quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

CRI(S)E

Deixemos a crise em paz e vamos ao trabalho que faz o Homem, mais do que o Homem o faz a ele.

Começar o ano a falar de crise não parece ser o melhor caminho… a não ser que seja para ajudar a desconstruir o oportunismo e a mentira que diafanamente envolve o conceito.


Por isso – e para isso – dei a esta crónica o título CRI(S)E, com o S entre parêntesis, o que dá CRIE. Não é nada de original, mas poderá ser uma forma de pegar na crise e esconjurá-la. Da palavra crise temos que passar ao verbo criar (crie).


Desde logo uma outra mentalidade, criativa e positiva, o que não depende senão da nossa imaginação. Suscitar reflexões, depois, e criar novas ideias, conceitos e doutrinas para um outro, novo mundo, no qual, porventura, já teremos os pés, mesmo sem a consciência disso. Deixar os lugares de conforto, velhos privilégios e inércias de décadas, e ir à luta, também é preciso.


A mudança é a lei da vida. Aqueles que ficarem a olhar para o passado ou o presente, vão perder o futuro. Não podemos ignorar que, sob o nosso olhar, se desenrola, acelerada pelas crises da primeira década deste milénio, uma profunda transformação do mundo e que a procura de novas formas, regras e princípios – também uma nova linguagem jurídica – é uma ambição cada vez mais acentuada, designadamente pelos que não queiram naufragar pela desadaptação à revolução silenciosa em curso, mas, ao contrário, desejem acompanhar a evolução do modo da vida e a reorganização das categorias básicas que estiveram na base do ainda recente estado de bem estar. Procurar caminhos para adaptar, renovar, reinventar, porventura, os nossos comportamentos é urgente, sendo que devemos estar precavidos para aquilo a que Gilles Lipovetsky chamou “o império do efémero” e “a apoteose do presente social”, que o exprime, sob pena de se perder o melhor do passado e nada a ganhar no futuro.


Há um mundo e um modo de vida que está posto definitivamente em causa, face a “coisas novas” que nos desafiam, tais como a globalização, a “sociedade de risco”, as mudanças tecnológicas, a pluriformidade, ou as questões demográficas e económico-financeiras, entre outras. Não vale a pena escamotear a realidade.


Perguntar-se-á, porém, como poderá um pretensamente pequeno, frágil e periférico país rumar para um outro e melhor estar. Mas quem provou já que aquelas afirmações são verdadeiras e, sobretudo, inexoráveis?


Seria bom que, neste ano em que Cassandras várias anunciam o tempo de todos os demónios, tivéssemos a luz suficientemente para percebermos que este nosso país tem uma riqueza que nenhum outro mais tem: os portugueses.


Cabe-nos desbravar o futuro e, por aí, só poderemos avançar com o nosso próprio trabalho – decente, justamente remunerado, com assento nos direitos fundamentais da pessoa humana. Quem trabalha com dignidade não precisa de deslocar as suas empresas para a Holanda ou o Luxemburgo, nem de recorrer a paraísos fiscais…


O trabalho é a condição básica e fundamental de toda a vida humana e do seu sucesso, podendo afirmar-se, sem afetar a verdade essencial das coisas, que foi o trabalho que fez, e faz, o próprio Homem. Dele se disse já, também, justamente, que é uma segunda criação, no seio da própria criação ou um fenómeno decisivo na elevação do homem acima da mera animalidade. O trabalho, nas palavras de Mazeaud, é o destino da condição humana, desde que o homem foi expulso do paraíso.


As crises só se vencem pelo trabalho. Sem trabalho, toda a vida apodrece. Mas, em trabalho sem alma, a vida sufoca e morre, conforme escreveu Albert Camus.


Deixemos, pois, a crise em paz e vamos ao trabalho que faz o Homem, mais do que o Homem o faz a ele.

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