Uma empresa sem trabalhadores, substituídos por máquinas, é, decerto, bem mais lucrativa para os seus donos. Mas é por aí que passa o fim de uma civilização.
O que vou contar aconteceu-me há dias e não me chegou por interposta pessoa – sou, pois, testemunha directa. E o que contextualiza este retrato é que merece alguma reflexão crítica, porventura no sentido da argumentação a favor de um outro paradigma económico diferente daquele em que vivemos.
O que vou contar aconteceu-me há dias e não me chegou por interposta pessoa – sou, pois, testemunha directa. E o que contextualiza este retrato é que merece alguma reflexão crítica, porventura no sentido da argumentação a favor de um outro paradigma económico diferente daquele em que vivemos.
Que aconteceu? Na singeleza dos factos começou com uma avaria no meu sistema de recepção de televisão por satélite. Daí que tenha marcado o número da ZON que pretensamente me poderia ajudar. Ora, após ter seguido os vários procedimentos que me eram sucessivamente ditados mecanicamente por uma voz ausente e não dialogante, alguns minutos mais tarde essa voz de plástico disse-me finalmente que estavam muito ocupados na altura e que mais tarde seria contactado. Tive que me conformar aos ditames da máquina pois não havia alternativa. Cerca de doze horas passadas a máquina, então, lembrou-se de mim, ligou-me e, obediente, voltei a cumprir os procedimentos que me eram determinados desse outro mundo. O que não podia adivinhar é que, concluída outra vez a “via-sacra” dos procedimentos – marque aqui, marque ali – a resposta final fosse, de novo, que estavam muito ocupados… e que ligasse mais tarde.
O sistema da televisão contínua obviamente avariado. A ZON enlouqueceu!
Ora é desta loucura, comum a tantas outras situações empresariais, que é preciso cuidar.
As novas tecnologias e as inovações organizacionais que, sem ter em conta o direito humano ao trabalho decente, prescindem de pessoas (trabalhadores) em busca de mais lucro através da máquina estão a destruir as sociedades capitalistas, a sua economia e, sobretudo, as relações do homem com o trabalho a um ritmo de verdadeira calamidade. De um lado assiste-se ao aumento do desemprego e, por outro, à precarização do emprego existente, sem falar, já, da não criação de empregos novos. E, por vista disto, é previsível o desastre económico e social que se aproxima mas a que não se dá a devida atenção (ver, a propósito, David Harny, O Enigma do Capital, - sobretudo p. 72 ss).
Uma empresa sem trabalhadores, substituídos por máquinas, é, decerto, bem mais lucrativa para os seus donos. Não tem, desde logo, os inerentes encargos para a Segurança Social e outras alcavalas que as leis laborais e sociais impõem às que tenham trabalhadores ao seu serviço. Por isso vale a pena pôr a máquina no lugar do homem. Mas é por aí que passa o fim de uma civilização, também.
Agora que se está perante uma crise profunda, seria, pois, de pensar em criar mecanismos legais que, com justiça, obrigassem essas empresas de capital intensivo a pagar o devido à Segurança Social como se tivessem trabalhadores ao seu serviço, assim se criando condições para impedir, designadamente, esse brutal aniquilamento do mundo do trabalho e do cortejo de desgraças que vem atrás.
O lugar do trabalho nas nossas sociedades é decisivo para todos. Bastará ver, na verdade, a angústia das pessoas a quem falta ou que perdem o emprego para medir-se tal importância. O trabalho não se reduz a um mercado; é mais, ou vai além (é diverso) de um objecto de partilha. Inscreve-se no tempo e no espaço de uma vida. Numa perspectiva religiosa, católica, João Paulo II, já afirmara que “A Igreja está convencida de que o trabalho constitui uma dimensão fundamental da existência do homem sobre a terra. Confirma-a nesta convicção a consideração de todo o património das múltiplas ciências centralizadas no homem: a antropologia, a paleontologia, a história, a sociologia, a psicologia, etc. Todas elas parecem testemunhar de modo irrefutável essa realidade (…)” acrescentando “(…) mediante o trabalho, o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas realiza-se também a si mesmo como homem e até, em certo sentido, se torna mais homem.”
Desafia-nos, por tudo isto, uma outra perspetiva sobre a relação do homem com o trabalho no novo mundo que temos de construir. E, agora que tudo parece ter voltado ao princípio, neste tempo de crise e de sacrifício, seria grave esquecer a pessoa do trabalhador na sociedade que aí vem.
Há que reflectir. E agir depressa.
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