quinta-feira, 28 de junho de 2012

NEM TUDO O QUE LUZ É OIRO

A ética no trabalho e o trabalho ético não são palavras vãs, a não ser que estejemos a falar de robots.

A liberdade sem igualdade é uma mentira, também no âmbito da comunicação social.

Num Estado democrático a imprensa livre é um bem essencial. O direito de informar e o de ser informado implica por seu turno a liberdade de expressão enquanto base de formação da opinião pública democrática que tem, de resto, assento constitucional.

Surgem aqui, porém, perplexidades e fragilidades que não se poderão escamotear. A que mais me incomoda é a que advém de, encavalitados nos poleiros da comunicação social, alguns “gurus” nos ditarem o que devemos entender do mundo. Fazem-no, quase sempre, longe do contraditório de opiniões diferentes e com argumentos que deixam, geralmente, muito a desejar. É uma forma de instilar nos cidadãos o pensamento único que, à falta de igualdade de armas relativamente a quem os lê ou escuta, passa a ser também a verdade única, que nos subjuga muitas vezes.

Tal acontece com comentários, editoriais e pronunciamentos equivalentes que, utilizando os mais subtis instrumentos de propaganda pura e dura, nos tiram a dignidade do pensamento. Quem ignora que, à 2ª feira, as discussões de café ou barbeiro sobre política não passam de uma reprodução impensada do que alega, pro domo sua, Marcelo, na televisão, no domingo à noite? Há, também, que relevar certas colunas de jornais, pomposamente situadas nas suas páginas nobres que expressam opiniões em formas que simulam a última ideia, a análise mais profunda, o último grito da doutrina política, mas que, afinal, não passam de opiniões (por vezes paupérrimas) ou de suporte à voz do dono. Parecem, contudo, a verdade revelada ao jornalista ou comentador para ser propagado aos infiéis ou reconfortar os indecisos.

Vem isto a propósito da “importante” coluna que o diretor do “Sol” preenche todas as semanas em página nobre do seu jornal. Quando vêm de ser publicadas dramáticas normas jurídico-laborais que vão trazer aos trabalhadores mais insegurança e pobreza escrevia ele, na edição de 22 de junho de 2012, a propósito da baixa de salários avançada pelo Prof. António Borges: “Tal como sucede com o preço do leite ou das laranjas: quando há excedente no mercado, o preço baixa. (…) A questão não é ideológica nem moral, e explica-se de um modo muito simples: ou aquilo que produzimos é competitivo, e tem sucesso no mercado, ou não é – e os produtos não se vendem, e as fábricas fecham”.

Um pouco mais de reflexão e de estudo – sim, estudo – teriam certamente levado ao conhecimento desse senhor alguns textos fundadores e fundamentais, aceites universalmente, que exprimem princípios básicos relativamente ao trabalho: a paz duradoura não pode ser alcançada a menos que seja baseada na justiça social, fundada na dignidade, segurança económica e igualdade oportunidade; o trabalho não deve ser encarado meramente como uma mercadoria, deve haver liberdade de associação, tanto para trabalhadores como para empregadores, juntamente com liberdade de expressão, e o direito à negociação coletiva (cfr. a Declaração de Filadelfia de 1944, posteriormente integrada na Constituição da O.I.T.).

O trabalho humano é igual ao leite ou às laranjas?

A questão não é ideológica, nem moral?

Peço desculpa mas isto já não se diz impunente, sequer, num pasquim de extrema direita.

O mercado de trabalho não é um mercado como outro qualquer, pelo que não poderá seguir as regras de outros mercados face à dependência pessoal do trabalhador. E assim, a luta pela dignidade humana e pelo trabalho decente é um dos grandes objetivos do Direito do trabalho.

A ética no trabalho e o trabalho ético não são palavrs vãs, a não ser que estejemos a falar de robots.

Quantas mentes terão ficado “enlatadas” nesse discurso retrogado de um jornalista que não tem o direito à irresponsabilidade? Aqui fica a minha profunda indignação ainda que usando meios insignificantes relativamente aos que ele usou.

Cuidado. Nem tudo o que luz é oiro.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

NO REINO DA AUSTERIDADE DESPÓTICA


Está na hora de parar este processo, ou morremos da cura, sem proveito,nem honra nem dignidade.

A austeridade não vem na Bíblia, ao menos enquanto punição. É uma construção do homem, contra o homem. A penitência, essa, vem – metanóia – no sentido de mudança de vida, proveniente do interior do homem, ainda que com rituais exteriorizáveis. “O significado actual da austeridade é, portanto, – afirma António Casimiro Ferreira – o de um modelo político-económico punitivo em relação aos indivíduos, orientado pela crença de que os excessos do passado devem ser reparados pelo sacrifício presente e futuro (…).” (cfr. António Casimiro Ferreira, Sociedade da austeridade e Direito do Trabalho de exceção”). Ponto é que poderá tornar-se silenciosamente numa doutrina política que vem para ficar.

A austeridade é uma armadilha, assente numa ética, cínica, que nos aproxima mais das portas da morte social e cívica. Entretanto a via sacra dos trabalhadores agrava-se dolorosamente numa agonia cintilante em que deixamos de amar o que somos (conquistamos) para nos perguntarmos como sobreviver sem nos petrificarmos. É o que neste momento ocorre no pensamento de muitos, quando profundas alterações ao Código do Trabalho vem desvalorizar e tirar sentido ao trabalho.

Como processo tido por inevitável, a austeridade também vem arrastando a sociedade para crescentes níveis de desigualdade, atirando mais cidadãos para a valeta, minando os alicerces da coesão social e, sobretudo, a democracia. Uma instância longínqua, indefinida, serve-lhe de eixo e pretende dar-lhe coerência por interposta pessoa. A política de austeridade age como um “significante” despótico (José Gil) arrastando consigo tudo e (quase) todos, deixando um lastro de medo e angustia. Outros horizontes de vida caem por terra, as energias desfalecem, o pensamento atrofia-se e nada parece já valer a pena.

Pendurado na austeridade e à bolina da “Troika”, o Estado está a tornar-se incontrolável como o monstro bíblico de que fala o livro de Job “não há poder sobre a terra que lhe possa ser comparável”. É o LEVIATHAN de que também Hobbes se ocupou no seu pensamento deixando-nos a figura do Estado-Leviathan. Este Estado visa a austeridade absoluta que pretensamente salvará os homens e a que, por isso, os homens se têm de subjugar.

Não estaremos já neste horizonte dramático em Portugal? Cada vez mais cidadãos me procuram, no meu gabinete ou na rua, insurgindo-se e pedindo ajuda para os defender de actos atrabiliários da administração pública: penhoras ilegais, perda de documentos e de processos judiciais e administrativos, intimações agressivas para pagar dívidas, autismo total perante pretensões apresentadas a quem de direito, exigência de taxas e de impostos já pagos, dilação insuportável na concessão de direitos que a lei confere, etc.

Para o Estado vale tudo, não há limites para arrecadar dinheiro até já onde só existe miséria. E qualquer modo de actuação lhe serve, mesmo com desrespeito das garantias constitucionais dos cidadãos. Mas quando é para pagar o que deve – e deve muito e muitas empresas e cidadãos – afirma a sua sobranceria absolutista e assobia para o lado.

O Direito é cada vez mais dual. Um para  o Estado (e os seus poderosos acólitos) e outro para o comum dos cidadãos. E, pior do que isso, o Estado – enquanto provedor da justiça (das condições e meios para a sua aplicação) – tem também dois pesos e duas medidas. Reforçar a peso de ouro a administração fiscal e esvazia de meios os tribunais e até os elimina do mapa judiciário, isto é, para se alimentar o monstro (lembra-se Prof. Cavaco?) há meios sem fim e até prazos antecipados; para cumprir obrigações legais face aos cidadãos, o Estado retira meios aos Tribunais. Um simples exemplo: as novas leis laborais vão conceder inúmeros novos poderes aos empregadores, mas sempre sob controlo judicial. Só de que nada vale tal controlo judicial quando os Tribunais do Trabalho não funcionam, como se sabe.

Em Portugal, 2012, o monstro que é o Estado conseguiu o que era impensável: ter, simultaneamente, sol na eira e chuva no nabal.

Está na hora de parar este processo, ou morremos da cura, sem proveito, nem honra nem dignidade. Apenas escravos.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

FOGE CÃO, QUE TE FAZEM BARÃO! PARA ONDE SE ME FAZEM CONDE?

Os valores republicanos não podem deixar de ser lembrados e, mais do que isso, divulgados, cultivados e vivenciados e, para isso, não são precisas condecorações.

 A tradição manda que os donos do Estado assumam o folclore de festejar algumas datas históricas, como foi recentemente o caso do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Também, a nível local, se não existem inventam-se dias disto e daquilo.

Em geral, nessas ocasiões, a “corte”, engalanada, aproveita para conceder certas honrarias, sobretudo aos que a serviram ou lhe foram, em algum momento, úteis. Surgem, então, os célebres “Comendadores”. Sem dúvida alguma há ocasionalmente reconhecimento justo da dedicação ao bem público ou de altas e invulgares qualidades dos que são galardoados. Mas também é verdade que, na generalidade dos casos, o que conta é a dialéctica amigo-inimigo e os favores que é preciso pagar. Cavaco não esquece… como Salazar e outros não esqueciam.

Tenho a tendência para, nesses momentos “patrióticos”, olhar mais para os que são esquecidos do que para os que são lembrados. De resto, por vezes, tenho vergonha de o meu país condecorar apenas aparências e o luxo e o lixo da comunidade. Não refiro nomes, porque todos os conhecemos. Alvitro, porém, uma outra possibilidade às generosas regras vigentes de atribuição de dignidades: que só a Assembleia da República, por maioria qualificada, seja titular do direito de premiar os melhores. E, a propósito, seria bem mais patriótico enaltecer os actos, como exemplos, do que pessoas como protagonistas. O que me leva a declarar a minha indignação quando se pretende mandar às urtigas o dia 5 de Outubro – e o seu profundo valor simbólico e civilizacional. Os valores republicanos não podem deixar de ser lembrados e, mais do que isso, divulgados, cultivados e vivenciados e, para isso, não são precisas condecorações. O próprio 25 de Abril não é mais do que uma expressão, pontual, desses valores. Mas a memória é curta quando a hipocrisia comanda certas vidinhas…

Adiante que se faz tarde.

As comemorações do Dia de Portugal foram, este ano, inuludivelmente marcadas pelas palavras do discurso, adrede proferido, pelo Prof. Doutor António Sampaio da Novoa. Esse discurso, só por si, justificaria as comemorações e, por isso, o venho lembrar sublinhando que deveria ser de leitura obrigatória para todos os cidadãos inquietos com o futuro de Portugal. Eu sei que as “marcelices” de domingo são mais interessantes para tagarelar à segunda-feira, mas nelas as moscas são sempre as mesmas…

Que disse Sampaio de Novoa que justifique esta crónica?

Desde logo algo que justifica não só este escrito, mas todas as conversas, debates, conferências e demais actos cívicos: “As palavras não mudam a realidade. Mas ajudam-nos a pensar, a conversar, a tomar consciência. E a consciência, essa sim, pode mudar a realidade.

As pessoas precisam de falar, com urgência. Consigo próprias, com os outros, com o seu destino. A claustrofobia democrática é hoje um trágico freio da nossa cidadania.

Os políticos falam entre si excluindo os cidadãos das opções que o país tem de fazer. Vivem em verdadeiro circuito fechado. Estamos de joelhos na austeridade cívica que nos agrilhoa e não conseguimos sequer indignarmo-nos. Talvez esteja a crescer dentro de nós o fim e muitos tenham já desistido de viver. Mas tomar consciência de nós, dos outros e das relações em que nos encontramos tem de ser o caminho.

Depois, além de muito mais a reler, o Prof. Sampaio da Novoa acrescentou que “A arrogância do pensamento inevitável é o contrário da liberdade.”.

Estamos esclarecidos, professor. Por mim já há muito que reconheci que vivo num sítio onde existiu liberdade mas, hoje, apenas há uma “liberdadezita” formal, controlada pela “troika” e aceite, a contragosto, pelos altos dignatários de um neoliberalismo selvagem (Manuela Ferreira Leite, Rui Rio e tantos outros).

Obrigado pela sua lição. Valeu mais do que mil condecorações. Julguei que estava só na prisão deste tempo austero.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

PORTUGAL, SA

Levem, levem todos, isto não custa nada, é dinheiro do Estado!

Isto a que se chama Portugal já não é um país, muito menos uma nação, quase já não é um Estado. É, a muitos títulos e crescentemente, uma sociedade comercial.

Uma sociedade anónima.
Integra-se numa “holding”, em desagregação, que tem a denominação de União Europeia.

Os donos do capital dessa sociedade não têm nome na sua maioria (as acções são ao portador) e na assembleia geral apenas estão presentes uns insignificantes, pequenos accionistas sem qualquer poder de decisão que imitam a decisão de outros. Os outros órgãos sociais, em geral, são integrados por uns homúnculos, serventuários, atentos e obrigados, de poderes obscuros, obscenos e não eleitos.

Esclareça-se a metáfora.

Temos formalmente um Governo apenas vagamente, de resto, resultante da vontade dos portugueses (os insignificantes accionistas). Funciona, na realidade, pouco mais do que como uma qualquer “escola de negócios” onde uns preparam o futuro e outros, menos discretos, vão  desviando, para os seus bolsos (gabinetes vários, consultorias…), os lucros que haveriam de ser dos accionistas, ou antecipam-nos, mesmo, para os amigos (as parcerias público-privadas, p. ex.) – que os hão-de retribuir com juros altos quando aqueles deixam o palco. Espertos que sempre foram – de outro modo não tinham lá chegado – mantêm os seus negócios privados. Uns através de testas de ferro provisórios, outros, mais descaradamente, acumulando com a sua tradicional actividade lucrativa: são os governantes em part-time colhendo o melhor dos dois mundos.

Dinheiro público para fazer fortunas privadas.

Impunidade judicial quase total.

A corrupção no mais alto nível com o beneplácito dos partidos – a mais frequentada, aliás, escola da corrupção.

Levem, levem todos, isto não custa nada, é dinheiro do Estado!

Austeridade? Sim, para os que apenas dispõem da sua força de trabalho para vender. Tendo cortado nos salários dos trabalhadores da administração pública (incluindo os subsídios de férias e de Natal) – os outros trabalhadores não devem esperar melhor sorte no futuro próximo – com isso se desrespeitaram obrigações contratualmente assumidas. Inconstitucional? Claro que não, dizem os que, (des)governando este rectângulo a mando de terceiros, pouco mais sabem do que uma rudimentar tabuada. Mas quanto a cortes nos pagamentos da Fazenda Pública aos oportunistas da banca, da construção civil e do imobiliário que desgraçaram, para muitos, muitos anos, as contas cá da terra, isso já será absolutamente inconstitucional. É que estes contratos (nomeadamente os relativos às parcerias público-privadas) tem de ser cumpridos! Seria inconstitucional reduzir os valores a pagar a essa gente…

Temos o direito de nos interrogar. Para que serva, para que vai o nosso dinheiro, o dos impostos? Urge que as pessoas sérias deste país – e ainda são muitas! – peçam contas e exijam que se faça luz sobre o funcionamento de um sistema que autoriza legalmente, ou, pelo menos, consente, a obscena transferência da riqueza pública para alguns privados.

Os favoritos do regime, neste teatro de sombras, em conluio com os que ocupam o poder político privatizam, todos os dias, o que é dos portugueses e vale alguma coisa, enquanto estadualizam (socializam) as perdas. Até quando?

Impera, neste arremedo de democracia em que se vive, sem consequências, um sistema incestuoso onde os poderes políticos – e os que comem à sua mesa, os poderes económico e financeiro, nacionais ou globais – se misturam e misturaram os seus interesses e a sua ganância com os nossos impostos.

A austeridade, a correcção do défice público e o pagamento da dívida do Estado é o outro nome, hoje, para enriquecer, mais ainda, alguns em detrimento de todos.

É porque estamos de joelhos que isto acontece. E não virá muito longe o tempo em que, tudo roubado, os do costume virão gritar a terreiro: a partir de agora é proibido roubar.