quarta-feira, 5 de maio de 2010

CARPIDEIRAS

Há pessoas que não têm o direito de criticar tudo e não apresentar alternativas;
que não têm o direito de não dizer a verdade por inteiro
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Por estes dias o Presidente da República vai receber um conjunto de personalidades da vida pública, ex-ministros das finanças, que lhe irão transmitir a sua posição crítica relativamente à governação do país, nomeadamente quanto à concretização de grandes obras públicas (alta velocidade, novo aeroporto e terceira travessia do Tejo, sobretudo). Ao que se sabe, invocam que a situação das contas públicas, tanto quanto a economia do país, não consentem o que eles qualificam como investimentos megalómanos.

É manifesto e notório que, ao recebê-los, o Presidente da República consente que, sobre as ideias que professam, incidam, com inusitado fulgor, os holofotes da comunicação social, com todas as consequência que daí normalmente resultam. Ou seja, sobrevalorize a posição de meia dúzia de ilustres economistas, em audiência presidencial sem direito a contraditório, não ignorando que a posição do Governo legítimo do país é outra.

Há que respeitar, sem dúvida, tão avalizadas opiniões – o que não impede que se descortine neste movimento também algum despeito e, porventura, tendências hipocondríacas de “Velhos do Restelo”. Invocam o seu passado mais ou menos ilustre, mas não se lhes conhece um projecto político alternativo para Portugal. Que me perdoem, mas fazem-me lembrar a “Brigada do reumático”, de triste memória, que apoiou, em seu tempo, o marcelismo já em fase de agonia… ou aquele anúncio que anda por aí e que diz, mais ou menos, assim: sou carpideira, a minha função é chorar nos funerais (e continua, promovendo a venda de certa água mineral).

Vale isto por dizer que, de tão insignes políticos, não era de esperar tão deslustrante pressão sobre um órgão de soberania que, aliás, ao acolhe-los, se torna seu cúmplice. E com isto não vai a mínima crítica a qualquer atitude que a sociedade civil entende tomar. Bem pelo contrário, estou inequivocamente ao lado daquele pensamento de Edmund Burke que vem citado por Dahrendorf (Reflexões sobre a Revolução na Europa, 1990) e em que afirma ser “(…) Alguém que, quando o equilíbrio da embarcação em que viaja se encontra ameaçado por sobrecarga de um dos lados, procura transportar o pequeno peso dos seus argumentos para o lado que possa preservar o equilíbrio”.

A questão aqui é que não consigo compreender o relevo que é dado àquelas personalidades que, por muito que saibam não são pitonisas e, por mais que queiram, não têm legitimidade democrática para governar. As suas posições não merecem, julgo, uma audiência presidencial num regime democrático. Ou, então, outras correntes de opinião terão de ter igual tratamento. Caso assim se não entenda, concluo, pois, que o Presidente quer governar – não tendo poderes para tal – e que o faz de forma pouco transparente e até desleal.

As razões e argumentos para tão relevante discórdia quanto a grandes investimentos públicos podem ter uma lógica financeira irrepreensível e assento nos melhores tratados de finanças públicas, como idêntico valor poderão ter as teses contrárias. Não será, porém, a poupança que decorre da não realização, eventual, de tais investimentos que resgatará as finanças do Estado. Para tal serão necessários duros cortes na despesa pública e difíceis reduções nos gastos dos cidadãos em geral.

Esta inevitabilidade é, porém, escamoteada pelos ilustres peticionários tanto quanto se percebe pelo que ultimamente tem vindo a lume. Até parece, ao contrário, que a não realização desses investimentos, só por si, faria ocorrer o milagre da regeneração financeira do país!

Não é assim. E eles sabem isso, mas, por razões que só eles conhecem, não o explicitam do modo que, entendo, é seu dever.

Há pessoas que, com efeito, não têm o direito de criticar tudo e não apresentar alternativas; que não têm o direito de não dizer a verdade por inteiro. Entre elas estão indeclinavelmente as ditas personalidades.

À ideia de democracia repugna que uns tirem as castanhas do lume e outros as comam…

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