quarta-feira, 22 de outubro de 2014

TIRAR PORTUGAL DA BETESGA SEM O METER NO ROSSIO



Temos de pôr toda a nossa circunstância em causa e ousar fazer perguntas aos que detêm os poderes e de exigir-lhes respostas sérias, convincentes.


 É de algum modo injusto assacar aos políticos – aos que nos governam e aos outros – todas as desgraças por que passamos no país. Lá que alguns deles se servem dos seus palanques para muita trafulhice e para viver à custa do Orçamento do Estado num egoísmo atroz, isso é inegável. Mas não estão sozinhos. De facto a realidade quotidiana evidencia claramente que os seus interesses se confundem, num emaranhado de complexas dinâmicas, com os de “gente fina” que borboloteia à sua volta, ora dando, ora recebendo o que não lhes pertence de direito porque é de todos nós, do Estado.

Os dramáticos casos recentes do BES e o da PT, entre outros ainda dentro do armário, de muitos mais que já se foram convenientemente da nossa limitada memória, apenas provam a cumplicidade fraudulenta entre os detentores do poder político e os do poder económico e financeiro. Eles precisam no presente, precisaram no passado e dependem no futuro mas dos outros e por isso andam pela política dos negócios em dependências várias, bilaterais, como crianças carentes agarradas às suas mãos.

As pretensas elites do país, as que nos pretendem determinar o caminho, são desditosamente constituídos, ordinariamente por grupos de incompetentes, de falhados, de videirinhos sem cultura democrática, sem valores, que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. O “cavaquismo” – um dia a História o provará - constituiu-se na cereja em cima do bolo desta recorrente tragédia portuguesa.

É por ousar lugar contra este estado de sítio que terá de se iniciar o caminho da reconstrução de Portugal sendo certo que combater os inimigos da sociedade aberta (Karl Popper) é tarefa inadiável.

Cumpre, no transe, refletir, porém, sobre a razão por que não há elites nos partidos políticos e, tal, há-de levar-nos a pôr em equação a “escola” de oportunismo e do amiguismo em que eles geralmente se têm transformado. Sem ignorar, nessa avaliação, que as elites são como a nata que, em pequenas quantidades, só se pode retirar de uma grande quantidade de leite. Ora, sem leite (sociedade civil) não pode fazer-se nata (elites)…
Entre nós, como em muitos outros países, se apresenta como realidade indisfarçável que, apesar de o mundo estar aberto aos portugueses que, reconhecidamente têm no seu ser capacidades extraordinárias de sucesso, pessoalmente e como povo, não se vê saída para os tempos dolorosos em que nos é dado viver.

Se o mundo está aberto aos portugueses, o contrário não parece, porém, estar a acontecer, ou seja, temos, como cidadãos, também, de nos abrir mais ao mundo. O problema não é só nosso, porém, antes é de todo o Ocidente, sobretudo dos países europeus. Em recente livro no qual foram compiladas reflexões de grandes pensadores franceses (Olivier Le Naire, Nos voies d’espérance. Entretiens avec 10 grands témoins pour retrouver confiance, Actes Sud/Les Liens qui Libèrent, 2014, p. 10), diz Olivier Le Naire que os cidadãos “estão paralisados por um mundo em plena transmutação que já não entendem, preferem refugiar-se no passado ou em velhas querelas ideológicas mais do que decidir o seu próprio destino”.

Temos de pôr toda a nossa circunstância em causa e ousar fazer perguntas aos que detêm os poderes e de exigir-lhes respostas sérias, convincentes. E, ainda, querer não só mudar o mundo, mas, também, aprender, cada um de nós, a mudar-se a si próprio.

Vamos caminhando sem destino certo. “Em busca de valores, em busca de sentido, em busca de identidade. Em grande sofrimento também. Todos enfim deploram que as nossas elites, erguidas sobre os seus egos, hipnotizadas pelos interesses a curto prazo, prefiram invocar o regresso do crescimento como o do Messias em vez de admitir finalmente que mudámos de época.” (idem, p.13)

Será a partir daqui que, entre nós, poderemos, com esperança mas sem dor, tirar Portugal da betesga sem o meter no Rossio.

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