A crise que o mundo é uma crise da humanidade que não consegue humanizar-se.
Pouco sabemos, na verdade e com inteira verdade, sobre o que se passa neste mundo líquido em que se traduz o nosso tempo. A distância entre a consciencialização do sentido e significado dos sucessivos eventos e estes existe com crescente e dramática dimensão.
Só percebemos, geralmente, o que vai na espuma dos dias e, daí, a dificuldade em pensar para além do presente. Mas tal nunca foi, talvez, tão necessário como hoje.
Na verdade, interrogamo-nos sobre problemas ligados à saúde (taxas moderadoras, ou outros) e dos políticos e governantes vem uma resposta assente apenas na tabuada; queremos saber do abono de família ou da pensão social e lá vem outra vez a tabuada; os desempregados procuram trabalho e, de novo, a resposta vem da tabuada. E este rosário continuaria sem fim neste país exangue com um Estado a caminhar, a passos largos, para se tornar um Estado falhado e, muitos de nós, meros servos da finança e dos mercados financeiros.
Ninguém, na classe dirigente, política ou não, está a pensar e a decidir o que Portugal será daqui a 10, 20 ou 50 anos. Mas isso é absolutamente necessário se não aceitarmos que as forças do mercado assumam, no seu interesse, a soberania escassa que ainda temos. Se nada for idealizado, planeado, plantado, então é certo que o descalabro continuará até às cinzas e só restará, de um lado, a fortuna extrema de poucos e, do outro, a miséria total de quase todos.
É preciso começar a escrever a história do futuro.
Estamos a virar uma página da história e, porventura, sem disso termos consciência, a ser agentes de transformações socretais de onde há-de surgir uma nova sociedade. Mas o que vai mudando, por vezes sem o contextualizarmos, exprime-se e é marcado por sacrifícios, sofrimento e lágrimas morais e materiais. O tempo do fácil conforto, do consumo ilimitado, das ideias feitas, dos dogmas eternos, da certeza e segurança, de negócios fáceis, de trabalho garantido, de ociosidade paga já acabou e, provavelmente, não mais voltará. Não terá sentido, pois, mesmo neste contexto, que as nossas esperanças, dilaceradas pela dúvida, pelo individualismo e pelo negativismo, não busquem o conforto das grandes certezas.
A crise que o mundo – e não só o nosso país atravessa – é uma crise da humanidade que não consegue humanizar-se.
Apesar de tudo, actualmente, se resumir à tabuada – das imposições da “Troika” à insensibilidade humanista do governo – nós pudemos acender uma luz ao fundo de um túnel diferente, porém, daquele, vertical, para que certos políticos apontam e nos querem levar.
Já não basta, porém, denunciar. Agora é urgente enunciar e abrir outros caminhos, avançar por outros sítios.
Não vale a pena continuar a martelar-se que tudo é urgente. É preciso saber, já, começar e dar os primeiros passos no sentido de mudar de vida e criar um mundo diferente.
As possibilidades não se encontrarão quando todo o Estado estiver desmantelado, nas mãos dos privados, nacionais ou estrangeiros. Temos de encontrar políticos, governantes ou não, que saibam esclarecidamente que não há reformas políticas sem, antes, haver reforma do pensamento político. A tecnocracia é um conjunto de ferramentas que não vale nada, nem serve para nada se não for guiada pela ideologia, pelo pensamento político oportuno e sagaz.
A maior crise deste tempo é uma crise de pensamento e de valores com sentido para além da conjuntura actual.
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