quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

REVOLTA E IMPOTÊNCIA


Um país político parado no tempo, sentado à mesa de curto orçamento, incapaz de se confrontar com uma nova, outra, visão do Homem, da sociedade ou do futuro, é tudo o que, de facto, parece marcar a actualidade triste destes dias sem fim.


O Orçamento de Estado para 2010 cuja preparação actualmente envolve o Governo e, por circunstâncias óbvias, ligadas à fragmentação parlamentar, implica condescendência da Oposição, será, também, o espelho de um Estado Exíguo (Adriano Moreira) carente de recursos e de capacidades, tanto quanto de uma estratégia nacional, o que, de tudo, é o mais dramático.

Mas, uma vez mais, será, ainda, a expressão inequívoca da crise de valores que nos trespassa e da falta de elites políticas que os suportem.

Não se antevêem, com efeito, grandes causas para “orçamentar”, nem elites capazes da mudança que urge imprimir à sociedade amorfa e balofa que é a nossa, onde mais que tudo se combate pela perpetuação de velhos interesses, de “direitos adquiridos” e do hedonismo de pés de barro, a qualquer preço.

Os “custos do contexto”, interno e internacional, prevalecerão, uma vez mais, ostracizando e adiando o confronto de Portugal com os desafios que são os seus.

Um país político parado no tempo, sentado à mesa de curto orçamento, incapaz de se confrontar com uma nova, outra, visão do Homem, da sociedade ou do futuro, é tudo o que, de facto, parece marcar a actualidade triste destes dias sem fim, não obstante algumas hesitantes palavras de confiança e de esperança que, por dever de ofício, alguns apregoam, mas a que o discurso do pessimismo e da derrota iminente, de outros, retira credibilidade e força anímica.

Muitos, muitos portugueses já não acreditam em Portugal.

E não me refiro, apenas, àqueles que se profissionalizaram, há muito, a desviar pecúlio para paraísos fiscais e contas na Suíça. Não aponto, também, para aqueles que a nossa sociedade, egoísta, atirou para a valeta e trata como lixo social. Tenho em mente, antes, o cidadão comum, honesto, trabalhador, civicamente integrado, pagador de impostos, solidário, de cepa patriótica e convicções democráticas – tanto quanto a geração que neles desponta para um tempo tão incerto quanto dramático.

Há, no ar, generalizado, um sentimento de revolta e de impotência face às agruras quotidianas e não vale a pena escamotear a situação. É urgente, assim, dar corpo a novas ideias e maiores ideais do que aqueles que nos têm marcado a vida. Tudo é demasiado pequeno, hoje, e nada se perspectiva para mudar as coisas num horizonte bloqueado e asfixiante que, por vezes, lembra mesmo os tempos do Marcelismo. O politicamente correcto, com efeito, reina em todo o seu dramático esplendor por entre alguns cortes fracturantes, marginais aos valores tradicionais, seculares, do povo e dando relevo singular à ditadura de minorias activas. Aqui assume particular importância o pretenso casamento entre “gays”, hoje na ordem do dia, que nada tem de casamento, ainda que sendo expressão de uma realidade digna de tratamento jurídico, diferenciado, porém, daquela secular instituição. Um país anémico assiste, no entanto, ao vencimento destes totalitarismos ignaros que pretendem anular a diferença inevitável entre a igualdade e o igualitarismo num cadinho de ideias fatídicas e que levam no bojo futuros tão insondáveis quanto maquiavélicos.

Apesar de numa sociedade aberta (Karl Popper) um valor fundamental ser a humildade intelectual, é incontestável que não pode valer tudo, todos e quaisquer fins, e a arbitrariedade de meios para lá chegar. Nem a democracia pode consentir totalitarismos de minorias.

Entretanto caminhamos sem destino certo ou previsível, por entre encontrões idiotas que não nos levam a lado nenhum – ou nos encaminham para qualquer lugar. O desnorte reina neste início de ano e Portugal está refém de guerrilhas partidárias de mau augúrio.

A democracia encerra em si, como, decerto, nenhum outro regime, a virtualidade de se regenerar por si. Mas a vontade cívica tem, aí, um papel determinante e é por isso que hoje, mais do que nunca, a emancipação da sociedade civil é um imperativo categórico.

Se necessário contra, mesmo, os partidos deletérios que a amordaçam tantas vezes.

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