quinta-feira, 11 de abril de 2013

PASSOS COELHO PÔS EM CAUSA O REGULAR FUNCIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS


O sonho de muitos seria o de um Direito submisso à economia e à finança – aomercado livre, rei e senhor de tudo e de todos.

De modo ingénuo e gratuito, Passos Coelho, na condição de primeiro ministro de Portugal, pôs em causa o regular funcionamento das instituições democráticas ao pronunciar-se sobre o Acórdão do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucionais várias normas do O.E. 2013.

Um estadista diria, quando muito: não concordo, mas respeito – porque perceberia, de antemão, as ondas que quaisquer outras palavras provocariam no espaço público (como provocaram). E foi um ato gratuito porque o Governo (ainda) não manda no Tribunal Constitucional e, por isso, não teve consequências sobre as decisões deste tribunal.

A política, como ideologia e combate, terá vencido, mas a arte de fazer política ficou para trás. E em tempos de crise é, porventura, o que mais falta faz.

Há que reconhecer, porém, que o Governo mantém a coerência da sua estratégia à qual, expressivamente, Vítor Gaspar, o governante da tabuada, veio trazer os pertinentes “esclarecimentos” com o inefável despacho onde proíbe novas, várias despesas do Estado sem sua autorização prévia. Vale a pena atentar nestas importantes afirmações: “a) Que cada ministério se compromete a limitar e a organizar os seus serviços dentro da verba global que lhes seja atribuída pelo Ministério das Finanças; b) Que as medidas tomadas pelos vários ministérios, com repercussão directa nas receitas ou despesas do Estado, serão previamente discutidas e ajustadas com o Ministério das Finanças; c) Que o Ministério das Finanças pode opor o seu «veto» a todos os aumentos de despesa corrente ou ordinária, e às despesas de fomento para que se não realizem as operações de crédito indispensáveis; (…)”.

É evidente que assoma aqui a tentação de um certo determinismo económico e jurídico. A crise financeira justificaria tudo e os governantes não teriam limites jurídicos (constitucionais) a respeitar na sua ação. Ora é preciso que a sociedade civil, para não ficar sem o que ainda resta do princípio democrático em Portugal, resista a este determinismo. O sonho de muitos – no Governo, na banca, nas empresas – seria o de um Direito submisso à economia e à finança – ao mercado livre, rei e senhor de tudo e de todos. E, também, de um Tribunal Constitucional situado ao nível dos partidos políticos e dialogando com os seus interesses. Felizmente que tal (ainda) não aconteceu e o Tribunal Constitucional esclarecidamente afirmou a sua independência e o vigor conveniente à defesa da nossa Constituição. Mesmo que o merecimento do dito acórdão (200 páginas, Professor Marcelo!) deixasse a desejar aqui ou ali, jamais deveria ser vilipendiado como o foi pelo PSD (o CDS/PP onde anda? Alguém o viu por aí?).

Temos Estado de Direito, pois, para além da dívida e do défice.

O que ficou em crise foi, sem dúvida, o regular funcionamento das instituições democráticas. Nesta situação caberia ao Presidente da República, nos termos do artigo 195º nº 2 da Constituição demitir o Governo. Mas o que significa “regular funcionamento das instituições democráticas”? Decerto que não interesses pessoais ou partidários, mas situações, contingências ou acontecimentos em sentido jurídico-constitucional graves (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 4ª ed., II, p. 464 ss.). Estes autores, entre os exemplos que apontam, não se referem ao conflito entre o Governo e o Tribunal Constitucional. Talvez não o admitissem possível em regime democrático… Certo é, porém, que o que se passou e foi dito pelo Governo, antes e depois do conhecimento do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 187/2013, é um mau prenuncio para o futuro, designadamente para a independência – e tudo o que ela significa em democracia – de um Tribunal Constitucional.

P.S.: Já concluída esta crónica, verifiquei que as afirmações que acima referi, pretensamente do atual Ministro das Finanças, são, afinal, do Doutor Oliveira Salazar (ver Diário de Notícias de 28 de abril 1928) naquele célebre discurso em que esclareceu: “Sei muito bem o que quero e para onde vou”. Não indo já a tempo de corrigir o texto, deixo ao leitor o cuidado de encontrar as diferenças…

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