sexta-feira, 20 de março de 2009

AS CIDADES INVISÍVEIS

Há que dar vida e força a essa ideia de que existe um “Portugal maior” que os portugueses podem descobrir.

Ítalo Calvino escreveu um livro deslumbrante a que deu o título “As Cidades Invisíveis”. Tido como uma das obras-primas da literatura do século XX, vale bem o tempo que se consagre à sua leitura.
Peguei nesse título porque se me afigura apropriado colá-lo às cidades do meu país – cidades ainda injustamente invisíveis em múltiplos e variados aspectos e tanto para os seus habitantes como para os que as visitam em turismo ou em negócios. Tão invisíveis, porém, quanto magníficas de memórias e de riqueza patrimonial e humana como Diomira, uma daquelas cidades de que Calvino retrata a alma: “Partindo-se dali e andando três dias para Levante o homem encontra-se em Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos os deuses, ruas pavimentadas a estanho, um teatro de cristal e um galo de ouro que canta no alto de uma torre todas as manhãs”.
Revejo-me nesta descrição contemplando espaços magníficos também de vilas e cidades que forjaram a nossa história colectiva, mas que hoje ainda não passam, por vezes, de obscuros lugares onde falta reconhecimento e criatividade. Nós não temos sabido valorizar o que nos foi legado pela mãe natureza, desprezamos a obra de criação das gerações passadas e, levianamente, até vamos destruindo, em nome de uma insana ideia de progresso e de desenvolvimento, o que não somos capazes de ver senão através da perspectiva do lucro fácil e imediato.
Súbditos, também, de um Estado macrocéfalo, perdulário e esbanjador no seu centralismo persistentemente salazarista tanto quanto inconsequente e ignorante das realidades locais, não vemos chegar o tempo da mudança no sentido de uma verdadeira solidariedade nacional. E é cada vez mais tarde.
É por isso que as nossas cidades ainda são essencilamente invisíveis.
Há, neste contexto, que dar vida e força a essa ideia, que hoje corre, ainda sem grande chama, nos canais publicitários, de que existe um “Portugal maior” que os portugueses podem descobrir. É que, apesar das motivações que possam estar na origem do desafio, há, na verdade, um país que muitos de nós ainda ignoramos, ou olhamos sem o ver, invulgarmente belo, por vezes injusto nas suas assimetrias, mas sempre presente, nosso, e disponível para ser redescoberto.
Pena é que os que detêm os cordelinhos da política nacional apenas se tenham lembrado deste outro Portugal em função e por causa de uma crise financeira, económica e social que já nos devora e promete ir ainda mais longe. Só neste contexto, na verdade, é que o país parece ressurgir para além do seu centro político na vetusta capital de um império já longínquo. Oxalá que esta súbita descoberta não se transforme, porém, num expediente para extorquir ao país que está longe do Terreiro do Paço mais esforços para pagar a crise.
Admitámos a bondade do desafio, porém. E colaboremos no exercício que nos é pedido.
Aquando do EURO 2004, o país engalanou-se de bandeiras nacionais, a torto e a direito – muitas vezes, até, sem o devido respeito pelo símbolo em causa – e, em torno do evento motivou-se e ultrapassou-se vencendo a sua normal tendência para a depressão colectiva. Alguns momentos adrede vividos foram muito significativos mesmo pela força que exteriorizou um povo que parecia transfigurado e de tudo capaz.
Ora bem. Nesta profunda crise em que estamos mergulhados poderíamos recuperar o espírito vivenciado nesse tempo de festa desportiva com algum sentido útil e patriótico. A proposta que aqui deixo é simples e sem grandes custos. Por um lado, que em cada habitação se acenda, em cada noite, uma luz que, até ao amanhecer, lembre que há sempre um caminho para vencer quando se mantém a esperança viva e, por outro, que o Estado, nos seus vários níveis, inunde de pontos de luz estradas, caminhos, monumentos, jardins e outros espaços públicos de todo o país.
Luz, mais luz (Goethe) é o desafio.

E-mail: antoniovilar@antoniovilar.pt

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