quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O REGRESSO DOS PARTIDOS


Que objetivos políticos ficaram, desta garraiada e de que modo irão os partidos políticos agir no futuro?


Lá terminaram as eleições presidenciais – tanta parra e tão pouca uva! – e nada ficou resolvido ou, sequer, encaminhado. A crise, ou crises, permanecem e nenhum horizonte se abriu para se descolar deste impasse em que vegetamos. Teremos mais do mesmo do lado presidencial e mais cobiça ainda pelo poder do lado dos que se situam no âmbito do presidente eleito.

Para Portugal, nada de novo, porém, salvo o prenúncio de nova conflitualidade institucional ínsita no discurso do vencedor, pejado de ressentimento e de veladas ameaças.

Seria, todavia, um bom momento para se refletir profundamente sobre a ineficácia e a impopularidade da democracia que nos envolve e sobre os partidos que pretendem ser o seu fulcro, mas, tantas vezes, não serão mais do que o seu coveiro. Sublinho, no transe, que até o Presidente eleito votou ao maior ostracismo os partidos políticos, embora estes se lhe agarrassem às saias como crianças famintas à volta da mãe.

No mais, convirá não esquecer: quase 54% dos eleitores não acorreram às urnas para expressar o seu voto e, dos que o fizeram, quase 280 mil manifestaram-se através de votos nulos ou brancos! O candidato eleito foi-o com menos votos, portanto, do que aqueles que correspondem à abstenção. Decerto que, por aqui, se pode deduzir “o sentido de responsabilidade do povo” no dizer do novo presidente quando celebrava a vitória. Talvez, porém, a leitura correta deva ser outra, que não a que se lhe quis dar…

Adiante, que faz tarde, porém.

Que objetivos políticos novos – e que estratégias para os alcançar – ficaram, então, desta garraiada que, sobretudo, encheu de gozo e lucro os que vendem notícias (e “coisas” semelhantes, sobretudo) e de que modo irão os partidos políticos agir no futuro? Para além de uma óbvia intenção de derrubar o atual Governo, o que é que as oposições pretendem verdadeiramente concretizar – o que é que pode e deve mudar, em que sentido e com que custo?

Como as respostas a tão fortes perguntas não cabem no espaço circunscrito de uma singela crónica, deixo, apenas, aqui, frágeis notas de passagem apelando à lucidez criativa de quem as leia na certeza de que aos vários temas voltarei um dia.

Não está em causa que, no estado atual do pensamento político, a importância dos partidos, nas modernas democracias, é indiscutível mesmo tendo em conta que falamos de realidades ou fenómenos políticos jovens, ainda imaturos em certo sentido ou, parafraseando Adriano Moreira no seu saber profundo, de coisas que “não vêm na Bíblia”. E não é, sequer, da natureza jurídica dos partidos políticos que cuido, tema de grande importância, porém, no âmbito da Ciência Política. Refiro-me a questões mais modestas, como a da democracia interna nos mesmos.

No Ocidente – e, em particular, em Portugal – mais do que a democracia é confrangedoramente relevante, na vida pública, a partidocracia, como doença dos Estados organizados em partidos e que resulta de estes terem deixado de ser sujeitos importantes, mesmo imprescindíveis, das democracias modernas para se tornarem em potenciais, reais mesmo, tiranos que ao povo retiram o poder que legitimamente lhe pertence. É inegável que é nos escaninhos dos partidos que são tomadas muitas decisões que constitucionalmente caberiam a órgãos e instituições do Estado. A confusão entre poderes e competências destes e dos partidos é dramática e todos conhecem, sem dúvida, casos e casos que o demonstram. Tal situação agrava-se, porém, com a alegada falta de democracia interna no seio dos partidos políticos e que, militantes ou meros simpatizantes dos mesmos, só não vêem quando, ou porque não querem.

Ora tudo isto afasta a Sociedade do Estado ou, em termos mais banais, os políticos dos cidadãos, com gravíssimas e incalculáveis consequências presentes e, sobretudo, para o futuro da democracia.
É preciso pensar os partidos políticos. Reformá-los e democratizá-los. Também responsabilizá-los e mais do que com os votos, ou a falta deles. Os partidos e os seus “donos”, mas é, sobretudo, necessidade premente que eles cumpram a sua missão principal, constitucional; concorrer para a formação da vontade nacional e, assim, tornar efetiva a soberania popular.

As ambições presentes nos ditos “barões” partidários não parece ter nada a ver com isso.

Pior para eles.

Pobres de nós.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

DE CRISE EM CRISE


Hoje, mais que outrora, é necessário reivindicar, de novo, os mais
elementares direitos de cidadania.

A “crise” tornou-se num tema incontornável em toda a comunicação social e, também, na sociedade, em geral, abafada, apenas, pelo assassinato de um homossexual, lá para as bandas de Nova York, e cujo sucesso foi o orgasmo final de muitos incautos e deprimidos deste povo “cujo rosto / Às vezes luminoso / E outras vezes tosco / Ora me lembra escravos / Ora me lembra reis (Sophia de Melo Breyner Andersen, Esta Gente). Dela, crise, já se disse tudo e o seu contrário, já se previu o fim e o seu retorno em moldes ainda mais gravosos. E, com tanta profusão de idiotices, – e algumas verdades, decerto, – já ninguém saberá o que é “crise” e o que não o é.

Em tal avalanche narrativa, se algo é certo é que ainda está para surgir uma voz que interprete as tendências que trespassam dolorosamente os nossos dias e ilumine os dramas e os sonhos que são os nossos. Mas aí estamos noutra crise, porventura mais grave e profunda, que é a crise dos sistemas políticos vigentes, em que se assiste, ao contrário do propalado “fim da História”, depois da queda do comunismo, à rejeição popular crescente da democracia que nos é servida por políticos de feira, oportunistas e hipócritas que nos roubam o couro e o cabelo e nos destroem os mais legítimos sonhos, enquanto se deleitam na sua “Corte”.

Portugal, como outros países europeus, está atualmente à mercê de um conjunto de especuladores financeiros sem rosto (chamam-lhes “mercados”) com laços estreitos com bancos, também nacionais, cujo único objetivo é o lucro, a ganância do dinheiro, tudo sem cuidar das consequências humanas dos seus atos. E se, hoje, o seu alvo preferido são alguns países europeus, não poderemos esquecer que, para trás, já deixaram fome, miséria e exploração um pouco por todo o mundo – lembre-se, apenas, que um sexto da população mundial vive com menos de 77 cêntimos por dia!

É isto, ou para isto, que serve a democracia?

E qual é, neste contexto, o sentido e o alcance que ainda poderemos colher das várias declarações e princípios de nobres organizações internacionais sobre direitos humanos?... A Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Social e Culturais, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e tantas outras de que o mundo individualista em que vivemos vem fazendo letra morta?

Enquanto nos satisfizermos nesta “Era do vazio” (Gilles Lipovetsky) que carateriza o nosso viver moderno na mais ignóbil inconsciência face aos dramas dos outros, - e que estão cada vez mais à nossa porta – não deixaremos de ser patéticos serviçais dos ditos “mercados” e autómatos contribuintes para o seu desmesurado poderio e louca ganância. Tudo num calvário sem fim à vista.

Não poderemos esquecer, também, que as crises financeiras e económicas são geralmente aproveitadas para desenvolver e institucionalizar processos de desmantelamento de conquistas da humanidade, sociais e civilizacionais, tantas vezes conseguidas com profundo sacrifício por gerações de idealistas generosos. Trazem no bojo, irremediavelmente, um aumento de desigualdades sociais, o definhamento de políticas públicas (educação, saúde, proteção social), e o empobrecimento cívico.

Urge, porém, opor, ao lado negro das finanças e dos “mercados” o culto intransigente dos direitos do Homem.

Hoje, mais que outrora, é necessário reivindicar, de novo, os mais elementares direitos de cidadania, o reconhecimento e a proteção dos direitos essenciais de toda a pessoa. O direito à indignação terá de nos fazer sair do conforto dos nossos egoísmos e clamar contra o caos instalado. Os “mercados”, os “reguladores”, os “défices”, a “dívida pública” são importantes problemas a resolver, mas o Homem é quem tem de assumir a centralidade da vida. Se assim não for estará a ser roubado o nosso direito a uma existência decente.

Há limites para tudo!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

À DERIVA


Portugal caminha na senda de um Estado falhado correndo o risco de se desmoronar.

Vai tão forte e farto o barulho político-partidário em Portugal, apesar, ou sobretudo, por virtude do período eleitoral relativo às eleições presidenciais, que muitos, cada vez mais portugueses, estão a ficar surdos. Dito de outro modo, a relativização de tudo, de todos os valores, ideias e comportamentos, vai-nos deixando sem referências.

A campanha presidencial, de resto, tem evidenciado o deserto intelectual e, nomeadamente, político-ideológico dos programas dos pretensos líderes que, para agradar a gregos e a troianos, dizem e desdizem tudo e mais alguma coisa, contradizem-se em meia dúzia, apenas, de palavras e, a plenos pulmões, gritam o seu desnorte guiados pela mera ganância de votos.

Quem poderá, assim, votar lúcida e esclarecidamente um qualquer projeto neste contexto medíocre, pobre, banal? E votar no ego dos candidatos não parece ser o melhor caminho…

Não se ignora que a política está a ser substituída pelos mercados – e as suas forças e fenómenos obscuros – como instâncias privilegiadas de tomada das decisões que a todos nós respeitam. E é assim que a chegada próxima do F.M.I. a Portugal já nada terá a ver com as nossas opções, ou a nossa vontade, ou a nossa estratégia para o futuro.

O tempo é de mercadorização.

A cidadania esbraceja em estado de letargia.

O minimalismo é um projeto global que serve, apenas, os interesses e a segurança dos investimentos internacionais e dos movimentos financeiros à escala planetária. E, nisto, Portugal já não conta para nada.

Neste contexto, num país pobre e à deriva, o que vai marcando os dias de muitos é maior incompreensão face ao que é dito – e ao que não é dito – pelos que se ocupam profissionalmente da vida pública na ilusória democracia em que, dizem, vivemos. Quando, na verdade, só poderiam prometer sangue, suor e lágrimas, como um dia, em tempo crítico, disse Churchill: “só tenho para oferecer sangue, sofrimento, suor e lágrimas”, o que se passa é que continuam com os pés noutro mundo, noutra realidade, prometendo o que sabem não poder cumprir, ou oferecendo o que, afinal, não é deles.

O confronto de ideias e o contraditório na política são bens inestimáveis. Mas é preciso, primeiro, ter ideias para apresentar e debater e, depois, ter a superioridade ética e republicana para sobre elas discorrer com elevação e de modo a tornar claras e compreensíveis as pertinentes mensagens.

Portugal caminha na senda de um Estado falhado correndo o risco de se desmoronar, enquanto uma certa música balofa continua a fazer-se ouvir – tal como no convés do Titanic – alheia ao naufrágio provável. Poderá ser exagerada tal qualificação, se tomada em sentido estrito, mas é inegável que, quando mais de dois milhões de portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza, a classe média vai desaparecendo capturada pela crise que atravessamos, a emigração, sobretudo de jovens, cresce todos os dias em busca de uma vida digna noutras paragens fugindo ao desemprego e, até, à fome, quando tudo isso acontece, é inequívoco que o Estado falhou. E não é só ao atual Governo que tal situação poderá ser imputada – é, seguramente, também, da responsabilidade de governos anteriores e do comportamento do supremo magistrado da nação, o Presidente da República, que, no nosso sistema constitucional, não se pode confinar a ser uma figura do tipo “rainha de Inglaterra”.

À maioria dos portugueses já não interessa, sequer, saber quem vai ser o novo Presidente da República. Importante será saber, isso sim, até onde irá a retração do Estado social e a perda de direitos que constituíam o seu anterior estatuto social. A alguns interessará saber, também, quando passaremos a ser governados pelo F. M. I., ou pela Alemanha, bem como, a outros, para onde emigrar a curto prazo.

É impressionante verificar a situação a que chegamos em pouco mais de trinta anos de democracia: os da política, no seu folclore, vivem num mundo aparte do povo e, este, não se revê minimamente naqueles.

Obviamente que esta situação não pode acabar bem.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O POLVO BPN


Às vezes há silêncios muito comprometedores…

O BPN é, na sua essência, uma criação do PSD sendo que essa insana criatura envolveu nomes muito sonantes deste partido e, mais ainda, dos seus apoiantes e, também, de alguns dos habituais oportunistas da praça que estão sempre do lado dos poderes, sejam eles quais forem.

Cavaco Silva não precisa de “nascer duas vezes” para ser correlacionado, também, com alguns dos atos e fatos de alguns dos seus “ajudantes” nos vários governos a que presidiu e no partido que durante mais de uma década dirigiu. Nas suas altas funções não poderia (nem pode) escolher ficar com o que lhe interessa e repudiar o desagradável. E estou certo que a sua superioridade moral não lho consente apesar de, na política, a verdade ser um poliedro. Nós somos, todos, de algum modo, sempre, responsáveis por quem elegemos para junto de nós, a quem damos responsabilidades e abrimos as portas do futuro, nomeadamente nos negócios. Não irei ao ponto de chamar aqui a depor o dito popular de que “quem cala consente”, porque, na verdade quem cala não diz nada. Mas às vezes há silêncios muito comprometedores…

Acontece, também, que o BPN não é uma criatura qualquer, desenraizada da política e, sobretudo, independente de uma constelação de negócios, empresas e interesses politico-privados sem conta. Desde logo nada seria sem a holding que o abrigava, a SLN, veículo de negócios do polvo que tudo isso constituía. Ora muito me surpreende que o BPN tenha sido nacionalizado – isto é, os prejuízos – e que aquela holding continue, embora com outro nome!, a passar completamente ao lado da tragédia que o BPN fez explodir nas finanças públicas e, logo, nos bolsos de todos os contribuintes.

Sou jurista e sou contribuinte pelo que o que se me apresenta aos olhos não me deixa indiferente, até porque vou, também, ter de pagar o custo do díscalabro do BPN sem nada receber dos lucros da SLN. E, aqui, há (diz-se) muito dinheiro, muito património, muita negociata escondida e, sobretudo, acionistas a apodrecer de ricos com um passado pouco lisonjeiro, tudo consagrado por uma incompreensível desconsideração juridica de que estamos perante um grupo económico.

Cavaco que, modestamente, sempre se apresentou como alguém que nunca se engana e raramente tem dúvidas, talvez não tenha reparado que os milhafres são os mesmos na holding e no banco e, outros, com poderes governativos e de regulação terão esquecido, também, esse fato.
Ou não lhes convém abordá-lo neste tipo triste de endogamia em que sobrevivem os políticos.

O buraco sem fundo que um bando de oportunistas, disfarçados de banqueiros e de empresários de elite, gerou nas finanças públicas merecia uma posição firme de todos os que não vivem à sombra dos conúbios partidários.

Em primeiro lugar de Cavaco Silva.

Mas isso não seria suficiente. É que não se compreende que quem detem o poder político e, alegadamente, se pretende impoluto e se diz paladino na luta contra a corrupção não dê um passo em frente e reclame a nacionalização da ex-SLN. Assim, o dito buraco do BPN poderia ser, ao menos parcialmente, tapado com o pelo do mesmo cão.

Coragem, senhores da política!

E para terminar, neste contexto e no início de um novo ano, deixo o registo de um pensamento do Prof. Ernâni Lopes, recentemente falecido, mas que jamais será esquecido:

Onde está: Substituir por:

Facilitismo - Exigência

Vulgaridade - Excelência

Moleza - Dureza

Golpada - Seriedade

Videirismo - Honra

Ignorância - Conhecimento

Mandriice - Trabalho

Aldrabice - Honestidade

Para recordar. Para recordarmos todos os dias. Para construir um novo