Abril foi uma utopia a que é preciso voltar. Li, de um fôlego, num destes dias, um pequeno livro que encontrei, por acaso, nos escaparates de uma livraria e cujo título me chamou logo a atenção: INDIGNAI-VOS! Da autoria de Stéphane Hessel, um jovem de 93 anos, foi muito lucidamente prefaciado, de resto, por Mário Soares.
Um bom amigo, por outro lado, fez-me sinal quanto à publicação, em Espanha, de um outro livro cujo título é REACCIONA, coordenado por José Luís Sampedro e cujo sentido era o mesmo.
Stéphane Hessel, herói da Resistência francesa, escreve a certa altura o seguinte: “Os responsáveis políticos, económicos, intelectuais e a sociedade em geral não podem desistir, nem deixar-se impressionar pela actual ditadura internacional dos mercados financeiros que ameaça a paz e a democracia” (p. 22). E, no último livro referido, diz-se, além de muitas outras coisas, que, com a globalização, os poderes políticos abdicaram da sua função política a favor dos financeiros o que levou aos atuais défices e crises de todo o género, sendo que a crise financeira eclipsou dramaticamente as crises alimentar, energética, ecológica e outras, aí se acrescentando, também, que a humanidade avançou muito no campo das tecnologias, mas muito pouco em sabedoria e humanismo.
Foi como se tivesse caído num fogaréu e o semblante deve ter-se-me iluminado atiçado por tão simples e profundas leituras. Alguém, - refiro-me a Hessel - com uma vida longa e intensamente vivida entre momentos terríveis da história recente desta nossa civilização decadente, ainda mantinha a veia de combatente e, sobretudo, conseguia sensibilizar-nos num momento de desânimo generalizado. E outros, personalidades todas de maior relevo, afinavam pelo mesmo diapasão nesse outro livro.
Lembrei-me, então, de Abril.
De Abril de 1974 e de todas aquelas esperanças que fizeram estremecer os mais fundos escaninhos de um jovem universitário, que, então, era. E desejei voltar a Abril. Como Sofia, anseio, de novo, por poder dizer: Meu canto se renova/ E recomeço a busca/ De um país liberto/ De uma vida limpa/ E de um tempo justo (Esta Gente, Obra poética, II).
Abril foi uma utopia a que é preciso voltar.
Não, decerto, aos desvios e tentativas totalitárias que se lhe seguiram, mas à doce ingenuidade e à acrisolada esperança que suscitou em todos os que sonhavam com um destino diferente e melhor para Portugal. Não ignoro, decerto, quanto tantas prima-donas tentaram matar Abril, quantos jogos florais de política mesquinha o marcaram, quanta ânsia desmedida de poder aniquilou aquela esperança radiosa. Mas continuo fiel a Abril: continuo a acreditar que podemos ser melhores, mais solidários, mais ricos (no ter, no ser e no saber), mais felizes.
Ganhamos muito desde aquela data histórica, tanto quanto deitamos a perder mil possibilidades de novas primaveras e, hoje, andamos à deriva governados por poderes que não elegemos mas que são mais fortes que os eleitos.
Abril foi uma promessa de justiça assente em valores universais. Hoje, porém, sobrevivemos sem referencias éticas num processo de relativismo moral em que até a Justiça já pouco, ou nada, conta.
Acreditamos no Estado para além do que seria curial esquecendo a célebre e pertinente declaração de Bad Godesberg onde se dizia, a propósito, “tanto Estado quanto necessário, tanta iniciativa privada quanto possível”. E, nesse exagero, se reconstruiu a capital de um império que já o não era, se desertificou o resto do país e se matou a sociedade civil e a iniciativa privada. Resta, agora, um país quase insolvente, num Estado barrigudo e hemiplégico, forte com os fracos e fraco para com os fortes, um sistema político-partidário autofágico.
Sim, tenho saudades de Abril!
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