As reformas contra o trabalho são armas
prontas a disparar contra a dignidade humana.
Neste início do
mês de agosto de 2012, a sociedade portuguesa viu-se confrontada com profundas
alterações no sistema de relações laborais face à entrada em vigor de um novo código do trabalho
- e digo novo não pela quantidade de alterações que traz, mas pela mudança
estrutural, ideológica, que encerra.
Alguns
atiraram-se logo à decifração das novidades da lei deixando de lado a análise e
a explicação dos seus motivos, com o que apenas olharam para a “vidinha”, como
habitualmente. Dizem a cor dos relâmpagos e a intensidade dos trovões, mas
ignoram as causas da tempestade. E, por isso, como será (ou não) possível
alcançar a bonança. Não vou, naturalmente, por aí neste breve escrito. Convido,
pelo contrário, o leitor a uma reflexão menos superficial, ainda que considere
relevante a que procura “dizer” a lei.
O novo código
emerge num tempo em que a democracia em Portugal está suspensa. Cumpre - um governo
baseado em eleições - um programa estabelecido e imposto por uma ditadura
financeira não eleita. Diz-se que se trata de austeridade, mas tudo o que se
vai passando não é, senão, a punição de uma nação inteira em benefício de uns
poucos (também portugueses para nossa vergonha). “Quem não tem dinheiro, não tem vícios “,
repetem eles ao sangrar este país (e outros) convictos de que a democracia é um
pechisbeque para ricos.
O novo código
está profundamente marcado por uma orientação ideológica neoliberal. Parte do
princípio de que a flexibilidade (descontrolada) é imprescindível à eficiência
económica e à competitividade da economia que a regulamentação (rigidez,
diz-se) do mercado de trabalho não permitiria.
O novo código
leva indiscriminadamente à individualização das situações de trabalho e
desestrutura a negociação coletiva. A ideia de “trabalho decente” com
estabilidade e segurança mínimos acabou.
De resto também
o valor do trabalho se esvai considerado, outra vez, uma mercadoria como outra
qualquer num mercado desregulamentado. Os trabalhadores perdem muito, mas os
empregadores nacionais não vão ganhar nada, salvo alguns daqueles que estão
sentados à mesa do Orçamento do Estado, do lado dos políticos do costume (que
cada vez se vai descobrindo que são mais… e ainda a procissão está no adro) e
desfrutando do suave perfume da corrupção legalizada.
O novo código do
trabalho alicerça-se no medo que invade os portugueses. Medo de perder o
emprego, de perder um qualquer (formal) subsídio de sobrevivência, medo de mais
um corte na retribuição devida pelo trabalho, medo de perder a saúde, medo de
ter medo, também. O medo cria as condições para emergir um certo tipo de
sociedade ( como proteção contra o medo, diz quem manda) com cidadãos anestesiados e indefesos face à
manipulação política. O medo reinante, hoje, é o mais apto instrumento de
tutela da sociedade com vista a amordaçar a liberdade.
O novo código do
trabalho é um castigo para os trabalhadores sob a forma misteriosa de uma austeridade
que uns patetas pretendem salvífica e outros, proxenetas políticos, assumem
como o nosso destino. Enquanto a atividade politica partidária for vivida como
um mero negócio desenvolvido por “ comerciantes” que nunca tiveram de lutar por
nada na vida a não ser lugares ao sol do poder, não morreremos mas também não
passaremos deste estado de coma em que nos encontramos.
Poderemos ser
pobres, mas não temos de abdicar da dignidade.
As reformas
laborais recentes são contra o trabalho, são armas prontas a disparar contra a
dignidade humana. E não esqueçamos que trabalhadores somos, fomos ou seremos
todos nós.
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