quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

À DERIVA


Portugal caminha na senda de um Estado falhado correndo o risco de se desmoronar.

Vai tão forte e farto o barulho político-partidário em Portugal, apesar, ou sobretudo, por virtude do período eleitoral relativo às eleições presidenciais, que muitos, cada vez mais portugueses, estão a ficar surdos. Dito de outro modo, a relativização de tudo, de todos os valores, ideias e comportamentos, vai-nos deixando sem referências.

A campanha presidencial, de resto, tem evidenciado o deserto intelectual e, nomeadamente, político-ideológico dos programas dos pretensos líderes que, para agradar a gregos e a troianos, dizem e desdizem tudo e mais alguma coisa, contradizem-se em meia dúzia, apenas, de palavras e, a plenos pulmões, gritam o seu desnorte guiados pela mera ganância de votos.

Quem poderá, assim, votar lúcida e esclarecidamente um qualquer projeto neste contexto medíocre, pobre, banal? E votar no ego dos candidatos não parece ser o melhor caminho…

Não se ignora que a política está a ser substituída pelos mercados – e as suas forças e fenómenos obscuros – como instâncias privilegiadas de tomada das decisões que a todos nós respeitam. E é assim que a chegada próxima do F.M.I. a Portugal já nada terá a ver com as nossas opções, ou a nossa vontade, ou a nossa estratégia para o futuro.

O tempo é de mercadorização.

A cidadania esbraceja em estado de letargia.

O minimalismo é um projeto global que serve, apenas, os interesses e a segurança dos investimentos internacionais e dos movimentos financeiros à escala planetária. E, nisto, Portugal já não conta para nada.

Neste contexto, num país pobre e à deriva, o que vai marcando os dias de muitos é maior incompreensão face ao que é dito – e ao que não é dito – pelos que se ocupam profissionalmente da vida pública na ilusória democracia em que, dizem, vivemos. Quando, na verdade, só poderiam prometer sangue, suor e lágrimas, como um dia, em tempo crítico, disse Churchill: “só tenho para oferecer sangue, sofrimento, suor e lágrimas”, o que se passa é que continuam com os pés noutro mundo, noutra realidade, prometendo o que sabem não poder cumprir, ou oferecendo o que, afinal, não é deles.

O confronto de ideias e o contraditório na política são bens inestimáveis. Mas é preciso, primeiro, ter ideias para apresentar e debater e, depois, ter a superioridade ética e republicana para sobre elas discorrer com elevação e de modo a tornar claras e compreensíveis as pertinentes mensagens.

Portugal caminha na senda de um Estado falhado correndo o risco de se desmoronar, enquanto uma certa música balofa continua a fazer-se ouvir – tal como no convés do Titanic – alheia ao naufrágio provável. Poderá ser exagerada tal qualificação, se tomada em sentido estrito, mas é inegável que, quando mais de dois milhões de portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza, a classe média vai desaparecendo capturada pela crise que atravessamos, a emigração, sobretudo de jovens, cresce todos os dias em busca de uma vida digna noutras paragens fugindo ao desemprego e, até, à fome, quando tudo isso acontece, é inequívoco que o Estado falhou. E não é só ao atual Governo que tal situação poderá ser imputada – é, seguramente, também, da responsabilidade de governos anteriores e do comportamento do supremo magistrado da nação, o Presidente da República, que, no nosso sistema constitucional, não se pode confinar a ser uma figura do tipo “rainha de Inglaterra”.

À maioria dos portugueses já não interessa, sequer, saber quem vai ser o novo Presidente da República. Importante será saber, isso sim, até onde irá a retração do Estado social e a perda de direitos que constituíam o seu anterior estatuto social. A alguns interessará saber, também, quando passaremos a ser governados pelo F. M. I., ou pela Alemanha, bem como, a outros, para onde emigrar a curto prazo.

É impressionante verificar a situação a que chegamos em pouco mais de trinta anos de democracia: os da política, no seu folclore, vivem num mundo aparte do povo e, este, não se revê minimamente naqueles.

Obviamente que esta situação não pode acabar bem.

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