sexta-feira, 27 de março de 2009

A CRISE NÃO PODE EXPLICAR TUDO

Portugal está invadido pela corrupção. Corrupção económica e financeira mas, sobretudo, grave corrupção de carácter dos portugueses que têm algum poder sobre o nosso destino colectivo.

A crise financeira, económica e social que se entranhou no nosso quotidiano, ainda que com uma amplitude universal, tem sido, também, um maná caído dos céus para ajudar à sobrevivência de muitos inúteis tanto quanto, também, à gananciosa reprodução de riqueza de alguns oportunistas sem escrúpulos neste nosso país desajeitado, sem lei nem rei.

De um lado, os políticos encontraram na crise o bode expiatório da sua impotência, da sua incapacidade e da sua incompetência. Em tudo o que falham – e quase nunca acertam - imputam à crise as respectivas causas e escamoteiam, constantemente com a crise o seu vazio de ideias, de doutrina e de políticas. Do outro, os detentores de inconfessáveis poderes fácticos que até a política manipulam, exigem do Estado cada vez mais apoios, sob constantes veladas ameaças, e assim vão resolvendo à custa de todos nós – e, sobretudo, das gerações futuras – os problemas “tóxicos” de que são a origem e de cuja solução estatal serão os maiores beneficiados num mundo imoral e injusto como é aquele em que vivemos.

A crise parece, de facto, servir para explicar tudo e tudo justificar.

Explica a pesporrência e a bazófia de muitos detentores do poder, no Governo, nas autarquias e na administração pública em geral, que através da crise disfarçam a sua ignorância e a sua falta de alma de estadistas, senão o seu carácter corrupto.

Explica o egoísmo de muitos empresários que, sem sensibilidade social, varrem, hoje, as empresas de todos os empregados que não deixem lá ficar, com a sua prestação laboral, o seu sangue, suor e lágrimas em beneficio exclusivo de lucros exorbitantes para as empresas e salários de luxo para eles escondidos, muitas vezes, nas famigeradas off-shore.

Mas a crise não pode explicar tudo e, sobretudo, não deveria premiar actos ilícitos passados, tanto quanto crimes ainda actuais, nomeadamente no domínio das finanças e da economia. E tal está a acontecer!

Quem estiver atento ao que se vai dizendo e escrevendo – muitas vezes apenas nas entrelinhas – não pode deixar de verificar como o poder político está de cócoras face, nomeadamente, a banqueiros e vulgares agiotas criminosos, também por incapacidade, ou medo ou conveniência endogámica.

Investigar é um perigo e castigar seria uma proeza a que poucos estarão dispostos.

Quem não está preso pela necessidade, está acorrentado pelo medo.

Esta é a nossa triste sina… e os outros que paguem a crise.

Quando é urgente mudar a realidade em que temos vivido, ensinam-nos e recomendam-nos a vive-la com paciência.

Quando é necessário ir ao passado procurar ensinamentos – e descobrir a trama criminosa em que alguns envolveram quase todos – somos levados a esquecer o que nos minou a existência decente, a tolerar o intelorável e a abdicar da dignidade.

Quando se impõe imaginar o futuro em novos moldes, com outro carácter, mais civilidade e solidariedade, subliminarmente empurram-nos para o aceitar passivamente.

Portugal está invadido pela corrupção. Corrupção económica e financeira mas, sobretudo, grave corrupção de carácter dos portugueses que têm algum poder sobre o nosso destino colectivo. E enquanto olharmos para o lado e assobiarmos uma qualquer cantiga não voltaremos a ser um País.

É tempo de respostas fortes.

sexta-feira, 20 de março de 2009

AS CIDADES INVISÍVEIS

Há que dar vida e força a essa ideia de que existe um “Portugal maior” que os portugueses podem descobrir.

Ítalo Calvino escreveu um livro deslumbrante a que deu o título “As Cidades Invisíveis”. Tido como uma das obras-primas da literatura do século XX, vale bem o tempo que se consagre à sua leitura.
Peguei nesse título porque se me afigura apropriado colá-lo às cidades do meu país – cidades ainda injustamente invisíveis em múltiplos e variados aspectos e tanto para os seus habitantes como para os que as visitam em turismo ou em negócios. Tão invisíveis, porém, quanto magníficas de memórias e de riqueza patrimonial e humana como Diomira, uma daquelas cidades de que Calvino retrata a alma: “Partindo-se dali e andando três dias para Levante o homem encontra-se em Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos os deuses, ruas pavimentadas a estanho, um teatro de cristal e um galo de ouro que canta no alto de uma torre todas as manhãs”.
Revejo-me nesta descrição contemplando espaços magníficos também de vilas e cidades que forjaram a nossa história colectiva, mas que hoje ainda não passam, por vezes, de obscuros lugares onde falta reconhecimento e criatividade. Nós não temos sabido valorizar o que nos foi legado pela mãe natureza, desprezamos a obra de criação das gerações passadas e, levianamente, até vamos destruindo, em nome de uma insana ideia de progresso e de desenvolvimento, o que não somos capazes de ver senão através da perspectiva do lucro fácil e imediato.
Súbditos, também, de um Estado macrocéfalo, perdulário e esbanjador no seu centralismo persistentemente salazarista tanto quanto inconsequente e ignorante das realidades locais, não vemos chegar o tempo da mudança no sentido de uma verdadeira solidariedade nacional. E é cada vez mais tarde.
É por isso que as nossas cidades ainda são essencilamente invisíveis.
Há, neste contexto, que dar vida e força a essa ideia, que hoje corre, ainda sem grande chama, nos canais publicitários, de que existe um “Portugal maior” que os portugueses podem descobrir. É que, apesar das motivações que possam estar na origem do desafio, há, na verdade, um país que muitos de nós ainda ignoramos, ou olhamos sem o ver, invulgarmente belo, por vezes injusto nas suas assimetrias, mas sempre presente, nosso, e disponível para ser redescoberto.
Pena é que os que detêm os cordelinhos da política nacional apenas se tenham lembrado deste outro Portugal em função e por causa de uma crise financeira, económica e social que já nos devora e promete ir ainda mais longe. Só neste contexto, na verdade, é que o país parece ressurgir para além do seu centro político na vetusta capital de um império já longínquo. Oxalá que esta súbita descoberta não se transforme, porém, num expediente para extorquir ao país que está longe do Terreiro do Paço mais esforços para pagar a crise.
Admitámos a bondade do desafio, porém. E colaboremos no exercício que nos é pedido.
Aquando do EURO 2004, o país engalanou-se de bandeiras nacionais, a torto e a direito – muitas vezes, até, sem o devido respeito pelo símbolo em causa – e, em torno do evento motivou-se e ultrapassou-se vencendo a sua normal tendência para a depressão colectiva. Alguns momentos adrede vividos foram muito significativos mesmo pela força que exteriorizou um povo que parecia transfigurado e de tudo capaz.
Ora bem. Nesta profunda crise em que estamos mergulhados poderíamos recuperar o espírito vivenciado nesse tempo de festa desportiva com algum sentido útil e patriótico. A proposta que aqui deixo é simples e sem grandes custos. Por um lado, que em cada habitação se acenda, em cada noite, uma luz que, até ao amanhecer, lembre que há sempre um caminho para vencer quando se mantém a esperança viva e, por outro, que o Estado, nos seus vários níveis, inunde de pontos de luz estradas, caminhos, monumentos, jardins e outros espaços públicos de todo o país.
Luz, mais luz (Goethe) é o desafio.

E-mail: antoniovilar@antoniovilar.pt

quinta-feira, 12 de março de 2009

O HOMEM E O TRABALHO, HOJE.

O trabalho ocupa uma posição central dentro das grandes questões
que se colocam à nossa sociedade.

É geralmente reconhecido que, no meio da crise global que a todos nos afecta, a crise especificamente portuguesa – que não é de somenos importância e, até, talvez, de mais difícil ultrapassagem – tem tudo a ver com a falta de competitivdade do nosso país no concerto das economias. Andamos, há muito, vestidos à rico quando mal temos meios para viver, sequer, como remediados e, por isso, será, mais cedo ou mais tarde, inevitável adaptar o nosso nível de vida à nossa capacidade de produção. Algures se fala já, de resto, no, para muitos, “sacrilégio ideológico” de uma redução da retribuição do factor trabalho à míngua de alternativas em outros horizontes.

É inegável o dramatismo que decorrerá de uma eventual concretização da redução do nível de vida que conhecemos. Mas não é menos dramático o panorama que se nos apresenta quotidianamente, relativo ao crescimento acelerado do desemprego e à falta de novos empregos. Não fossem os vários esquemas públicos e privados de protecção e de solidariedade social que ainda resistem e outros que vão surgindo para as mais graves situações de carência social, e, decerto a paz social já estaria gravemente afectada no país.
No centro de todas as crises e no âmago da sua ressonância em cada um de nós, está o trabalho e a falta dele. O problema nem é novo, mas apresenta novos riscos e maior profundidade neste momento.

Já na encíclica “Laborem Exercens”, João Paulo II afirmava que o trabalho constitui uma dimensão fundamental da existência do homem, desde logo porque, além do mais, é um meio de realização da pessoa humana. Num certo sentido, diria, pois, que para se ser Homem há que trabalhar, sendo o desemprego um catástrofe também humana.
Hoje, porém, a relação das pessoas com o trabalho é um dos maiores problemas que afectam a convivialidade social, sobretudo na medida em que se perde, crescentemente, a consciência de que o trabalho não é, apenas, o antónimo de desemprego, mas, muito mais do que isso, um factor essencial de integração e de coesão social (Casimiro Ferreira).
Se é certo que o trabalho ocupa uma posição central dentro das grandes questões que se colocam à nossa sociedade – problemas humanos, sociais, económicos e políticos – é imperioso olha-lo de outros sítios, por vezes até improváveis, com cada vez maior cuidado. Creio que, de facto, é preciso olhar cada vez mais o Direito do trabalho nomeadamente do ponto de vista do empregador, dos desempregados, dos jovens à procura do primeiro emprego, das mulheres trabalhadoras, dos trabalhadores migrantes, dos trabalhadores autónomes economicamente dependentes.
O Código do Trabalho, na versão de 2009 vinda de entrar em vigor, tendo partido da ideia da flexigurança encalhou na gravidade da crise que, entretanto, se instalou por todo o lado e ficou no meio da ponte. E morrerá na praia, mais dia menos dia. O seu grande defeito será, porventura, o de se ter organizado para solucionar, numa certa perspectiva, algumas questões que, entretanto, deixaram de o ser, ou de estar na ordem do dia, enquanto outras, inimaginadas, vieram a ocupar o terreno da crise. Ademais há que reconhecer que o Direito do Trabalho é o direito dos que têm um emprego e a “questão social” do nosso quotidiano releva, sobretudo, para os que o não têm, ou o vão perder, se não perderam já. E, por outro lado, é já patente que o regime garantístico desse ramo do direito cede, como manteiga ao calor, perante a crise das finanças e da economia.
O pior cego é o que não quer ver. E o excessivo garantismo laboral, em cada dia que passa, vem-se mostrando uma utopia na crise. É por isso que insisto que é preciso, com lucidez e coragem, ver o nosso sistema laboral de outros sítios e deixar cair certos fantasmas postos de guarda a nada.
E-mail: antoniovilar@antoniovilar.pt

quinta-feira, 5 de março de 2009

JUSTIÇA: uma forte preocupação do nosso tempo

O Direito é a arte do bom e do justo.
Lentamente, episodicamente, aparecem à luz do dia mais uns casos de aparente violação das leis do país por alguns daqueles que mais impolutos deveriam ser atento o poder que os cidadãos lhes colocaram nas mãos. Uns são políticos, outros banqueiros e, muitos outros, meros criminosos de profissão que se alcandoraram, um dia, de qualquer modo, à mesa do orçamento do Estado, ou a um galho de um qualquer poder, nomeadamente partidário.
É certo e seguro, porém, que apenas uma parte deste iceberg chega até à opinião pública e sempre, em geral, com dilações insuportáveis em relação ao tempo real dos casos. E, com o nosso proverbial espírito de hipócrita tolerância, clamamos sempre pela presunção de inocência de qualquer vigarista que, se o for à séria, até será indemnizado, um dia, pelo Estado por ter sido, eventualmente, constituído arguido! E a prescrição, que sempre protege os audaciosos, se encarregará, entretanto, de fazer o resto, isto é, de evidenciar que, no âmbito judiciário, Portugal é um país onde o sol brilha, sem cessar, para qualquer criminoso que se preze – porque, quanto aos pequenitos, até se poderá dizer que é implacável e célere.
A Justiça é, em Portugal, um dos grandes problemas da actualidade. Corrói, pela omissão, os espíritos sãos e destroça, pelos adiamentos recorrentes, projectos de vida íntegra; malbarata meios importantes e apresenta poucos resultados em tempo oportuno. Ademais, no afã de se mostrar virtuosa, caminha em constantes sobressaltos legislativos que ferem grave e insistentemente a certeza e a segurança que o Direito deve ter como valores essenciais. Pretende, também, modernizar-se a qualquer preço vilipendiando, tantas vezes, símbolos imemoriais de dignidade e humanismo sem os quais tudo se torne banal e insignificante. Caso típico será, hoje, o da transferência do Tribunal da Boa-Hora para um edifício de escritórios aparelhados para servir a função judicial.
O Direito é a arte do bom e do justo (ius est ars boni et aequi, como escreveu o eminente jurista CELSO, no Digesto). Ora, tal arte não se pode praticar em qualquer sítio, seja às portas dum shopping center, num hotel apressadamente adaptado a tribunal, num banal edifício de escritórios com salas encaixotadas umas por cima das outras, ou num qualquer casinhoto pré-fabricado. Não pode, seguramente, mas pratica-se senão como arte, como artesanato barato.
E assim se esvai o respeito que devem merecer as instituições que suportam mais solidamente a convivialidade humana, o bem estar público e o Estado de Direito. Erroneamente – citando PASCAL – muitas vezes “não sendo possível fazer-se com que aquilo que é justo seja forte, faz-se com que o que é forte seja justo”. Este um grande mal do tempo ingrato e desnorteado que vivemos.
O sistema judicial português, objecto de reformas sem conta nos derradeiros tempos, continua incapaz, apresar de tudo, de dar resposta aos problemas comuns dos cidadãos normais e a auto-destruir-se, por implosão, na sua incapacidade de, ao contrário, se regenerar a partir de dentro de si próprio. É a organização e gestão efectiva dos tribunais, desde logo, que está em causa como factor decisivo que deveria ser para a legitimação, a eficiência e a qualidade da justiça. Depois, também, a desorientação crescente dos operadores judiciais.
Confesso, pois, que ao entrar em certos edifícios onde se pretende que funcionem tribunais, mais me parece estar, por vezes, a entrar num qualquer casino para jogar numa qualquer roleta. E, então, é inevitável a descrença nas decisões proferidas em lugares tão atípicos… e, por vezes, por agentes que, também, não honram devidamente o seu papel eminente – o que nos levaria a outro tema, qual seja o da formação dos magistrados.
Há que alertar, por tudo isso, o poder político para a necessidade de garantir a dignidade do exercício da função judicial. É que por aí passa, também, uma estratégia de afirmação do país aquém e além fronteiras e não, apenas, um qualquer tipo de regulação de conflitos.
Quanto menos Direito, mais crime.