quinta-feira, 3 de março de 2011

TENHO MEDO…

Hoje o sentimento mais generalizado entre nós é o que exprimo assim:
“Tenho medo de ter fome”.


A atualidade pode – e tem sido caraterizada – como afundada numa “sociedade de risco”, no que vai a ideia de que já nada está garantido, nem é seguro. A este propósito refere-se Ulrich Beck à “La irresponsabilidad organizada” (http://inicia.es/de/cgarciam/Beck01.htm) em artigo recente e, em geral, em toda a sua opulenta obra, sobretudo a partir dos anos oitenta do passado século.
Se assim for, não alcançaremos, decerto, lenitivo para o que vivemos mas, porventura, uma melhor compreensão do quotidiano neste nosso país cada vez mais na periferia de tudo.

As notícias que chegam em catadupa da “frente” não são, obviamente, boas e não se antevé um destino para o futuro, ao menos comandado por nós, portugueses.

Lá fora, andamos, andrajosos, a fazer figura de mendigos em busca de mais uns milhões para enganar a nossa crónica doença. E aí vale tudo: do pior ditador ao mais perigoso amigo, tudo o que vier à rede é peixe. Assim, ajoelhar perante a Sr.ª Merkel é, até, dos atos menos indignos patrioticamente, pois bem sabemos que, também, outros, da UE lhe estendem recorrentemente a mão, atenta e obrigada… até à próxima calamidade. (Como é curta a memória dos povos!)

Cá dentro, já há muito que afivelamos o traje de serviçais e de mordomos ao serviço de qualquer turista de pé descalço ou de anafado pseudo investidor ou comprador dos nossos parcos e últimos anéis. Somos já pouco mais do que uns trintanários do século XXI e, com a crescente emigração da juventude mais preparada para outras paragens, é fácil de prever o que nos espera daqui a uns anos.

Mas voltamos à insegurança.

Ao nosso redor vemos abaterem-se símbolos culturais que marcaram a identidade do país e regredir um Estado Social que, construído a golpes de bravura, pouco mais tem do que trinta anos, enquanto os poderes ora usam (e abusam) dos seus poderes, ora evidenciam a mais dramática impotência para alterar o estado da crise pública e o itinerário para a fatalidade.

Os medos que nos assolam crescem todos os dias. O medo de perder o emprego, de cair na valeta da sociedade por falta de apoios sociais públicos cada vez mais rarafeitos, de perder a saúde e não ter o necessário apoio de um sistema de saúde, de envelhecer e ser arrumado num qualquer “armazém” de idosos até apodrecer – e tantos outros. Estes são medos nossos, que estão ao nosso lado quotidianamente, e não aqueloutros que afetam toda a humanidade, como o terrorismo.

Não longe, na história, gritava-se “Tenho fome”. Era o tempo da proletarização de massas imensas de trabalhadores explorados por um patronato esclavagista e sem ética, pois. Hoje, sem que se tenha arredado, de vez, a fome e a miséria do nosso mundo global, ou local, o grito mais lancinante, porventura surdo, é outro: “Tenho medo”. Ou, então, aproximando, com muita verdade, creio, tais momentos, hoje o sentimento mais generalizado entre nós é o que exprimo assim: “Tenho medo de ter fome”.

Caminhamos para uma verdadeira “economia de guerra” apesar dos boatos que alguns pardais lançam do cimo da sua prepotência. O novo sistema político, judicial, de saúde, de educação, tanto quanto a economia e as finanças, públicas e privadas, ainda vivem na ilusão de um certo Estado-providência – a expressão patológica do Estado Social. O que se considera politicamente correto é afastar a hipótese de catástrofe, mas o que mandaria o bom senso seria preparar os portugueses para vencer a crise com instrumentos culturais e políticos novos.

A insegurança é o outro nome da atual democracia, designadamente.

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