quarta-feira, 28 de abril de 2010

CONTRIBUTO PARA A EXTINÇÃO DA ASSOCIAÇÃO

O sindicato dos magistrados não é uma vestal e tem, ainda que,
porventura, involuntariamente, servido à politização da justiça.



Primeiro, uma declaração de interesses: sou advogado. Depois uma constatação indeclinável: encontrei ao longo da minha vida profissional magistrados judiciais e do ministério público de uma grandeza moral e ética, tanto quanto saber, excepcionais.

Posto isto, mergulhemos em mais um aspecto do triste quotidiano da justiça à portuguesa.

O presidente do Sindicato (!) dos Juízes sugeriu recentemente, de forma soberba, que a Ordem dos Advogados fosse extinta. Ainda que a Ordem que temos não seja a “minha” Ordem – o que são contas de outro rosário – não posso deixar de qualificar de lastimável e indigna tão vil declaração. Reflete, todavia, um posicionamento que já há muito é comum em alguns magistrados – políticos, geralmente de rudimentar extração académica e, logo, facilmente moldáveis por quaisquer poderes. Também inseguros de si, débeis psicologicamente e medrosos no relacionamento com outros servidores do direito, nomeadamente os advogados.

Cumpre lembrar alguns princípios a estes magistrados “modernos”.

A Ordem dos Advogados não é um sindicato, quer pela sua natureza, quer pelos seus objectivos, pelo que sindicatos e ordens profissionais não devem confundir-se. Estas, as Ordens, constituem uma categoria diferente dos sindicatos, ainda que também agrupando trabalhadores que exercem determinada profissão, geralmente com formação universitária. Para o Prof. Freitas do Amaral as ordens profissionais diferem dos sindicatos, “porque a lei confere-lhes poderes de autoridade para o exercício de determinadas funções públicas, que em princípio pertenceriam ao Estado. Com efeito estas Ordens exercem, por exemplo, poderes disciplinares sobre os membros da respectiva profissão, que são poderes de autoridade pública (...)” – cfr. Direito Administrativo, Lições (…) 1983/84, vol. I, pp. 486-487. Se tomarmos o caso da Ordem dos Advogados poderemos verificar que esta não se limita, como qualquer sindicato, a promover e defender os interesses próprios dos seus associados. De facto, para além da defesa dos direitos, imunidades e interesses dos seus membros, tem outras finalidades de natureza pública: colaborar na administração da justiça, contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica e aperfeiçoamento da legislação, exercer jurisdição disciplinar sobre os advogados, etc. Por fim sublinhe-se que as ordens profissionais não têm direito de contratação colectiva nem competência para declarar greve, nem podem exercer funções próprias das associações sindicais (cfr. art.º 267º, n.º 4 da Constituição da República portuguesa).

Os sindicatos, por seu lado, prosseguem uma finalidade específica – a defesa e promoção dos interesses socioprofissionais dos trabalhadores. Aqui entra, com destaque, a negociação de convenções colectivas e, também, o exercício do direito à greve, passando pela participação na elaboração da legislação do trabalho e pela intervenção na concertação social.

Pode pôr-se a questão de saber que interesses, de facto, podem prosseguir os sindicatos: apenas interesses sócio-laborais ou, também, outros, por exemplo políticos ou comerciais. A Constituição da República portuguesa não distingue. Dispõe, com efeito, o art.º 55º, n.º 1: “É reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses.” E estabelece, depois, o art.º 56º, n.º 1 que “Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem”.

Os magistrados judiciais, com o seu sindicato, reduzem-se, pois, a trabalhadores que se associam para defender os seus interesses e direitos – o que, à partida, pareceria aceitável. Acontece, porém, que os tribunais são considerados constitucionalmente órgãos de soberania (artigo 202º da Constituição) e os juízes têm um poder e um estatuto de independência específico que é uma garantia, também, de imparcialidade.

Ora quem tem poder, deve ter limites ao seu poder. E como escreveu o Prof. Jorge Miranda (in O perfil do Juiz na tradição ocidental, p. 278) “os juízes não podem ter actividades político-partidárias de qualquer natureza, porque isso põe em causa a própria natureza da sua função e do seu poder dentro do Estado”. Ou seja, têm que ter limites. Ora o sindicalismo nasceu em contexto de luta de classes e é por aí que se tem espraiado, designadamente na histórica luta do proletariado. Naturalmente que o sindicato dos magistrados não é uma vestal e, antes, tem, ainda que, porventura, involuntariamente, servido à politização da justiça.

E tal é inaceitável.

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