quarta-feira, 3 de abril de 2013

VOTE NO TIRIRICA, PIOR DO QUE ESTÁ NÃO FICA


A governança, soberanamente indiferente à expressão da indignação popular – até quando? – continua a governar com base em números, alheada da Lei e das pessoas.


Veio-me à memória, por estes dias, o Tiririca que se tornou deputado federal pelo Estado de S. Paulo, no Brasil, em 2013, com o slogan que encima esta crónica. Poderia lembrar, também, o caso, mais recente, de Beppe Grilo, em Itália, (que não se afasta muito do de Berlusconi) e o do “nosso” madeirense José Manuel Coelho entre outros. Todos exprimem, cada um a seu modo, a degradação dos sistemas político partidários tradicionais em que os cidadãos já não se vêm representados e, decerto, exprimem ainda a indignação que se enraíza na sociedade contra os mesmos sistemas.

O voto nesses candidatos – que inscrevem a sua eleição nos parâmetros legais democráticos – são mensagens de desconfiança que visam os políticos que tomaram, há muito, de assalto as instituições. São votos de indignação contra as políticas dos partidos pretensamente “sérios” do regime e, no fim, votos antipolítica. Pouco relevo lhes tem sido dado pelos cientistas sociais mas justificam análises aprofundadas. Desde logo pelo perigo que constitui a ocupação dos Parlamentos por gente vazia de ideias concretas, sem preparação ideológica e doutrinal (mas nisso pouco diferem dos outros, que já lá estão, tidos por “normais”) que não sabem, apesar de voluntaristas, o que realmente querem. Ou que querem apenas destruir a classe política reinante. Depois, porque enraízam em profundos paradoxos que crescem aceleradamente nas sociedades e que se têm revelado em múltiplas manifestações no espaço público com características antes irrelevantes: reunindo muitos milhares de pessoas, cada vez mais, não manifestam, a não ser na indignação, um objetivo comum. Na verdade juntam-se a protestar os que reivindicam do Estado proteção social, saúde, ensino (mais despesa, portanto) e aqueles que repudiam os “cortes” nessas despesas, ou seja, aumento de impostos (menos receitas do Estado).

A governança, soberanamente indiferente à expressão da indignação popular – até quando? – continua, por seu lado, a governar com base em números, alheada da Lei e das pessoas.

No contexto singelamente assinalado acima, encontram-se já os ingredientes para que, um dia destes, tenhamos de engolir uma sopa de pedra muito amarga.

Admitindo que a realidade sócio-política não foge ao que se vêm de dizer, parece inacreditável, por paradoxal, também, que as sondagens que vêm saindo a terreiro apontem ainda para o apoio de uma significativa parte do eleitorado aos partidos que estão a levar tantos à indignação e o país à depressão. Mas talvez não seja assim tão incongruente. É que, na verdade, há, neste tempo de crise, os que as sofrem porque foram escolhidos ideologicamente como seus destinatários e os outros para quem a crise passa ao lado das suas vidas e dos seus pecúlios devidamente acautelados. Ora se forem estes os que ditam os resultados das sondagens é natural que tudo esteja bem, o governo seja magnifico e a austeridade adequada…

A austeridade enquanto punição não vem na Bíblia. É uma construção do homem austeritário, contra outros homens.

Desde finais da primeira década dos anos 2000 o panorama é, um pouco por todo o Ocidente, particularmente dramático perante o imparável desígnio de certos poderes de sugar a vida à vida de quem trabalha numa estratégia em que ressaltam procedimentos eminentemente biopolíticos expressos, designadamente, na desvalorização do trabalho em todas as suas dimensões. Empobrecer é o caminho imposto às pessoas, às famílias e às instituições – cortes na retribuição do trabalho, nas prestações sociais, aumento da carga fiscal – mas não só. Mais tempo de trabalho, maior subordinação dos trabalhadores, mais precariedade, menos segurança, menos higiene e saúde no trabalho, avultam, também, entre as regras, impostas por uma alegadamente necessária austeridade que culmina na exclusão social e destroça a própria vida. A “fadiga laboral” instalou-se sendo que a suportabilidade das condições do trabalho material foi ultrapassada e é, agora, à própria vida dos trabalhadores, ao seu ser imaterial, que os poderes recorrem extorquindo-lhes o pouco que ainda resta. Do outro lado da barricada tudo vai bem…

Vote no Tiririca, pior do que está não fica

Sem comentários: