quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A JUSTIÇA A QUE TEMOS DIREITO


A questão essencial é do domínio da política e é aí que terá de encontrar soluções globais e concretas.

O tempo em que vivemos está minado por dificuldades várias mas, simultaneamente, é um tempo pleno de desafios e em que novos horizontes, e melhores que os presentes, são possíveis. E, como escreveu recentemente Vitorino Magalhães Godinho (Os problemas de Portugal, Colibri, 2009) “Nestas circunstâncias adversas, será bom que ressurjam as inquietações, e não se desista de reflectir na pergunta inevitável: que rumo para Portugal?”

A propósito da abertura do novo ano judicial, que recentemente ocorreu, justificar-se-ão, talvez, algumas reflexões ou inquietações enquanto aí se renovou o debate sobre certas questões do nosso sistema jurídico e judiciário atulhado de entorses, muitas delas derivadas de pressões dos poderes económicos e corporativos insaciáveis que nos rodeiam por todo o lado.

Aqui, como noutros espaços da vida pública, mais do que maldizer, ou dizer sempre os mesmos estereótipos, é preciso focar toda a nossa energia na busca de soluções para os reais problemas da justiça. E, decerto, tentar perceber onde radicam os conflitos de interesses que potenciam o mal estar.

Que rumo para a justiça?

Enquanto servidor do direito, nomeadamente como advogado há mais de 30 anos, de algum modo me será permitido, certamente, testemunhar inquietações diversas no desejo de ver superadas as dificuldades do tempo presente. Em geral – adianto-o desde já – não condeno aos infernos o nosso sistema de justiça, mas critico-o severamente na convicção, que é a minha, de que pode e deve ser melhorado. Sofre, afinal, de esclerose múltipla, mas pode sobreviver com o mínimo de dignidade se dele se cuidar.

O pior mal a assacar ao nosso sistema de justiça é, hoje, o de que tarda excessivamente a dar resposta às angústias dos cidadãos e das empresas. Tal corrói valores essenciais do Direito, nomeadamente a segurança através do Direito, a segurança do Direito e a estabilidade das situações jurídicas. Ora a segurança, como um fim do Direito, quando falha deixa os homens e os seus bens desprotegidos e, logo, à mão dos mais poderosos, dos mais fortes ou dos mais “espertos”. Precisamos, todos, de saber na verdade quais os efeitos de determinados comportamentos futuros para planear a vida, tanto quanto de sentir que o Estado não deixa na impunidade a violação das leis e num tempo justo e razoável.

É claro que, a montante fica o problema da feitura das leis, tantas vezes marcadas pela imperfeição e ignorância dos legisladores se não, mesmo, por maliciosos interesses de classe ou corporativos e ideológicos indiferentes à nossa situação real e aos nossos verdadeiros interesses colectivos. E a jusante, um outro, também relevante, que é o de habilitar, no âmbito do Estado de direito, o poder judicial com os meios necessários ao exercício das suas competências em tempo e com eficácia.

Pelo meio caberá referenciar a necessidade de simplificar as leis, sistematizá-las, e evitar a disseminação de normas jurídicas em caudais de sobreposição e incoerência sucessivos. E, também, a urgência de melhor formar todos os agentes da justiça numa sociedade de risco acrescido, volátil e cada vez mais complexa.

O Direito é, de certo modo, o reflexo da nossa sociedade e, mudando esta, aquele não poderá deixar de se adaptar aos nossos contextos sociais. Mas o Direito tem, também, a missão de guiar, organizar, reger a sociedade numa perspectiva de reforma social.

Afinal é a organização da vida em sociedade que também aqui está em causa. E as patologias sociais não deixam de ter repercussão na realização histórica e normativa do Direito.

O que vale por dizer que a questão essencial é do domínio da política e é aí que terá de encontrar soluções globais e concretas.

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