quinta-feira, 27 de outubro de 2011

QUANDO A CRISE SE AGUDIZA

Os portugueses têm de reagir, de se indignar, de encontrar soluções para sairmos deste inferno.

Até o sol benfazejo, neste tempo de angústias, nos doía. Agora que o clima certo voltou, há, porém, que aprender a viver sob um céu de chumbo em toda a complexidade que a imagem terá para cada um de nós.

Todo o mundo é feito de mudança. Por vezes, mesmo, por meios revolucionários. Alguém já pensou que é isso que poderá estar a gerar-se entre nós e na Europa?.

O medo voltou à cidade e, qual ave de rapina, despedaça-nos. Mas terá inevitavelmente que ir por aí o nosso futuro? Esta questão, que há muito atormenta os nossos espíritos, voltou, há dias, com intensidade a colocar-se-me quando soube que, no Luxemburgo, vai acabar, pura e simplesmente, a taxa moderadora (que é de 2,5 €) no Serviço Nacional de Saúde, bem como cessará uma taxa de crise em vigor desde há algum tempo…

Neste nosso cantinho o pensamento político parece ter parado no tempo e a sociedade civil algures em parte incerta. Os intelectuais, especialmente, parece que já se demitiram do seu dever cívico e, tirando os economistas, que estiveram no itinerário da crise desde o seu início, a acompanham com os mais anedóticos argumentos e nunca a saberão resolver – não tomam posição, não exprimem a sua indignação, não afirmaram um pensamento para sairmos desta situação grave em que nos encontramos.

Estão, nos seus castelos de marfim, a “ver a banda passar”, completamente divorciados da difícil vida dos portugueses e, a sociedade civil, nas suas múltiplas variedades, não parece, senão em pequenas franjas, ter ainda alento para reagir.

Ora o que está a acontecer exige a implicação profunda das elites e de todos os cidadãos, no pensamento e na acção. Às vezes até parece que nos meteram, como a um sapo se faz, numa caldeira de água fria que, a pouco e pouco vai avançando até ferver e, aí, já não há vida.

Os portugueses têm de reagir, de se indignar, de encontrar soluções para sairmos deste inferno. Hoje está tudo, de novo, em causa, não há direitos adquiridos, não há emprego para a vida, não há senão riscos em tudo o que somos e fazemos.

Revisite-se a história, do país e do mundo, sobretudo da Europa, e não nos iludamos por termos vivido sessenta anos recentes de paz. As raízes da guerra, porventura em outros moldes, não foram exterminadas e ninguém sabe quais são actualmente as ambições dos que, nesses tempos, as desencadearam. É que nem só com tanques se conquistam os povos e erigem impérios. Hoje é a finança gananciosa o outro nome das armas de destruição

Urgem análises globais e feitas de vários sítios, alguns, porventura, imprevistos para orientar o nosso destino comum. Para tal, é preciso começar por compreender que, além da crise económica, é todo um mundo que a nossos olhos se está a desagredar. Chegamos, com efeito, a um estado de fragilidade das instituições, das categorias sociais, das hierarquias vindas da velha sociedade industrial. O Estado age menos agora como um árbitro entre grupos de interesses do que como um regulador que defende a sua economia num âmbito de globalização financeira. Como escreveu Alain Touraine, (Après la crise, Paris: Seuil, 2010) a sociedade já não existe. O divórcio entre os actores e o sistema está mais do que nunca consumado. Este autor utiliza o termo de “situação pós-social” para designar tal situação que, na Europa, é emblemática. Tal expressão significa, nomeadamente que, se os actores sociais não desapareceram, deixaram o lugar a outros actores não sociais. O capital financeiro, sobretudo, separou a economia dos outros segmentos da vida social provocando a grande crise que estamos agora a viver. Sobre os fragmentos de um presente em plena decomposição, múltiplos factores nos puxam para duas direcções opostas, que indicam dois tipos de saídas possíveis da crise: de um lado, um reforço das desigualdades e da exclusão social; do outro, a criação de uma vida comum respeitadora da Terra e da subjectividade de cada um de nós.

Cada um de nós vai ter que escolher mais tarde ou mais cedo, o caminho.

Somos todos culpados e vítimas.

1 comentário:

Zé das Esquinas, o Lisboeta disse...

Pois é, somos todos culpados.
Mas a percentagem de culpabilidade não é igual para todos, pois não?
Existem uns que são mais culpados do que outros que apenas nasceram com «o pecado original».
Agora quanto todos sermos vítimas, já é outra estória...
Agora que «isto», mais cedo ou mais tarde, tem de dar uma volta, lá isso tem. E quanto mais tarde for, mais difícil será para todos nós.