Temos de pôr toda a nossa circunstância em
causa e ousar fazer perguntas aos que detêm os poderes e de exigir-lhes
respostas sérias, convincentes.
É de algum modo injusto assacar aos políticos
– aos que nos governam e aos outros – todas as desgraças por que passamos no
país. Lá que alguns deles se servem dos seus palanques para muita trafulhice e
para viver à custa do Orçamento do Estado num egoísmo atroz, isso é inegável.
Mas não estão sozinhos. De facto a realidade quotidiana evidencia claramente
que os seus interesses se confundem, num emaranhado de complexas dinâmicas, com
os de “gente fina” que borboloteia à sua volta, ora dando, ora recebendo o que
não lhes pertence de direito porque é de todos nós, do Estado.
Os
dramáticos casos recentes do BES e o da PT, entre outros ainda dentro do
armário, de muitos mais que já se foram convenientemente da nossa limitada
memória, apenas provam a cumplicidade fraudulenta entre os detentores do poder
político e os do poder económico e financeiro. Eles precisam no presente,
precisaram no passado e dependem no futuro mas dos outros e por isso andam pela
política dos negócios em dependências várias, bilaterais, como crianças
carentes agarradas às suas mãos.
As
pretensas elites do país, as que nos pretendem determinar o caminho, são
desditosamente constituídos, ordinariamente por grupos de incompetentes, de
falhados, de videirinhos sem cultura democrática, sem valores, que nunca se
enganam e raramente têm dúvidas. O “cavaquismo” – um dia a História o provará -
constituiu-se na cereja em cima do bolo desta recorrente tragédia portuguesa.
É
por ousar lugar contra este estado de sítio que terá de se iniciar o caminho da
reconstrução de Portugal sendo certo que combater os inimigos da sociedade
aberta (Karl Popper) é tarefa inadiável.
Cumpre,
no transe, refletir, porém, sobre a razão por que não há elites nos partidos
políticos e, tal, há-de levar-nos a pôr em equação a “escola” de oportunismo e
do amiguismo em que eles geralmente se têm transformado. Sem ignorar, nessa
avaliação, que as elites são como a nata que, em pequenas quantidades, só se
pode retirar de uma grande quantidade de leite. Ora, sem leite (sociedade
civil) não pode fazer-se nata (elites)…
Entre
nós, como em muitos outros países, se apresenta como realidade indisfarçável
que, apesar de o mundo estar aberto aos portugueses que, reconhecidamente têm
no seu ser capacidades extraordinárias de sucesso, pessoalmente e como povo,
não se vê saída para os tempos dolorosos em que nos é dado viver.
Se
o mundo está aberto aos portugueses, o contrário não parece, porém, estar a
acontecer, ou seja, temos, como cidadãos, também, de nos abrir mais ao mundo. O
problema não é só nosso, porém, antes é de todo o Ocidente, sobretudo dos
países europeus. Em recente livro no qual foram compiladas reflexões de grandes
pensadores franceses (Olivier Le Naire, Nos voies d’espérance. Entretiens avec
10 grands témoins pour retrouver confiance, Actes Sud/Les Liens qui Libèrent,
2014, p. 10), diz Olivier Le Naire que os cidadãos “estão paralisados por um mundo em plena transmutação que já não
entendem, preferem refugiar-se no passado ou em velhas querelas ideológicas
mais do que decidir o seu próprio destino”.
Temos
de pôr toda a nossa circunstância em causa e ousar fazer perguntas aos que
detêm os poderes e de exigir-lhes respostas sérias, convincentes. E, ainda,
querer não só mudar o mundo, mas, também, aprender, cada um de nós, a mudar-se
a si próprio.
Vamos
caminhando sem destino certo. “Em busca
de valores, em busca de sentido, em busca de identidade. Em grande sofrimento
também. Todos enfim deploram que as nossas elites, erguidas sobre os seus egos,
hipnotizadas pelos interesses a curto prazo, prefiram invocar o regresso do
crescimento como o do Messias em vez de admitir finalmente que mudámos de
época.” (idem, p.13)
Será
a partir daqui que, entre nós, poderemos, com esperança mas sem dor, tirar
Portugal da betesga sem o meter no Rossio.
Sem comentários:
Enviar um comentário