Os valores
republicanos não podem deixar de ser lembrados e, mais do que isso, divulgados,
cultivados e vivenciados e, para isso, não são precisas condecorações.
Em geral, nessas ocasiões, a “corte”,
engalanada, aproveita para conceder certas honrarias, sobretudo aos que a
serviram ou lhe foram, em algum momento, úteis. Surgem, então, os célebres
“Comendadores”. Sem dúvida alguma há ocasionalmente reconhecimento justo da
dedicação ao bem público ou de altas e invulgares qualidades dos que são
galardoados. Mas também é verdade que, na generalidade dos casos, o que conta é
a dialéctica amigo-inimigo e os favores que é preciso pagar. Cavaco não esquece…
como Salazar e outros não esqueciam.
Tenho a tendência para, nesses momentos
“patrióticos”, olhar mais para os que são esquecidos do que para os que são
lembrados. De resto, por vezes, tenho vergonha de o meu país condecorar apenas
aparências e o luxo e o lixo da comunidade. Não refiro nomes, porque todos os
conhecemos. Alvitro, porém, uma outra possibilidade às generosas regras
vigentes de atribuição de dignidades: que só a Assembleia da República, por
maioria qualificada, seja titular do direito de premiar os melhores. E, a
propósito, seria bem mais patriótico enaltecer os actos, como exemplos, do que
pessoas como protagonistas. O que me leva a declarar a minha indignação quando
se pretende mandar às urtigas o dia 5 de Outubro – e o seu profundo valor
simbólico e civilizacional. Os valores republicanos não podem deixar de ser
lembrados e, mais do que isso, divulgados, cultivados e vivenciados e, para
isso, não são precisas condecorações. O próprio 25 de Abril não é mais do que
uma expressão, pontual, desses valores. Mas a memória é curta quando a hipocrisia
comanda certas vidinhas…
Adiante que se faz tarde.
As comemorações do Dia de Portugal foram,
este ano, inuludivelmente marcadas pelas palavras do discurso, adrede
proferido, pelo Prof. Doutor António Sampaio da Novoa. Esse discurso, só por
si, justificaria as comemorações e, por isso, o venho lembrar sublinhando que
deveria ser de leitura obrigatória para todos os cidadãos inquietos com o
futuro de Portugal. Eu sei que as “marcelices” de domingo são mais
interessantes para tagarelar à segunda-feira, mas nelas as moscas são sempre as
mesmas…
Que disse Sampaio de Novoa que justifique
esta crónica?
Desde logo algo que justifica não só este
escrito, mas todas as conversas, debates, conferências e demais actos cívicos:
“As palavras não mudam a realidade. Mas ajudam-nos a pensar, a conversar, a
tomar consciência. E a consciência, essa sim, pode mudar a realidade.
As pessoas precisam de falar, com urgência.
Consigo próprias, com os outros, com o seu destino. A claustrofobia democrática
é hoje um trágico freio da nossa cidadania.
Os políticos falam entre si excluindo os
cidadãos das opções que o país tem de fazer. Vivem em verdadeiro circuito
fechado. Estamos de joelhos na austeridade cívica que nos agrilhoa e não
conseguimos sequer indignarmo-nos. Talvez esteja a crescer dentro de nós o fim
e muitos tenham já desistido de viver. Mas tomar consciência de nós, dos outros
e das relações em que nos encontramos tem de ser o caminho.
Depois, além de muito mais a reler, o
Prof. Sampaio da Novoa acrescentou que “A arrogância do pensamento
inevitável é o contrário da liberdade.”.
Estamos esclarecidos, professor. Por mim
já há muito que reconheci que vivo num sítio onde existiu liberdade mas, hoje,
apenas há uma “liberdadezita” formal, controlada pela “troika” e aceite, a
contragosto, pelos altos dignatários de um neoliberalismo selvagem (Manuela
Ferreira Leite, Rui Rio e tantos outros).
Obrigado pela sua lição. Valeu mais do que
mil condecorações. Julguei que estava só na prisão deste tempo austero.
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