quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

COMEMORAR A REPÚBLICA


Entre os valores maiores da República, mesmo que não sendo dela exclusivos, estão a Fraternidade, a Igualdade e a Liberdade. E é à sua luz que deverão ser analisados os grandes problemas e desafios actuais.

O que vamos comemorar nos diversos momentos em que, neste ano, se assinala o centenário da República?
A pergunta parece encontrar justificação, desde logo, na medida em que já flui uma notória discordância, entre os políticos, sobre o assunto enraizada em disputas ideológicas e doutrinárias antigas, mas persistentes.
Ora, se é certo que, de muitos sítios, se poderá abordar a República, há que a perspectivar por inteiro não se limitando, desde logo, a festança aos aspectos positivos da I República. Porque nesta, instaurada em 1910, houve também aspectos negativos que, hoje, não se poderão mais escamotear, sendo que, também, foi republicano o regime que se lhe seguiu, de 1926 a 1974, e onde nem tudo foi mau, no contexto de então. E em República continuamos hoje.
Republicano convicto – declaro-o para que, desde já, fiquem claros os pontos de vista que irei invocar – defendo o regime republicano por uma razão que tenho por iniludível: só ele permite, face à Monarquia, que qualquer cidadão (do mais ilustre intelectual ao simples metalúrgico) possa, em tese, ser eleito supremo magistrado da nação. E nisto reside um pilar decisivo da democracia política. De qualquer modo entendo que a democracia não deveria impedir, em caso algum, que os cidadãos possam, em dado momento, escolher viver em Monarquia.
Posto isto, é minha opinião que a República que queremos comemorar está para além de qualquer regime republicano concreto, ou seja, deve ser vista e compreendida nos seus valores estruturantes essenciais. E estes, forjados, decerto, num específico tempo histórico, não são estáticos, antes dinâmicos, exigindo respostas novas, sempre urgentes, ainda que, tantas vezes, para já velhas e gastas perguntas.
Entre os valores maiores da República, mesmo que não sendo dela exclusivos, estão a Fraternidade, a Igualdade e a Liberdade. E é à sua luz que deverão ser analisados os grandes problemas e desafios actuais.
A Fraternidade que é muito mais do que a simples solidariedade social, ou um qualquer sistema assistencialista estatal. A Igualdade que não é igualitarismo, mas reconhece o mérito. A Liberdade como expressão mais nobre da Justiça entre os homens.
Nos primeiros eventos comemorativos do centenário da República, no Porto, onde em 31 de Janeiro de 1891 eclodiu um primeiro grito de rua favorável ao regime que viria, em 1910, a ser institucionalizado, os principais responsáveis do actual regime tiveram por preocupação maior apelar à unidade dos portugueses, à mobilização das vontades e à convergência política neste tempo crítico por que passamos. Invocaram, a propósito, a necessidade de um novo espírito de cidadania, o amor à Pátria e necessidade de ética na vida pública. Cumpre, porém, assinalar que estes votos, e a sua desejável concretização, são transversais a qualquer regime democrático e não definem o republicanismo.
É por isso que, havendo ainda um ano de comemorações pela frente, bom seria, também, dar a palavra à História e esclarecer, junto da opinião pública, os conflitos que flagelaram todo o tempo republicano tanto quanto os momentos altos que o coroaram. E retirar, daí, lições para o presente e, sobretudo, o futuro.
A República não se confunde com a democracia, mas só em democracia se poderá vivenciar plenamente. Revisitar os valores especificamente republicanos é, pois, tarefa essencial. Controversa, decerto, mas que valerá certamente todo o nosso empenho no mundo complexo e na sociedade de risco em que vivemos. Para não se repetirem erros grosseiros mas, sobretudo, para se aprofundar doutrinariamente o sentido e o alcance do regime republicano

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