quarta-feira, 22 de junho de 2011

A JUSTIÇA DO NOSSO DESCONTENTAMENTO

É urgente parar e pensar, olhar a justiça de outros, novos sítios, “ir para além das fachadas” e das evidências do senso comum, e das pretensas verdades feitas e acriticamente repetidas.


Múltiplas questões ligadas à Justiça são fonte de preocupação para os portugueses e, vistas no plano internacional, como causa, mesmo, de dificuldades para a actividade económica, nomeadamente o investimento estrangeiro.


E, como uma desgraça nunca vem só, fomos confrontados agora com a gravíssima polémica relativa aos auditores do Centro de Estudos Judiciários – futuros magistrados – apanhados a copiar ao prestarem provas de aferição de conhecimentos com o que a decadência do sistema de justiça se anuncia ainda mais negra.


Um magistrado, seja Juiz ou Procurador, não é só alguém que domina a técnica de interpretação e aplicação das leis. Para isso bastará, de resto, em breve, um simples computador. À arte da profissão terá necessariamente de aliar muita prudência, qualidades éticas, honestidade irrepreensível e, também, grande experiência de vida. Caso contrário não prestam.


Este episódio triste – e que, estou certo, tem precedentes – vem, também, demonstrar que os problemas maiores da justiça não relevam apenas da falta de verbas no respectivo orçamento mas, sobretudo, da raridade de homens e de mulheres em toda a dimensão da palavra.


Hoje, a luta pela sobrevivência atinge espaços indizíveis e deixa de rastos os mais elementares valores de uma civilização. Quando atinge, porém, os membros futuros de um órgão de soberania – os tribunais – a incapacidade permanente de sanear o sistema evidencia o quanto a degenerescência ética já atingiu a nossa sociedade mercantilizando até a justiça. E o mal já vem de há muito, neste aspecto, ao que não é alheio o facto de a lei permitir brincadeiras sindicalistas também a titulares de órgãos de soberania, o que me faz vir à memória uma rábula magnífica, protagonizada por Ivone Silva, já lá vão muitos anos, em que discutia consigo própria ora como “Olívia patroa”, ora como “Olívia costureira”…


Num tempo caracterizado por um crescente protagonismo social e político dos tribunais e dada a sua inegável centralidade na consolidação do sistema democrático é urgente parar e pensar, olhar a justiça de outros, novos sítios, “ir para além das fachadas” e das evidências do senso comum, e das pretensas verdades feitas e acriticamente repetidas.


Os tribunais, em Portugal, vivem, ainda, em situação de opacidade funcional e institucional inaceitáveis. Tal foi, de resto, reconhecido em estudo profundo coordenado pelo Prof. Boaventura Sousa Santos e do qual resultou um livro incontornável: Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas – o caso português (ed. Afrontamento, 1996). E, neste contexto, muitos Juízes e Procuradores, normalmente os mais incapazes, tratam a Justiça como proprietários de um quintal que é só deles e onde, por isso, agem a seu bel prazer desprestigiando, frequentemente, outros actores judiciários, como os advogados, e, também, menorizando os cidadãos que recorrem à Justiça ou a ela são chamados em diferentes qualidades.


São reconhecidamente necessárias reformas estruturais no sistema de justiça, decerto para aumentar a sua eficiência e eficácia mas, mais que tudo, a sua qualidade e transparência.


A questão dos auditores do CEJ acima aflorada tem a ver com a qualidade dos servidores da Justiça. Quem mais de perto vive o quotidiano dos tribunais sabe como são dramáticos os problemas relacionados com a formação, frágil, dos magistrados, disfarçada, tantas vezes, em arrogância desmedida.


Se ainda resta alguma coragem a quem tem responsabilidades funcionais ou políticas e, também, um mínimo de ética de responsabilidade, a desonestidade desses auditores tem de ser exemplarmente punida. Eles demonstraram – os que comprovadamente copiaram – que não tem raízes para crescerem como cidadãos acima de qualquer suspeita, quanto mais para serem magistrados judiciais.


A Justiça só tem sentido enquanto for um serviço do Estado em benefício dos cidadãos e não um qualquer poder majestático que vive fechado em si, irresponsável, e onde tudo vale.

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