quinta-feira, 28 de abril de 2011

PRÓ DIVÃ DO PSICANALISTA

Para bem se compreender o tempo actual e olhar de frente o futuro há que assumir que é imperioso voltar a tecer, entre todos, os laços sociais que o individualismo destruiu.

A actividade político-partidária arrasta-se penosamente nos nossos dias amordaçada, também, pelos novos senhores que vieram militarizar o país (é preciso ter topete para se falar, no caso, em ajuda!) enquanto a política perdeu espaço e parece perder convicções. Aqui chego ao reparar que, para analisar a vida do país, são cada vez mais os sociólogos que são chamados a pronunciar-se após ter passado, creio, o tempo hilariamente dos economistas que, afinal, comprovaram, no tempo de antena imenso que tiveram, que a crise em que vivemos é demasiado grave para que lhes seja confiada qualquer responsabilidade – acertaram sempre nas estrelas à segunda-feira mas, à sexta, não ditaram mais do que diagnósticos vagos e palpites aleatórios repetindo-se, aliás, uns aos outros até à exaustão.


Vou mais além. Parece que já não poderemos mais prescindir dos psicólogos e psiquiatras para analisar o dia-a-dia tantas são as psicopatias que emergem da boca dos que não sabem, ou não podem, manter-se no espaço público dignamente calados. Talvez, de resto, toda a sociedade portuguesa tenha de se deitar, mais tarde ou mais cedo, no divã do psicanalista.


Admiro, contudo, os que teimam em lutar, que se não deixam abater, que não passam os dias na maledicência, que acreditam. Aqueles que, na senda de Platão (o filósofo-rei) prezam e cultivam ideais, a justiça, o bom e o belo, mesmo quando deixam, por vezes, de lado, a realidade. Pelo contrário, não estimo o “conselheiro do Príncipe” que não tem ideais ou os sacrifica ao que se diz ou pretende ser a realidade, a eficácia e o sucesso a qualquer preço – ditos maquiavélicos.


Platão ou Maquiavel?


Este dilema está subjacente às narrativas políticas deste tempo pré-eleitoral em que vivemos se vistas de um ponto de vista extremado, mas, quer a uma, quer a outra, falta a Política como doutrina ou ideologia. Se, a uns, ideologistas utópicos, falta uma percepção de vida e da tragédia que lhe é, tantas vezes, inerente, aos outros, realistas pragmáticos, falece a fé no Homem e nas suas aspirações maiores.


Entre estas duas perspectivas o caminho é estreito, pois não é fácil, ao mesmo tempo, pensar na realidade, procurar o sonho e, sobretudo, decidir o possível.


Agora que se soltaram os demónios da crise só há um caminho decente, o qual implica passar da teoria à prática, da filosofia à política. A situação actual é o que é e não o que desejaríamos que fosse, mas o futuro ainda nos pertence se não nos deixarmos hipotecar. Urge, para tanto, pôr um ponto final na costumeira desresponsabilização individual que temos cultivado até à exaustão e assumirmos que está em cada um de nós a possibilidade de, com os outros, vencer as dificuldades presentes. Não vale a pena pensar mais que o Estado, como, de certo modo, aconteceu no passado, estará sempre presente para suportar o individualismo desenfreado e ganancioso de muitos de nós.


Para bem se compreender o tempo actual e olhar de frente o futuro há que assumir que é imperioso voltar a tecer, entre todos, os laços sociais que o individualismo destruiu, no que vai todo um projecto de revolução cultural. Mas não haverá alternativa.


O F.M.I. e os seus acólitos não vão fazer o que a nós nos compete; não são salvadores generosos e despretensiosos do nosso país. Vai, pelo contrário, ficar muito cara mais esta intervenção e não podemos deixar-nos iludir a pretexto de se falar tanto em “ajuda”. Eles ajudam-se mas é a eles próprios e levarão até as nossas tripas se tal permitirmos. O que significa que nos cumpre exclusivamente a nós construir os alicerces de um outro modo de vida, decente e digno, em que vivamos do que ganhamos legitimamente e, não, gastando o que temos e o que não temos.

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