quinta-feira, 21 de junho de 2012

NO REINO DA AUSTERIDADE DESPÓTICA


Está na hora de parar este processo, ou morremos da cura, sem proveito,nem honra nem dignidade.

A austeridade não vem na Bíblia, ao menos enquanto punição. É uma construção do homem, contra o homem. A penitência, essa, vem – metanóia – no sentido de mudança de vida, proveniente do interior do homem, ainda que com rituais exteriorizáveis. “O significado actual da austeridade é, portanto, – afirma António Casimiro Ferreira – o de um modelo político-económico punitivo em relação aos indivíduos, orientado pela crença de que os excessos do passado devem ser reparados pelo sacrifício presente e futuro (…).” (cfr. António Casimiro Ferreira, Sociedade da austeridade e Direito do Trabalho de exceção”). Ponto é que poderá tornar-se silenciosamente numa doutrina política que vem para ficar.

A austeridade é uma armadilha, assente numa ética, cínica, que nos aproxima mais das portas da morte social e cívica. Entretanto a via sacra dos trabalhadores agrava-se dolorosamente numa agonia cintilante em que deixamos de amar o que somos (conquistamos) para nos perguntarmos como sobreviver sem nos petrificarmos. É o que neste momento ocorre no pensamento de muitos, quando profundas alterações ao Código do Trabalho vem desvalorizar e tirar sentido ao trabalho.

Como processo tido por inevitável, a austeridade também vem arrastando a sociedade para crescentes níveis de desigualdade, atirando mais cidadãos para a valeta, minando os alicerces da coesão social e, sobretudo, a democracia. Uma instância longínqua, indefinida, serve-lhe de eixo e pretende dar-lhe coerência por interposta pessoa. A política de austeridade age como um “significante” despótico (José Gil) arrastando consigo tudo e (quase) todos, deixando um lastro de medo e angustia. Outros horizontes de vida caem por terra, as energias desfalecem, o pensamento atrofia-se e nada parece já valer a pena.

Pendurado na austeridade e à bolina da “Troika”, o Estado está a tornar-se incontrolável como o monstro bíblico de que fala o livro de Job “não há poder sobre a terra que lhe possa ser comparável”. É o LEVIATHAN de que também Hobbes se ocupou no seu pensamento deixando-nos a figura do Estado-Leviathan. Este Estado visa a austeridade absoluta que pretensamente salvará os homens e a que, por isso, os homens se têm de subjugar.

Não estaremos já neste horizonte dramático em Portugal? Cada vez mais cidadãos me procuram, no meu gabinete ou na rua, insurgindo-se e pedindo ajuda para os defender de actos atrabiliários da administração pública: penhoras ilegais, perda de documentos e de processos judiciais e administrativos, intimações agressivas para pagar dívidas, autismo total perante pretensões apresentadas a quem de direito, exigência de taxas e de impostos já pagos, dilação insuportável na concessão de direitos que a lei confere, etc.

Para o Estado vale tudo, não há limites para arrecadar dinheiro até já onde só existe miséria. E qualquer modo de actuação lhe serve, mesmo com desrespeito das garantias constitucionais dos cidadãos. Mas quando é para pagar o que deve – e deve muito e muitas empresas e cidadãos – afirma a sua sobranceria absolutista e assobia para o lado.

O Direito é cada vez mais dual. Um para  o Estado (e os seus poderosos acólitos) e outro para o comum dos cidadãos. E, pior do que isso, o Estado – enquanto provedor da justiça (das condições e meios para a sua aplicação) – tem também dois pesos e duas medidas. Reforçar a peso de ouro a administração fiscal e esvazia de meios os tribunais e até os elimina do mapa judiciário, isto é, para se alimentar o monstro (lembra-se Prof. Cavaco?) há meios sem fim e até prazos antecipados; para cumprir obrigações legais face aos cidadãos, o Estado retira meios aos Tribunais. Um simples exemplo: as novas leis laborais vão conceder inúmeros novos poderes aos empregadores, mas sempre sob controlo judicial. Só de que nada vale tal controlo judicial quando os Tribunais do Trabalho não funcionam, como se sabe.

Em Portugal, 2012, o monstro que é o Estado conseguiu o que era impensável: ter, simultaneamente, sol na eira e chuva no nabal.

Está na hora de parar este processo, ou morremos da cura, sem proveito, nem honra nem dignidade. Apenas escravos.

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