quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

CRISE, MEDO E SOCIEDADE


Portugal é hoje um país que sobrevive numa fatídica dependência de tudo e de todos em permanente fuga de si próprio.

É já inequívoca a existência de uma grande fractura social em Portugal. De um lado, lixo e luxo, de origem tantas vezes duvidosos, mas que permanecem na sociedade portuguesa sem necessidade, sequer, de fugir ao exibicionismo. Do outro, a miséria social e a pobreza envergonhada que já assumem foros de calamidade pública. No meio, milhões de cidadãos à espera de cair para um ou o outro lado, agravando-se, assim, potencialmente, a dita fractura social.

A envolver a situação – e a mistificá-la – inúmeras querelas políticas artificiais, ou marginais, vão entretendo a opinião pública e publicada, onde não se dá voz a quem não a tem, onde todos os dias se hostilizam progressivamente as referências históricas e culturais da nossa cultura e da civilização que herdámos, onde ler, interpretar e perspectivar o país já não é objectivo político nacional prioritário.
Dizem os que o estudaram, que o tempo actual muito se aproxima, no que se refere à crise nacional que hoje vivemos, do fim da Monarquia. E, dramaticamente, ninguém rema contra a maré! Para além de uns laivos de tecnocracia (tantas vezes arrogante) nada se perspectiva quanto a uma outra visão política e cultural do País. E é aqui que residem as soluções – se soluções ainda houver! – para mudar realmente o caminho descendente e de perdição em que estamos.
Os economistas, na sua arte tantas vezes não mais que adivinhatória, já repetiram à exaustão todos os clichés da crise. Projecções e mais projecções e seja o que Deus quiser, afinal.
Os políticos, fora das campanhas eleitorais, descem, por vezes, á realidade e tratam mas é da sua vidinha, que isto está mal para todos. Haja orçamento e poleiros na comunicação social que o resto se resolverá.
Como sair, então, deste atoleiro de angústias onde o medo físico e social, o psicológico e outros, alguns até imaginários, já consomem o nosso mínimo bem estar emocional?
O medo é crescentemente uma variável do nosso quotidiano e quem detém o poder – o poder político, o poder financeiro e outros bem mais subtis, por vezes – sabe-o bem e manipula-o. Mas governar servindo-se do medo é o último degrau da decadência política e aponta para a crise derradeira da democracia representativa.
O espaço político está em acelerada e profunda transformação, na Europa e no mundo. Decerto que Portugal está imerso nessa transformação, mas mais como objecto do que como sujeito. Dependemos da retoma do comércio mundial, das taxas de juros fixadas lá fora, do investimento estrangeiro que há-de, ou não, chegar, das necessidades de outros países nos nossos escassos recursos materiais e humanos.
Portugal é hoje um país que sobrevive numa fatídica dependência de tudo e de todos em permanente fuga de si próprio. Tanto quanto, de resto, muitos de nós escamoteamos a real situação do país – a nossa casa comum – a das nossas comunidades e relações na ilusão de que os problemas se desvanecerão, mais cedo ou mais tarde, sem que tenhamos de fazer grandes sacrifícios para aí chegar.
É inegável a habilidade com que, mediante estratégias várias, individuais e colectivas, vamos afastando calamidades iminentes. Sempre assim terá sido e, muitos, esperam que assim continue a ser. Mas também é possível que se aproxime o dia do juízo final e o fim de todo o acervo de pretensos direitos adquiridos.

Os economistas, os políticos e tantos outros técnicos de ideias geniais não fariam mal, porventura, em ser menos arrogantes nos seus saberes mundanos e em ouvir e interpretar o bater exausto do coração deste país exíguo.
É tempo, por tudo o que fica dito, ou apesar disso mesmo, de sonhar em Portugal.

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