quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O FIM DA HISTÓRIA


Nem de perto, nem de longe, a democracia liberal se poderá considerar como o cume da ambição política dos homens

Em 1989, Francis Fukuyama, conhecido politólogo norte-americano, interrogou-se sobre “o fim da história”, afirmando que a democracia liberal poderia constituir o ponto final da evolução ideológica da humanidade e, também, o formato final do governo humano. Quando expressou, em artigo de revista, esta opinião ainda estava de pé o muro de Berlim, mas o certo é que a queda deste, e outros acontecimentos posteriores, pareceram dar-lhe razão e apontar para uma nova ordem mundial com a expansão da democracia liberal pelo mundo fora.

Em 1992, já após grandes mudanças na cena internacional, aquele autor reforçou a sua convicção no célebre livro “O fim da história e o último homem”. No plano dos princípios – que não da realidade – a democracia liberal seria o cume da ambição política possível dos homens.

Em Portugal vivemos em democracia liberal no que ao sistema constitucional diz respeito, ou seja, no plano dos princípios. A realidade quotidiana, porém, contradiz, amiúde, esta conclusão deixando atrás de si um rasto, dramático, de injustiças e de graves problemas sociais. Na verdade, na mais ou menos estável democracia actual, assumem, ainda, grande relevância as “ineficiências”e a realização incompleta dos valores essenciais da liberdade e da igualdade, entre outros.

Nem de perto, nem de longe, a democracia liberal se poderá considerar, pois, como o cume da ambição política dos homens, como pretendia Fukuyama. E não só relativamente a Portugal, mas, também, quanto à generalidade dos países onde prevalece a “modernidade ocidental” e os seus valores Kantianos.

A democracia caracteriza-se, também, por ser um processo em curso, um projecto sempre inacabado e implica, decerto, um combate dramático para todos e de duração incerta.
Talvez valha a pena, então, rever algumas ideias aparentemente correctas que marcam o presente à luz desta perspectiva. E, no transe, particularmente importante será olhar o mundo no tempo actual de pretensa saída de uma profunda crise financeira, económica e social. Crise que, de resto, o foi por muitos mas, também, passou ao lado de outros e, até, beneficiou alguns.

Parece, por vezes, face às acções e reacções de alguns protagonistas da vida pública, que, afinal, nada aconteceu e nada há que mudar. Pior, já estão a sair das tocas onde se abrigaram muitos dos progenitores dos factos causadores da crise. E reaparecem com a mesma sobranceria de outrora, a mesma manha de sempre e à espera da tradicional impunidade que é concedida aos poderosos sem escrúpulos.

Quando se coloca o passado recente em perspectiva e se analisam os perigos, riscos e ameaças que o informaram, a ética política mais elementar exigiria que ao “mundo da vida” fosse dado outro encaminhamento e não se repetissem os erros do passado. O que parece possível de perspectivar já é, porém, diferente do que seria desejável. E, assim, a crise vai ficar com os que mais vítimas dela foram, deixará incólumes os que apenas a avistaram ao longe e abrirá novas auto-estradas douradas aos que sempre manipularam os interstícios dos poderes.

Afinal apenas alguma coisa mudará para que tudo possa, no essencial, continuar na mesma.

Falta coragem, com efeito, para mudar o paradigma político que levou à crise e para avançar para um outro modelo de relações entre as instituições e as pessoas que não seja intermediado apenas pelo espírito do lucro a qualquer preço.

O ideal da democracia liberal, forte no plano dos princípios, claudicou rotundamente com a emergência da crise recente. Mas não foi o “fim da história”.

Há que retomar a acção política tendo por horizonte o triunfo, um dia, do “espírito das luzes” à boa maneira de Kant, Condorcet, ou de Fukuyama e, também, de Hegel. Complicado? Apenas para quem está instalado na rotina dos seus “direitos adquiridos” e alheio à trágica via sacra dos que os não têm.

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