualidade se mata o Homem social e a solidariedade genuína.

As burocracias do Estado e os seus caprichos e interesses, próprios e assumidos de terceiros, não podem levar, por qualquer meio, a fins que se justifiquem socialmente.


Quem ficaria prejudicado, afinal, se aquelas sobras a que aludi no início desta crónica tivessem sido devidamente encaminhadas para alguém com fome? Ou não há fome em Portugal neste início tresloucado de um novo milénio?

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A REVISÃO CONSTITUCIONAL INCONSTITUCIONAL

A reforma do Estado não pode jamais ser reduzida a uma mera questão financeira ou de preço de qualquer serviço.

Não será preciso ser especialista em Direito Constitucional para se perceber que o poder político instalado está a tentar levar a cabo uma revisão da Constituição da República Portuguesa através de meios inconstitucionais. As sucessivas declarações de inconstitucionalidade pronunciadas pelo Tribunal Constitucional evidenciam-no à saciedade.

Uma Constituição nunca é perfeita, nem será definitiva. Cada geração tem, de resto, legitimidade para, através dela, traçar o destino que pretende que seja o seu. Há, porém, direitos e deveres constitucionalmente consagrados que decorrem de princípios que não poderão ser postos em causa sem hipotecar a dimensão humana de cada um de nós e as maiores conquistas civilizacionais do nosso tempo.

Defendo a necessidade e a urgência de revisão da nossa Constituição em múltiplos aspetos à cabeça dos quais coloco o tema das funções do Estado e o da sua consequente reorganização, mas não gostaria que essa revisão acontecesse no braseiro de uma qualquer revolução. Creio, porém, que é para aí que estamos a caminhar.

O artigo 284º da nossa Constituição determina a competência e o tempo da sua revisão e o artigo 288º os limites materiais do seu possível âmbito. O poder dos não eleitos – e de outros, eleitos mas ao serviço daqueles – parece, porém, não obedecer a quaisquer limites nem fronteiras, com o que a tese da revisão revolucionária ganha, cada vez mais, possibilidade de acontecer. Também pelo lado dos excluídos da dignidade de viver (e de morrer, até) a “revisão” revolucionária pode deflagrar (quem já não tem nada a perder…) a todo o tempo. Se algum ensinamento da história tem aqui acutilância, parece que poucas dúvidas deverão entorpecer o necessário, mas fora de moda, patriotismo.

Quando quem manda e comanda sabe o preço de tudo, mas não conhece o valor de nada, todos os caminhos servem para chegar onde lhes interessa. A reforma do Estado – urgente como já referi – não pode jamais ser reduzida a uma mera questão financeira ou de preço de qualquer serviço, seja no Ensino, na Saúde ou em qualquer outra área. Mas a tal tem sido limitada por uns quantos políticos que mais não sabem que subtrair (para os outros), somar (pare eles), dividir (para reinar) e multiplicar (para os amigos). Reformar o Estado implica muito saber (ideológico, doutrinal, jurídico, sociológico…) e muito trabalho, sobretudo muito trabalho.

Não vejo nas instâncias do poder atual quem o saiba ou o queira fazer. Aliás o Dr. Paulo Portas, porventura o menos mau num governo mais que frágil, já deveria ter cumprido, há muito, a sua promessa de apresentar o pertinente projeto sobretudo agora que é quem manda no Governo. Não o fez e, creio, nunca o fará. E ele sabe bem porquê, tal como Passos Coelho e a sua idêntica promessa.


Na impossibilidade de uma revisão constitucional segundo os princípios democráticos previstos na própria Constituição, pretendem alguns fazer, hoje, avançar uma revisão de fato (oculta) das normas constitucionais de que não gostam, ou que não convém ao seu projeto neoliberal travestido de dívida pública, défice, etc. A questão é, então, a de perceber e explicar que se os direitos, em tempos de necessidade, têm de ser comprimidos ou suspensos o pertinente critério tem de ser igual para todos (princípio da igualdade). E há que ponderar, também, se não haverá direitos – como os Direitos humanos – que, de modo algum, poderão ser violados, custe o que custar, em tempo algum. É evidente que a resposta só poderá ser afirmativa. Ponto é que os interesses e a ganância de alguns o não considere e, antes, continue a sugar sem escrúpulos, a vida de muitos.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

O MÊS DE AGOSTO

“a vida é a passagem do espírito pela matéria”

Por razões tão difusas que nem as consigo verbalizar, tenho a crença de que em agosto acontecem, todos os anos, calamidades e tragédias. E lembro, para me justificar, desde logo, o incêndio no Chiado, (e tantos outros pelo país fora) mas, também, inúmeros outros factos, como acidentes graves e mortes, anunciadas ou não. Possivelmente é o ritmo de vida que, mais lento nesse mês, me permite olhar detidamente, então, para o “mundo da vida”, pois durante o ano é a política de mercearia que me obriga a consumir sempre que oiço os media a vender notícias que me ocupam e preocupam. É, na verdade, uma arte a do mensageiro (media) que nos leva a consumir tanta inútil obscenidade! E, a propósito, aqui deixo uma sugestão a respeito dos fogos: que as televisões acordem em se interditar de dar aos espetadores a mínima imagem de fogos florestais. Já todos sabemos, há muito, que o país está a arder e, com chamas nas televisões a toda a hora, haverá muitos incendiários a sentir-se espevitados para mais uma ignição.

Adiante.

Sensibilizou-me, nos dias mais recentes, este ano, o óbito de Jacques Vergès. Também o de Urbano Tavares Rodrigues e o de António Borges. Sem angústias ou medos – “a vida é a passagem do espírito pela matéria” (Fernando Pessoa) sempre a caminho do retorno à Natureza – olhei apenas para o que representaram para mim estes homens que, mais ou menos, conheci em vida.

O que, no transe, é de relevar, não passa por lembra-los numa elogiosa biografia ou hagiografia, mas focar-me nos valores pelos quais os referenciei um dia, os acompanhei depois, e não os esquecerei jamais. Não que me identifique passivamente com os seus valores, mas porque, sobretudo, os deles confrontaram-se com os meus, porventura na busca intemporal da verdade.

Jacques Vergès, que faleceu em Paris no passado dia 15 de agosto, foi um advogado que ficou ligado a causas apocalípticas, nomeadamente ao defender alguns ditos grandes criminosos, tais como Klaus Barbie, conhecido criminoso nazi ou Pol Pot, líder dos Khmers Vermelhos no Cambodja. Advogado, como ele, confesso que sempre me inquietou na minha vida profissional ter de defender situações consideradas, à partida, escabrosas. De resto tive, muitas vezes de responder à fatídica pergunta: “E tu defendeste esse criminoso?” Ancorei-me sempre numa frase do António José Saraiva, Filhos de Nepturno: “Cada homem é um deus aprisionado num corpo”. E, assim, posso afirmar que defendi muitas vezes o Homem que vestia de criminoso. Como homem (como eu) sujeito a errar e com direito à sua verdade e ao eventual arrependimento. Sei, também, que outros que não defendi, grandes criminosos, andam por aí de Ferrari, frequentam os mais caros restaurantes e continuam no palco político e social. Mas deles não se fala…

Vergés foi ousado mas, sobretudo, terá percebido que “há mais coisas no céu e na terra” do que alguns pensam.

Urbano Tavares Rodrigues, um “malvado” comunista, deu-me longas horas de prazer através da leitura das suas obras. Nelas encontrei a fraternidade simples que só os escolhidos sabem cultivar. Escreveu sobre todos os homens e sobre o Homem todo. De ontem, de hoje, de amanhã.

António Borges, falecido em Lisboa no dia 25 de agosto representa um caso diferente – aparentemente diferente – nos escaninhos da transitoriedade humana. Desde que, um dia, no ano de 2005, me confrontei com ele num debate, num hotel do Porto, em tempos de uma ilusão politico-partidária que o parecia motivar, fiquei alerta para as consequências de um certo liberalismo desgarrado da realidade portuguesa. Muito longe do seu ideário, julgo que o que mais me levou a admirá-lo foi o seu permanente combate em prol das suas ideias. Ele julgava-as justas e por elas lutou sempre, até ao fim. Só por isso me curvo perante a sua memória.


A vida continua. Os exemplos não se esquecem.