quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

DE CRISE EM CRISE


Hoje, mais que outrora, é necessário reivindicar, de novo, os mais
elementares direitos de cidadania.

A “crise” tornou-se num tema incontornável em toda a comunicação social e, também, na sociedade, em geral, abafada, apenas, pelo assassinato de um homossexual, lá para as bandas de Nova York, e cujo sucesso foi o orgasmo final de muitos incautos e deprimidos deste povo “cujo rosto / Às vezes luminoso / E outras vezes tosco / Ora me lembra escravos / Ora me lembra reis (Sophia de Melo Breyner Andersen, Esta Gente). Dela, crise, já se disse tudo e o seu contrário, já se previu o fim e o seu retorno em moldes ainda mais gravosos. E, com tanta profusão de idiotices, – e algumas verdades, decerto, – já ninguém saberá o que é “crise” e o que não o é.

Em tal avalanche narrativa, se algo é certo é que ainda está para surgir uma voz que interprete as tendências que trespassam dolorosamente os nossos dias e ilumine os dramas e os sonhos que são os nossos. Mas aí estamos noutra crise, porventura mais grave e profunda, que é a crise dos sistemas políticos vigentes, em que se assiste, ao contrário do propalado “fim da História”, depois da queda do comunismo, à rejeição popular crescente da democracia que nos é servida por políticos de feira, oportunistas e hipócritas que nos roubam o couro e o cabelo e nos destroem os mais legítimos sonhos, enquanto se deleitam na sua “Corte”.

Portugal, como outros países europeus, está atualmente à mercê de um conjunto de especuladores financeiros sem rosto (chamam-lhes “mercados”) com laços estreitos com bancos, também nacionais, cujo único objetivo é o lucro, a ganância do dinheiro, tudo sem cuidar das consequências humanas dos seus atos. E se, hoje, o seu alvo preferido são alguns países europeus, não poderemos esquecer que, para trás, já deixaram fome, miséria e exploração um pouco por todo o mundo – lembre-se, apenas, que um sexto da população mundial vive com menos de 77 cêntimos por dia!

É isto, ou para isto, que serve a democracia?

E qual é, neste contexto, o sentido e o alcance que ainda poderemos colher das várias declarações e princípios de nobres organizações internacionais sobre direitos humanos?... A Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Social e Culturais, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e tantas outras de que o mundo individualista em que vivemos vem fazendo letra morta?

Enquanto nos satisfizermos nesta “Era do vazio” (Gilles Lipovetsky) que carateriza o nosso viver moderno na mais ignóbil inconsciência face aos dramas dos outros, - e que estão cada vez mais à nossa porta – não deixaremos de ser patéticos serviçais dos ditos “mercados” e autómatos contribuintes para o seu desmesurado poderio e louca ganância. Tudo num calvário sem fim à vista.

Não poderemos esquecer, também, que as crises financeiras e económicas são geralmente aproveitadas para desenvolver e institucionalizar processos de desmantelamento de conquistas da humanidade, sociais e civilizacionais, tantas vezes conseguidas com profundo sacrifício por gerações de idealistas generosos. Trazem no bojo, irremediavelmente, um aumento de desigualdades sociais, o definhamento de políticas públicas (educação, saúde, proteção social), e o empobrecimento cívico.

Urge, porém, opor, ao lado negro das finanças e dos “mercados” o culto intransigente dos direitos do Homem.

Hoje, mais que outrora, é necessário reivindicar, de novo, os mais elementares direitos de cidadania, o reconhecimento e a proteção dos direitos essenciais de toda a pessoa. O direito à indignação terá de nos fazer sair do conforto dos nossos egoísmos e clamar contra o caos instalado. Os “mercados”, os “reguladores”, os “défices”, a “dívida pública” são importantes problemas a resolver, mas o Homem é quem tem de assumir a centralidade da vida. Se assim não for estará a ser roubado o nosso direito a uma existência decente.

Há limites para tudo!

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