quarta-feira, 13 de junho de 2012

FOGE CÃO, QUE TE FAZEM BARÃO! PARA ONDE SE ME FAZEM CONDE?

Os valores republicanos não podem deixar de ser lembrados e, mais do que isso, divulgados, cultivados e vivenciados e, para isso, não são precisas condecorações.

 A tradição manda que os donos do Estado assumam o folclore de festejar algumas datas históricas, como foi recentemente o caso do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Também, a nível local, se não existem inventam-se dias disto e daquilo.

Em geral, nessas ocasiões, a “corte”, engalanada, aproveita para conceder certas honrarias, sobretudo aos que a serviram ou lhe foram, em algum momento, úteis. Surgem, então, os célebres “Comendadores”. Sem dúvida alguma há ocasionalmente reconhecimento justo da dedicação ao bem público ou de altas e invulgares qualidades dos que são galardoados. Mas também é verdade que, na generalidade dos casos, o que conta é a dialéctica amigo-inimigo e os favores que é preciso pagar. Cavaco não esquece… como Salazar e outros não esqueciam.

Tenho a tendência para, nesses momentos “patrióticos”, olhar mais para os que são esquecidos do que para os que são lembrados. De resto, por vezes, tenho vergonha de o meu país condecorar apenas aparências e o luxo e o lixo da comunidade. Não refiro nomes, porque todos os conhecemos. Alvitro, porém, uma outra possibilidade às generosas regras vigentes de atribuição de dignidades: que só a Assembleia da República, por maioria qualificada, seja titular do direito de premiar os melhores. E, a propósito, seria bem mais patriótico enaltecer os actos, como exemplos, do que pessoas como protagonistas. O que me leva a declarar a minha indignação quando se pretende mandar às urtigas o dia 5 de Outubro – e o seu profundo valor simbólico e civilizacional. Os valores republicanos não podem deixar de ser lembrados e, mais do que isso, divulgados, cultivados e vivenciados e, para isso, não são precisas condecorações. O próprio 25 de Abril não é mais do que uma expressão, pontual, desses valores. Mas a memória é curta quando a hipocrisia comanda certas vidinhas…

Adiante que se faz tarde.

As comemorações do Dia de Portugal foram, este ano, inuludivelmente marcadas pelas palavras do discurso, adrede proferido, pelo Prof. Doutor António Sampaio da Novoa. Esse discurso, só por si, justificaria as comemorações e, por isso, o venho lembrar sublinhando que deveria ser de leitura obrigatória para todos os cidadãos inquietos com o futuro de Portugal. Eu sei que as “marcelices” de domingo são mais interessantes para tagarelar à segunda-feira, mas nelas as moscas são sempre as mesmas…

Que disse Sampaio de Novoa que justifique esta crónica?

Desde logo algo que justifica não só este escrito, mas todas as conversas, debates, conferências e demais actos cívicos: “As palavras não mudam a realidade. Mas ajudam-nos a pensar, a conversar, a tomar consciência. E a consciência, essa sim, pode mudar a realidade.

As pessoas precisam de falar, com urgência. Consigo próprias, com os outros, com o seu destino. A claustrofobia democrática é hoje um trágico freio da nossa cidadania.

Os políticos falam entre si excluindo os cidadãos das opções que o país tem de fazer. Vivem em verdadeiro circuito fechado. Estamos de joelhos na austeridade cívica que nos agrilhoa e não conseguimos sequer indignarmo-nos. Talvez esteja a crescer dentro de nós o fim e muitos tenham já desistido de viver. Mas tomar consciência de nós, dos outros e das relações em que nos encontramos tem de ser o caminho.

Depois, além de muito mais a reler, o Prof. Sampaio da Novoa acrescentou que “A arrogância do pensamento inevitável é o contrário da liberdade.”.

Estamos esclarecidos, professor. Por mim já há muito que reconheci que vivo num sítio onde existiu liberdade mas, hoje, apenas há uma “liberdadezita” formal, controlada pela “troika” e aceite, a contragosto, pelos altos dignatários de um neoliberalismo selvagem (Manuela Ferreira Leite, Rui Rio e tantos outros).

Obrigado pela sua lição. Valeu mais do que mil condecorações. Julguei que estava só na prisão deste tempo austero.

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