quarta-feira, 12 de maio de 2010

O RATING DA POLÍTICA

Um dos mais delicados problemas essenciais é que se tem absolutizado
excessivamente o presente e o futuro só serve para amedrontar.


Não dominando as leis da economia, nem as regras do mundo financeiro – como, julgo, ninguém, por mais douto e iluminado que seja, domina, - até porque, fora e para além delas, há outras “leis” que comandam o destino da Humanidade – vejo com perplexidade as posições que alguns “especialistas” na matéria vão tomando, em Portugal, na Europa e, em geral, no mundo no tocante às crises que nos afectam. Com diagnósticos porventura tecnicamente certeiros, ainda que ideologicamente (ou interessadamente) coloridos por muitos matizes quanto às soluções e terapêuticas, vejo que ninguém se entende e a muito custo vão sendo tomadas, ora aqui, ora ali, algumas posições estrategicamente concertadas e aceites, mas quase sempre já à beira do precipício.

A globalização da economia entregou aos senhores da finança o governo do mundo com manifesta desqualificação da Política para agir sobre a sociedade. E, na Europa, é notório, ainda, que o poder de decisão sobre tudo o que mexe está radicado no eixo franco-alemão ao que acresce que, nas nossas democracias, a emoção (o medo) é que, afinal, guia as decisões políticas.

Ora, um dos mais delicados problemas essenciais – e que, nem sempre, ou quase nunca, é compreendido – é que se tem absolutizado excessivamente o presente e o futuro só serve para amedrontar. Mas há, também, o passado a considerar e um outro futuro possível a imaginar e construir. Quando o tempo está fora dos eixos (Shakespeare o disse, em Hamlet, “The time its out of joint”, referindo-se ao contexto de então) há que aumentar o esforço para tentar perceber, em perspectiva, as situações e assumir a grandeza de espírito, intelectual e ética, para encontrar soluções. Em particular na vida política, precisa-se de estadistas, coisa raríssima no tempo que passa.

O rating da Política e dos que dela se ocupam está cada vez pior e, daí decorrente, também a credibilidade da ideia comunitária e as esperanças nela depositadas andam fragilmente pelas ruas da amargura. A Europa não tem líderes à escala europeia, mas meros burocratas anódinos serventes de qualquer interesse; não tem uma ideia mobilizadora dos vários povos europeus cujos governos nacionais nada enxergam para além dos interesses dos seus quintais; a Europa tem medo da sua própria sombra recusando os valores do seu passado comum – não quis uma Constituição mas apenas um “arranjinho” de interesses feudais no âmbito de um projecto minimalista.

Agora sofre-lhe as consequências, humilhantes.

Como escrevia, há dias Thomas Friedman em artigos de opinião, “durante 65 anos a política, no Ocidente [o autor escreve dos EUA] resumiu-se, sobretudo, a dar coisas aos eleitores; agora vai passar a ser sobretudo a actividade de lhes retirar”. Ora, sendo certo que a procissão ainda vai no adro, já se adivinha o cortejo dramático que a acompanhará, não só em Portugal, mas um pouco por toda a Europa fora.

É aqui que ganha, então, relevo a base antropológica do Estudo de direito que somos assente na dignidade da pessoa humana e na garantia da efectivação dos direitos e liberdades fundamentais (Constituição da República, artigos 1º e 2º) e que reclama um sistema de protecção social inscrito no direito fundamental à segurança social. Trata-se de um direito que deverá ter, sempre, o objectivo de libertar as pessoas da “angústia da existência” decorrente de situações económicas e sociais adversas e que deverá, também, concorrer, ao concretizar-se legislativamente, para a manutenção da ordem, da paz e da coesão social como condições necessárias para a realização cívica de cada pessoa e de toda a colectividade. Para a realização da democracia, afinal.

O risco das políticas anti-crise é, hoje, esquecerem os valores da justiça social e da solidariedade e porventura o da dignidade da pessoa humana. E o combate cívico necessário tem de passar, pois, pela derrota da mediocridade e da cegueira partidária e pelo revigoramento da ética e dos valores que nos trouxeram as Luzes e que ainda têm sentido e actualidade – ou os têm cada vez mais.

O regresso dos valores do espírito é a tábua de salvação do século XXI, parafraseando o que um dia terá dito André Malraux.

A procura de saber e a busca de sentido para a Humanidade não está, porém, na agenda política. E talvez nem deve estar… mas não haverá outro modo de vencer as crises de sempre com as máscaras que hoje exibe.

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