A questão fundamental que se nos impõe é se a dependência crescente das sociedades democráticas modernas face a entidades não eleitas apresenta, ou não, um novo perigo para a democracia.
A actividade e o poder de decisão da chamada “troika”, que acompanhou e deliberou recentemente sobre múltiplos aspectos do nosso futuro como sociedade que pretende ser livre e democrática, coloca-nos a questão da falta de democracia de muitas organizações internacionais neste tempo de globalismo.
A actividade e o poder de decisão da chamada “troika”, que acompanhou e deliberou recentemente sobre múltiplos aspectos do nosso futuro como sociedade que pretende ser livre e democrática, coloca-nos a questão da falta de democracia de muitas organizações internacionais neste tempo de globalismo.
Entidades não eleitas, tais como bancos centrais pretensamente independentes, reguladores económicos, agências de notação financeira, gestores de risco e auditores, tornaram-se um fenómeno global. As democracias estão cada vez mais a recorrer a estas entidades para demarcar os limites entre o mercado e o Estado, para resolver conflitos de interesses e para atribuir recursos, mesmo em áreas eticamente delicadas como aquelas que envolvem a privacidade e a biotecnologia.
Ponto é saber se tal não coloca a democracia em perigo.
Nas democracias modernas, as entidades não eleitas tomam muitas das decisões políticas que afectam a vida das pessoas, resolvem conflitos cruciais de interesses para a sociedade, solucionam disputas acerca da atribuição de recursos e fazem, até, mesmo, julgamentos éticos em algumas áreas delicadas. Por oposição, os políticos eleitos parecem, muitas vezes, mal preparados para lidar com a complexidade dos temas políticos.
A emergência dos poderes não eleitos está a espalhar-se pelo mundo democrático. Tomam diferentes formas legais e nomes diversos sendo que a variedade de formas e a terminologia oculta o crescimento da sua importância.
A questão fundamental que se nos impõe é se a dependência crescente, das sociedades democráticas modernas, face a entidades não eleitas apresenta, ou não, um novo perigo para a democracia. (cfr. Frank Vibert, The rise of the Unelected, Democracy and the New Separation of Powers, Cambridge University Press, 2007).
Vejamos o caso português em 2011. O pacote de medidas que o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia impuseram ao país vai exigir uma profunda remodelação da organização do Estado e afectará extensa e dramaticamente a vida de muitos cidadãos. Já antes o mesmo decorreu dos pronunciamentos das agências internacionais de rating do que todos conhecemos as consequências. Neste âmbito é de sublinhar – e desejar sucesso – à queixa apresentada por um grupo de cidadãos à Procuradoria Geral da República contra tais agências no sentido de as responsabilizar por, porventura, além do mais, favorecerem a especulação financeira e lucrarem, depois, com esta. A questão, porém, permanece: e a democracia poderá sobreviver a esta invasão de poderes não eleitos (não democráticos, diria) por um país adentro?
A análise desta problemática implica com a noção de democracia, uma ideologia e um regime político de difícil e complexa caracterização. Sem negar a sua ambiguidade e ambivalência, é seguro que a democracia tem a ver com a protecção dos direitos individuais face ao Estado (corrente anglo-saxónica) e com o governo da maioria, da vontade geral (Rousseau). Tudo isto é nada, porém, face aqueles sobreditos poderes e à sua acção concreta. Parece legitimo falar, pois, em suspensão da democracia neste tempo português, e nem as eleições, que se avizinham, mudam algo a este cenário. Como disse uma voz sarcástica da política portuguesa “quem paga é que manda” ao que acrescentaria, por minha parte, que votar é, neste transe, uma atitude ilusória perante o quadro de imposições que já pesam sobre o país.
Votar para quê? Votar para escolher o quê? Votar para mudar o quê?
Seria útil que todos nos detivéssemos na análise da situação vigente no país e nas alternativas que existem para tomarmos em mãos o nosso futuro sem qualquer tutela.
Costuma dizer-se que “quem não tem dinheiro, não tem vícios”. A democracia não é, porém, um vício, mas, antes, um modo de se ser pessoa, ou o único, mesmo. Quando ela se vai, ou se suspende, com ela esvai-se a honra, a dignidade e a solidariedade nacional.
Triste vão os tempos.
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