Está na hora de parar este processo, ou
morremos da cura, sem proveito,nem honra nem dignidade.
A austeridade não vem na Bíblia, ao menos enquanto punição. É uma
construção do homem, contra o homem. A penitência, essa, vem – metanóia – no
sentido de mudança de vida, proveniente do interior do homem, ainda que com
rituais exteriorizáveis. “O significado actual da austeridade é, portanto, –
afirma António Casimiro Ferreira – o de um modelo político-económico punitivo
em relação aos indivíduos, orientado pela crença de que os excessos do passado
devem ser reparados pelo sacrifício presente e futuro (…).” (cfr. António
Casimiro Ferreira, “Sociedade da austeridade e Direito do Trabalho de exceção”). Ponto
é que poderá tornar-se silenciosamente numa doutrina política que vem para
ficar.
A austeridade é uma armadilha, assente numa ética, cínica, que nos aproxima
mais das portas da morte social e cívica. Entretanto a via sacra dos
trabalhadores agrava-se dolorosamente numa agonia cintilante em que deixamos de
amar o que somos (conquistamos) para nos perguntarmos como sobreviver sem nos
petrificarmos. É o que neste momento ocorre no pensamento de muitos, quando
profundas alterações ao Código do Trabalho vem desvalorizar e tirar sentido ao
trabalho.
Como processo tido por inevitável, a austeridade também vem arrastando a
sociedade para crescentes níveis de desigualdade, atirando mais cidadãos para a
valeta, minando os alicerces da coesão social e, sobretudo, a democracia. Uma instância
longínqua, indefinida, serve-lhe de eixo e pretende dar-lhe coerência por
interposta pessoa. A política de austeridade age como um “significante”
despótico (José Gil) arrastando consigo tudo e (quase) todos, deixando um
lastro de medo e angustia. Outros horizontes de vida caem por terra, as
energias desfalecem, o pensamento atrofia-se e nada parece já valer a pena.
Pendurado
na austeridade e à bolina da “Troika”, o Estado está a tornar-se incontrolável
como o monstro bíblico de que fala o livro de Job “não há poder sobre a terra que lhe possa ser comparável”. É o
LEVIATHAN de que também Hobbes se ocupou no seu pensamento deixando-nos a
figura do Estado-Leviathan. Este Estado visa a austeridade absoluta que pretensamente
salvará os homens e a que, por isso, os homens se têm de subjugar.
Não
estaremos já neste horizonte dramático em Portugal? Cada vez mais cidadãos me
procuram, no meu gabinete ou na rua, insurgindo-se e pedindo ajuda para os
defender de actos atrabiliários da administração pública: penhoras ilegais,
perda de documentos e de processos judiciais e administrativos, intimações
agressivas para pagar dívidas, autismo total perante pretensões apresentadas a
quem de direito, exigência de taxas e de impostos já pagos, dilação
insuportável na concessão de direitos que a lei confere, etc.
Para
o Estado vale tudo, não há limites para arrecadar dinheiro até já onde só existe
miséria. E qualquer modo de actuação lhe serve, mesmo com desrespeito das
garantias constitucionais dos cidadãos. Mas quando é para pagar o que deve – e
deve muito e muitas empresas e cidadãos – afirma a sua sobranceria absolutista
e assobia para o lado.
O
Direito é cada vez mais dual. Um para o
Estado (e os seus poderosos acólitos) e outro para o comum dos cidadãos. E,
pior do que isso, o Estado – enquanto provedor da justiça (das condições e
meios para a sua aplicação) – tem também dois pesos e duas medidas. Reforçar a
peso de ouro a administração fiscal e esvazia de meios os tribunais e até os elimina
do mapa judiciário, isto é, para se alimentar o monstro (lembra-se Prof.
Cavaco?) há meios sem fim e até prazos antecipados; para cumprir obrigações
legais face aos cidadãos, o Estado retira meios aos Tribunais. Um simples exemplo:
as novas leis laborais vão conceder inúmeros novos poderes aos empregadores,
mas sempre sob controlo judicial. Só de que nada vale tal controlo judicial
quando os Tribunais do Trabalho não funcionam, como se sabe.
Em
Portugal, 2012, o monstro que é o Estado conseguiu o que era impensável: ter,
simultaneamente, sol na eira e chuva no nabal.
Está
na hora de parar este processo, ou morremos da cura, sem proveito, nem honra
nem dignidade. Apenas escravos.
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